Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 5 (1): 72-86
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 5 (1): 72-86
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto
Superior Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
Programa de Primeiros Socorros em Saúde
Mental: Estudo piloto
Mental Health First Aid program: Pilot study
Luís
Manuel de Jesus Loureiro
(1)[a]
Catarina
Sofia Ferreira de Sousa (2)
(1) Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, UICISA: E ESEnfC,
Coimbra, Portugal
(2) Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Casa
de Saúde Rainha Santa Isabel, Coimbra, Portugal
Recebido: 21/01/2019; Revisto: 08/02/2019; Aceite: 20/02/2019.
https://doi.org/10.31211/rpics.2019.5.1.108
Objetivo: O presente estudo
piloto teve como objetivo apreciar comparativamente a qualidade do Programa de
Primeiros Socorros em Saúde Mental na Literacia em saúde mental de
recém-licenciados em Enfermagem. Método: Utilizou-se um desenho
pré-experimental, designado estudo de caso com pós-teste de grupo único. O
Programa teve a duração de dois dias (14 horas). A amostra do estudo foi constituída
por 16 recém-licenciados em Enfermagem, com uma média de idades de 21,86 anos (DP = 0,54). Como instrumento de colheita
de dados foi utilizado o Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde
Mental, aplicado à depressão, esquizofrenia e abuso de álcool. Em termos de
análise de dados, recorreu-se às estatísticas resumo, ao teste Q de Cochran e
teste de Friedman e como medidas de tamanho de efeito o ℜ
e W, associadas ao teste adequado. Resultados: Observou-se, no final da
intervenção, níveis elevados e diferenciados de literacia em saúde mental em
todas as suas componentes, ao nível da depressão, esquizofrenia e uso/abuso de
álcool, especificamente em termos de reconhecimento dos problemas.
Comparativamente, a intenção de pedido de ajuda diferenciou-se consoante o
problema descrito nas vinhetas (p
< 0,05), sendo mais elevada na depressão (81,30%) comparativamente ao abuso
de álcool (56,30%) e à esquizofrenia (37,50%). Resultado idêntico foi obtido
para a confiança em prestar primeiros socorros (p < 0,05) e em que os participantes se sentiram mais confiantes
nos casos da depressão e do abuso de álcool. Conclusões: Apesar das limitações decorrentes do tipo de desenho
utilizado, nomeadamente a ausência de grupo de controlo e não existência de
observação prévia à intervenção, os resultados mostram que no fim do programa
os participantes apresentam elevada confiança para agir em prol da sua saúde
mental e daqueles que lhe estão próximos.
Palavras-Chave: Primeiros socorros; Literacia saúde
mental; Depressão; Esquizofrenia; Abuso álcool; Quase-experiência.
Objective: The present pilot study aimed to comparatively evaluate the quality of
the First Aid Program in Mental Health Literacy in the mental health of recent nursing
graduates. Method: A pre-experimental design was used, termed case study
with single-group post-test. The program lasted two days (14 hours). The study
sample consisted of 16 recent nursing graduates, with a mean age of 21.86 years
(SD = 0.54). The Questionnaire for
Assessment of Mental Health Literacy was used as an instrument of data
collection, applied to depression, schizophrenia, and alcohol abuse. In terms
of data analysis, we used summary statistics, Cochran's Q test, and Friedman
test, and as measures of effect size ℜ and W, associated with the appropriate test. Results: At the end
of the intervention, high and differentiated levels of mental health literacy
were observed in all its components, regarding depression, schizophrenia, and
alcohol use, specifically in terms of recognition of problems. Comparatively,
the intention to request help differed according to the problem described in
the vignettes (p < 0.05), being
higher in depression (81.30%) compared to alcohol abuse (56.30%) and
schizophrenia (37.50%). The same result was obtained for confidence in first
aid (p < 0.05), and the
participants felt more confident in cases of depression and alcohol abuse.
Conclusions: Despite the limitations resulting from the type of design
used, namely the absence of a control group and the absence of previous
observation, the results show that at the end of the program the participants
have high confidence to act for their mental health and of those who are close
to them.
Keywords: First aid; Mental health literacy; Depression; Schizophrenia; Alcohol
abuse; Quasi-experience.
A literacia em saúde (LS) tem assumido lugar de destaque ao longo
das últimas duas décadas, quer enquanto área privilegiada de investigação, quer
ainda, como pressuposto e linha orientadora das intervenções conducentes, entre
outros, à promoção da saúde e prevenção dos problemas de saúde no quotidiano
dos cidadãos (Loureiro et al., 2012; Pedro, Amaral, & Escoval, 2016; Sørensen et al., 2012). A
literacia no domínio da saúde mental, ou Literacia em Saúde Mental (LSM), não é
exceção, existindo vasta evidência publicada, em contexto nacional e
internacional, que revela, por exemplo, que o nível de LSM nas suas
componentes, é muito modesto (Jorm, 2014), e que este facto pode ter implicações nos comportamentos de
procura de ajuda profissional em saúde mental. É também referido na literatura (Jorm, 2014) que não reconhecer um problema como sendo um problema de saúde
mental, contribui para que uma parte substancial das pessoas, ou não procure,
ou demore na procura ajuda e que esses atrasos estão associados a piores
resultados de saúde no futuro. Neste sentido, as pessoas devem apoiar a procura
de ajuda em saúde mental, ainda que existam muitas limitações no conhecimento
sobre o modo como prestar a primeira ajuda. São então consideradas como necessárias,
intervenções que não transmitam apenas conhecimentos em saúde mental, mas
capacitem as pessoas para agir em prol da sua saúde mental (Jorm, 2012, 2014).
Definimos primeira ajuda em
saúde mental como ajuda que é prestada a alguém que está numa situação de
sofrimento e/ou a desenvolver um problema de saúde mental (Loureiro, 2014). Esta ajuda é prestada por alguém que
não é necessariamente profissional de saúde ou de saúde mental (Loureiro, Sousa,
& Gomes, 2014). O momento em que a primeira ajuda se mostra adequada está
representada na Figura 1.
Figura 1. Momento em que a primeira ajuda pode contribuir para a procura de
ajuda. Fonte: Loureiro (2014, p. 20).
A nossa proposta de definição de primeira ajuda é mais abrangente
que o conceito de Primeiros Socorros em
Saúde Mental (PSSM), tal como definido por Betty Kitchener e Anthony Jorm (Kitchener & Jorm,
2002), dado que a proposta destes autores tende a
valorizar as situações de crise, comparativamente às situações em que os
primeiros sinais começam a surgir e as pessoas que os observam tendem a não os
reconhecer, e a desvalorizar os sintomas. Distingue-se também do conceito de primeiros cuidados psicológicos (Organização Mundial de Saúde, 2011), ou primeiros socorros psicológicos (Beja et al., 2018), pois estes estão associados às situações em que as pessoas ficam
abaladas por exposição a situações resultantes de crises graves/traumáticas,
tais como guerras, catástrofe naturais, entre outras.
Assim, a definição de primeira ajuda que se apresenta é coerente
com a definição de problemas de saúde mental, pois este termo é “mais amplo e que
inclui tantos as doenças mentais como os sintomas dessas doenças, que ainda não
são suficientemente graves para que seja feito o diagnóstico” (Loureiro, 2014, p. 8). O programa de Primeiros
Socorros em Saúde Mental (PSSM) alvo deste estudo piloto, foi adaptado para o
contexto Português a partir do programa Mental
Health First Aid (MHFA®), criado na Austrália por Kitchener e Jorm (2002).
Os objetivos do programa de PSSM são (Loureiro,
2014, p. 20): “1. Preservar a vida enquanto a pessoa possa representar
perigo para si ou para outros; 2. Prestar ajuda de modo a que o problema de
saúde mental não venha a tornar-se mais sério; 3. Promover a recuperação da
saúde mental; 4. Providenciar conforto à pessoa que experiencia um problema de
saúde mental”. Trata-se de um programa com a duração de 14 horas cujos
conteúdos englobam as cinco componentes da LSM ao nível de diferentes tipos de
problemas e perturbações mentais (p. ex., perturbações de humor como a
depressão), incluindo também a intervenção em diferentes situações de crise. O
programa ensina, de modo sucinto, a “reconhecer os sinais e valorizar os
sintomas de diferentes problemas e perturbações mentais e de diferentes
situações de crise relacionadas com os problemas de saúde mental. Em
simultâneo, indica o modo mais adequado de oferecer e prestar ajuda inicial e
encaminhar a pessoa para profissionais de saúde adequados (p. ex., psicólogos)
e outro tipo de recursos” (Loureiro et al.,
2014, p. 65). Podemos dizer que o programa promove a
educação do público ao nível da LSM, com o objetivo de reduzir o estigma e de capacitar
os indivíduos e as comunidades para agir em prol da saúde mental. O programa
segue um plano de ação semelhante a outros cursos de primeiros socorros,
traduzida pela menomónica ANIPI (Loureiro, 2014, p.
23) e em que: “A - Aproximar-se da
pessoa, observar e ajudar (incluindo situações de crise); N - Não julgar e escutar com atenção; I - Informar e apoiar; P
- Procurar ajuda profissional especializada incentivando a pessoa a obtê-la; I - Incentivar o recurso a outros apoios”.
A evidência produzida acerca da eficácia deste programa é extensa,
dado ser um dos programas mais utilizados com o intuito de aumentar a literacia
em saúde mental da população. Os resultados de diferentes estudos apresentam
bons indicadores em termos de eficácia como indicam as revisões sistemáticas
com meta-análise efetuadas (Hadlaczky, Hökby, Mkrtchian,
Carli, & Wasserman, 2014; Morgan, Ross, &
Reavley, 2018).
Ainda que possam ser referenciados dois estudos relacionados com
enfermagem (Bond, Jorm, Kitchener, & Reavley, 2015; Burns et al., 2017), ambos utilizam amostras de estudantes e
desenhos de investigação diferentes, nomeadamente utilização de grupo de
controlo e avaliação pré e pós intervenção, tornando-se de difícil comparação. Ainda
assim, ambos os estudos indicam que o programa contribui para o incremento dos
conhecimentos, intenção de prestar primeiros socorros e confiança em prestar
ajuda e apoio, com valores moderados a elevados nas medidas de tamanho de
efeito.
Este estudo tem como objetivo apreciar comparativamente (a partir
de uma amostra de recém-licenciados em Enfermagem), a literacia em saúde mental
acerca da depressão, esquizofrenia e abuso de álcool, após a frequência do
programa de Primeiros Socorros em Saúde Mental.
O presente estudo é
de natureza quantitativa, de nível IV, prosseguindo um desenho pré-experimental
(estudo de caso com pós teste de grupo único).
Participantes
A amostra é constituída por 16
recém-licenciados em Enfermagem (uma semana após a conclusão do curso),
selecionados aleatoriamente da listagem da população de estudantes que
concluíram o curso de licenciatura em Enfermagem (CLE) em julho de 2014 numa
escola de Enfermagem da região Centro de Portugal continental. Da lista de
recém-licenciados, foram selecionados aleatoriamente 20, com recurso ao software random.org (https://www.random.org/), tendo sido
contactados de forma pessoal para participar (voluntariamente) no programa.
Aquando do contacto, foram explicados os objetivos e natureza do programa,
assim como todos os aspetos e questões relativas à participação. Dos 20
contactados, quatro (20,00%) não puderam participar por questões
pessoais/profissionais, tendo recusado o convite.
A amostra foi, assim, maioritariamente
do sexo feminino (87,50%), com uma média de idades de 21,86 anos (DP = 0,54), sendo a idade mínima
observada de 21 anos e máxima de 23 anos.
Instrumento
O instrumento utilizado neste estudo foi
o Questionário de Avaliação da
Literacia em Saúde Mental [QuaLiSMental; Loureiro (2015)]. As cinco componentes da LSM avaliadas foram: a)
reconhecimento dos problemas e perturbações mentais de modo a promover e
facilitar a procura de ajuda; b) conhecimentos sobre os profissionais e
tratamentos disponíveis; c) conhecimentos sobre estratégias de autoajuda
eficazes; d) conhecimentos e competências para prestar primeiros socorros e
ajuda aos outros; e) conhecimento acerca do modo de prevenção de perturbações
mentais. A avaliação é feita após apresentação de três vinhetas que relatam
casos de depressão, esquizofrenia e abuso de álcool, de acordo com os critérios
de diagnóstico da DSM-IV-TR (American
Psychiatric Association, 2006).
Procedimentos
A administração do programa, com a duração de 14 horas (sete
horas/dia), decorreu nos dias 4 e 5 de agosto de 2014, tendo a colheita de
dados decorrido no fim do programa no dia 5 de agosto de 2014. O QuALiSMental
foi previamente submetido à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em
Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E) da Escola Superior de Enfermagem de
Coimbra (N.º P58-12/2011), tendo obtido parecer positivo.
Análise estatística
A análise foi efetuada com recurso ao
programa IBM SPSS, versão 24. Foram calculadas as medidas estatísticas resumo
adequadas. Como teste de hipótese estatístico, foi aplicado o teste Q de Cochran comparando as respostas
observadas nos itens das três vinhetas (com emparelhamento). Em termos de
medida de tamanho de efeito recorremos ao ℜ de acordo com a proposta de Johnston,
Berry e Mielke (2007). Para comparar os resultados
obtidos relativamente à intenção em procurar ajuda e confiança em prestar
ajuda, utilizou-se, para a primeira questão o procedimento anterior (ℜ), para a segunda,
e porque o formato de resposta é em Likert de 1 a 5 pontos, recorreu-se ao
teste de Friedman e como medida de tamanho de efeito o W (Tomczak & Tomczak, 2014).
Reconhecimento dos problemas e perturbações
mentais de modo a promover e facilitar a procura de ajuda
Em termos da primeira
componente da LSM avaliada pelo QuALiSMental (Loureiro,
2015) no fim da frequência do programa de PSSM, podemos observar (Tabela 1) que a totalidade dos participantes rotulou a
situação como depressão. Ainda assim
são de referir outros rótulos assinalados, tais como stress (25,00%), problemas
psicológicos/mentais/emocionais (18,80%) e doença mental (18,80%). Contudo, alguns rótulos assinalados, ainda
que em menor percentagem, remeteram para o não reconhecimento adequado da
situação, tais como uma crise da idade
(6,60%), esgotamento nervoso, e anorexia (18,80%).
No caso da
esquizofrenia podemos observar, que 68,80% dos participantes assinalaram o
rótulo esquizofrenia. Foram ainda
assinalados os rótulos doença mental
(37,50%) e problemas
psicológicos/mentais/emocionais (25,00%).
Na situação
descrita na terceira vinheta (abuso de álcool), podemos verificar que a
totalidade do grupo assinalou o rótulo do abuso
de substâncias. Foram ainda assinalados os rótulos do alcoolismo (31,30%) problemas
psicológicos/mentais/emocionais (18,80%), doença mental (6,30%) e depressão
(6,30%).
Em termos
comparativos, as diferenças com significado estatístico situaram-se nos rótulos
da depressão [Q(2) = 31,125; p < 0,001; ℜ = 0,91], esquizofrenia [Q(2) = 22,000; p < 0,001; ℜ = 0,57], doença mental [Q(2) = 7,600; p < 0,05; ℜ = 0,08], stress [Q(2) = 8,000; p < 0,05; ℜ = 0,14], abuso de substâncias [Q(2) = 30,125; p < 0,001; ℜ = 0,91], anorexia [Q(2)=6,000; p < 0,05; ℜ = 0,09] e alcoolismo [Q(2) = 10,000; p < 0,001; ℜ = 0,20].
Conhecimentos sobre os profissionais e
tratamentos disponíveis
Na segunda
componente, observaram-se resultados satisfatórios em termos das respostas
obtidas nas três vinhetas ao nível dos diferentes profissionais/pessoas que
podem ajudar com ênfase para o médico de
família, psicólogo, enfermeiro, psiquiatra e os familiares
próximos e amigos.
Comparativamente, as diferenças com significado estatístico situaram-se no professor [Q(2) =12,000; p < 0,01; ℜ = 0,11] e serviço telefónico de aconselhamento [Q(2)
= 6,500; p < 0,05; ℜ = 0,24].
Relativamente aos medicamentos/produtos, as diferenças observaram-se,
comparativamente, nas vitaminas [Q(2)=9,000;
p < 0,01; ℜ = 0,17], chás [Q(2)
= 6,500; p < 0,05; ℜ = 0,06], comprimidos para dormir [Q(2) = 9,000; p < 0,01; ℜ = 0,12], sendo
mais marcadas nos antidepressivos [Q(2)
= 13,500; p < 0,001; ℜ = 0,25] e antipsicóticos [Q(2) = 30,125; p < 0,001; ℜ = 0,91].
Conhecimentos sobre estratégias de autoajuda
eficazes
Ao nível da terceira
componente, a tendência observada nas respostas (Tabela 1)
foi para os participantes privilegiarem e considerarem útil nos três problemas
descritos, a ajuda profissional em termos de fazer terapia com um profissional especializado, juntar-se a um grupo de apoio com problemas
semelhantes. Do mesmo modo, as percentagens foram elevadas na utilidade da prática de exercício físico, no relaxamento e na leitura de livros de autoajuda. Comparativamente, apenas se
encontraram diferenças estatisticamente significativas na prática de treino de relaxamento [Q(2) = 6,000; p < 0,05; ℜ = 0,05], na consulta de um site com informação sobre o
problema [Q(2) = 9,000; p < 0,01;
ℜ = 0,08] e ler um livro de
autoajuda [Q(2) = 6,500; p < 0,05;
ℜ = 0,03].
Conhecimentos e competências para prestar
primeiros socorros e ajuda aos outros
No que concerne à quarta
componente, para a vinheta da depressão, observa-se (Tabela
1) que a totalidade dos participantes elegeu como útil a sugestão da procura de
ajuda de um profissional especializado, seguido de ouvir os seus problemas de forma compreensiva (93,80%), marcar uma consulta no médico de família
(93,80%), perguntar se tem tendências
suicidas (93,80%) e incentivá-lo a praticar
exercício físico (87,50%).
No caso da
esquizofrenia, as opções assinaladas como úteis pela totalidade foram: ouvir os
seus problemas de forma compreensiva e sugerir que procure ajuda de um
profissional de saúde especializado. As estratégias, marcar uma consulta no médico de família foi considerado útil por 93,80% dos participantes. A
afirmação de que deve dizer-lhe com
firmeza para andar com a vida para a frente e não valorizar o problema, foram percecionadas como prejudiciais
pela totalidade dos participantes.
No caso da vinheta
que representa o abuso de álcool observa-se que a opção selecionada como útil por todos os participantes foi ouvir os seus problemas de forma
compreensiva (100%). De seguida foram considerados úteis, incentivá-lo a praticar exercício físico
(93,80%), sugerir que procure ajuda de um
profissional de saúde especializado (87,50%) e marcar uma consulta no médico de família com o seu consentimento
(87,50%). Comparativamente, apenas se observaram diferenças com significado
estatístico nas estratégias, perguntar se
tem tendências suicidas [Q(2) = 10,517; p
< 0,01; ℜ = 0,13] e incentivar
a prática de exercício físico [Q(2)= 9,556; p < 0,01; ℜ = 0,18].
Conhecimentos acerca do modo de prevenção de
perturbações mentais
Na última
componente da LSM, observa-se (Tabela 1) que,
relativamente à depressão, as ações preventivas são valorizadas do seguinte modo:
praticassem exercício físico
(93,80%); mantivessem o contacto regular
com os amigos (93,80%), não
utilizassem drogas (93,80%) e mantivessem
o contacto regular com a família (87,50%). No que respeita à esquizofrenia foram
percecionadas como ações preventivas não
utilizassem drogas (93,80%), mantivessem
o contacto regular com os amigos (87,50%), mantivessem o contacto regular com a família (87,50%), não bebessem bebidas alcoólicas (81,30%)
e praticassem exercício físico
(81,30%). Em termos do abuso de álcool, foram consideradas como ações
preventivas não utilizassem drogas
(93,80%), não bebessem bebidas alcoólicas
(81,30%) e praticassem exercício físico
(93,80%). Não se observaram diferenças com significado estatístico (p > 0,05) em nenhum dos itens desta
componente.
Por último, foram
avaliadas a intenção de pedir ajuda, caso os participantes estivessem a
vivenciar uma situação semelhante à descrita nas vinhetas e a confiança para
prestar primeiros socorros e ajuda (no fim da frequência do programa de PSSM).
|
Distribuição Percentual das
Classificações (sim e/ou útil) Atribuídas pelos Participantes aos Itens das
Componentes da LSM avaliadas pelo QuALiSMental no Final da Frequência do Programa
de PSSM
|
|
|||||
|
(N = 16) |
Depressão |
Esquizofrenia |
Abuso álcool |
Q |
ℜ |
|
|
Depressão |
100,00 |
0,00 |
6,30 |
31,125*** |
0,91 |
|
Esquizofrenia |
0,00 |
68,80 |
0,00 |
22,000*** |
0,57 |
||
Doença
mental |
18,80 |
37,50 |
6,30 |
7,600* |
0,08 |
||
Stress |
25,00 |
0,00 |
0,00 |
8,000* |
0,14 |
||
Abuso
de substâncias |
0,00 |
6,30 |
100,00 |
30,125*** |
0,91 |
||
Problemas
psicológicos/mentais/… |
18,80 |
25,00 |
18,80 |
1,000ns |
0,01 |
||
Anorexia |
18,80 |
0,00 |
0,00 |
6,000* |
0,09 |
||
Alcoolismo |
0,00 |
0,00 |
31,30 |
10,000** |
0,20 |
||
|
Médico
de família |
100,00 |
100,00 |
100,00 |
— |
— |
|
Professor |
68,80 |
31,30 |
31,30 |
12,000** |
0,11 |
||
Psicólogo |
100,00 |
93,80 |
100,00 |
2,000ns |
0,01 |
||
Enfermeiro |
100,00 |
100,00 |
100,00 |
— |
— |
||
Assistente
Social |
50,00 |
37,50 |
31,30 |
4,667ns |
0,01 |
||
Psiquiatra |
100,00 |
100,00 |
87,50 |
4,000ns |
0,01 |
||
Serviço
telefónico … |
37,50 |
18,80 |
43,80 |
6,500* |
0,24 |
||
Familiar
próximo |
87,50 |
81,30 |
75,00 |
2,000ns |
0,01 |
||
Amigo
significativo |
93,80 |
87,50 |
81,30 |
2,000ns |
0,01 |
||
|
Vitaminas |
43,80 |
6,30 |
6,30 |
9,000** |
0,17 |
|
Chás |
31,30 |
12,50 |
6,30 |
6,500* |
0,06 |
||
Tranquilizantes/calmantes |
18,80 |
43,80 |
12,50 |
5,250ns |
0,06 |
||
Antidepressivos |
87,50 |
31,30 |
31,30 |
13,500*** |
0,25 |
||
Antipsicóticos |
0,00 |
100,00 |
6,30 |
30,125*** |
0,91 |
||
Comprimidos
para dormir |
37,50 |
37,50 |
0,00 |
9,000** |
0,12 |
||
|
Fazer
exercício físico |
87,50 |
68,80 |
93,80 |
5,200ns |
0,05 |
|
Praticar
treino de relaxamento |
81,30 |
50,00 |
56,30 |
6,000* |
0,05 |
||
Praticar
meditação |
43,80 |
37,50 |
43,80 |
0,268ns |
0,02 |
||
Fazer
acupuntura |
31,30 |
12,50 |
18,80 |
3,500ns |
0,02 |
||
Levantar-se
cedo todas as manhãs ... |
31,30 |
12,50 |
31,30 |
4,500ns |
0,02 |
||
Fazer
terapia com um profissional. |
100,00 |
93,80 |
87,50 |
3,000ns |
0,02 |
||
Consultar
um site que … |
43,80 |
25,00 |
62,50 |
9,000** |
0,08 |
||
Ler um
livro de autoajuda … |
75,00 |
50,00 |
68,80 |
6,500* |
0,03 |
||
Juntar-se
a um grupo de apoio … |
87,50 |
81,30 |
93,80 |
2,000ns |
0,00 |
||
|
Ouvir
os seus problemas … |
93,80 |
100,00 |
100,00 |
2,000ns |
0,00 |
|
Dizer-lhe
com firmeza para andar |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
— |
— |
||
Sugerir
que procure ajuda … |
100,00 |
100,00 |
87,50 |
4,000ns |
0,05 |
||
Marcar
uma consulta … |
93,80 |
93,80 |
87,50 |
2,000ns |
0,00 |
||
Perguntar
se tem tendências suicidas |
93,80 |
68,80 |
56,25 |
10,571** |
0,13 |
||
Sugerir
que beba uns copos … |
0,00 |
6,30 |
0,00 |
2,000ns |
0,00 |
||
Reunir
o grupo de amigos … |
50,00 |
25,00 |
50,00 |
4,000ns |
0,03 |
||
Não
valorizar o problema |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
— |
— |
||
Mantê-lo
ocupado para que … |
31,30 |
12,50 |
31,30 |
2,571ns |
0,01 |
||
Incentivá-lo
a praticar exercício … |
87,50 |
50,00 |
93,80 |
9,556** |
0,18 |
||
|
Praticassem
exercício físico |
93,80 |
81,30 |
93,80 |
2,000ns |
0,00 |
|
Evitassem
situações |
25,00 |
31,30 |
31,30 |
2,000ns |
0,00 |
||
Mantivessem
o contacto os amigos |
93,80 |
87,50 |
87,50 |
0,667ns |
0,02 |
||
Mantivessem
o contacto a família |
87,50 |
87,50 |
87,50 |
0,000ns |
0,03 |
||
Não
utilizassem drogas |
100,00 |
100,00 |
100,00 |
— |
— |
||
Não
bebessem bebidas alcoólicas |
75,00 |
81,30 |
93,80 |
4,667ns |
0,03 |
||
Praticassem
atividades relaxantes |
75,00 |
75,00 |
81,30 |
1,000ns |
0,00 |
||
Tivessem
uma crença religiosa … |
18,80 |
18,80 |
25,00 |
2,000ns |
0,00 |
||
|
Nota. — Não é calculado o/a
teste/medida estatística do tamanho do efeito. ns = não significativo; *p < 0,05; **p < 0,01; ***p
< 0,001. |
|
Como podemos
observar (Tabela 2), relativamente à primeira questão,
observaram-se diferenças com significado estatístico [Q(2) = 10,571;
p < 0,01; ℜ = 0,12] nas três
situações descritas, sendo que os valores mais elevados foram encontrados na
depressão (81,30%) e no abuso de álcool (56,30%), comparativamente à
esquizofrenia (37,50%).
Em termos de
confiança para prestar ajuda e apoio, depois da frequência do programa de PSSM,
os resultados obtidos (Tabela 2) revelaram diferenças
significativas para os três cenários apresentados [χ2(2) = 8,435; p < 0,05; W = 0,26], ainda que os valores medianos fossem iguais para os três
cenários, a confiança foi mais elevada para o caso da depressão e abuso de
álcool.
|
Tabela 2 Distribuição Percentual das Classificações (Sim)
Atribuídas à Intenção de Procura de Ajuda e Estatísticas Resumo Para a
Confiança Para Prestar Primeiros Socorros e Primeira Ajuda |
|
|
||||
|
|
Depressão |
Esquizofrenia |
Abuso álcool |
Q |
ℜ |
|
|
Se
estivesses … pedirias ajuda? |
81,30 |
37,50 |
56,30 |
10,571** |
0,12 |
|
|
|
Média postos (Mediana/Média) |
Média postos (Mediana/Média) |
Média postos (Mediana/Média) |
χ2 |
W a |
|
|
Confiança
para prestar ajuda |
2,25 (3,00; 3,50) |
1,66 (3,00; 3,06) |
2,09 (3,00; 3,50) |
8,435* |
0,26 |
|
|
Nota. a Medida de tamanho de efeito
para o teste de Friedman. *p < 0,05; **p <
0,01. |
|
|
O presente estudo
apresenta, desde logo, algumas limitações relacionadas com o desenho de
investigação utilizado. Tratando-se de um estudo pré-experimental (case study design), que comporta um
grupo único (experimental) e avaliação apenas na pós-intervenção (pós-teste),
isso implica ou comporta ameaças à validade. Primeiro, não existindo avaliação
prévia (pré-teste), não podemos avaliar o contributo do programa de PSSM para o
incremento da LSM que decorre da comparação dos resultados dos dois momentos.
Também não conseguimos saber como estão os participantes em termos de LSM no
momento prévio à frequência do programa, contudo admitimos, dado tratar-se de
uma amostra de recém-licenciados em Enfermagem), que estes detenham
conhecimentos das questões/temas abordados no programa e que decorrem, de terem
frequentado unidade curriculares na área da saúde mental, quer ainda da
frequência de ensinos clínicos de saúde mental e psiquiatria.
A não existência de
grupo de controlo pode também ser considerada uma ameaça à validade, pois não
existe termo de comparação em termos deste programa (PSSM), comparativamente,
por exemplo, a outra abordagem conducente ao incremento da LSM.
Neste sentido, e de
modo a dar resposta ao objetivo do estudo, optou-se por efetuar a análise à posteriori (após o curso), comparando
os resultados obtidos pelos participantes. Este processo de análise por
emparelhamento é possível, pois as questões são as mesmas, assim como os
participantes, variando apenas o estímulo (caso descrito na vinheta). Assim,
poderá analisar-se se as respostas dos participantes são ajustadas e adequadas
aos problemas descritos nas vinhetas, e deste modo aferir, em parte, a
qualidade do programa de PSSM.
É ainda de
salientar que o programa compreende um conjunto vasto de perturbações e que a
versão do questionário utilizado neste estudo (QuALiSMental), um instrumento
com bons índices de validade e fidedignidade (Loureiro,
2015), cinge-se apenas a três problemas de saúde mental. De fora da
avaliação ficam, por exemplo, os problemas de ansiedade (p. ex., fobia social),
ou ainda os problemas da esfera do comportamento alimentar (p. ex., anorexia
nervosa), entre outros.
Reconhecimento dos problemas e perturbações
mentais de modo a promover e facilitar a procura de ajuda
Relativamente à primeira
componente (reconhecimento das perturbações mentais de modo a facilitar a
procura de ajuda), observa-se, na globalidade das perturbações, que os
participantes apresentam resultados satisfatórios, sendo praticamente assente
que sabem identificar as situações e atribuir-lhe um rótulo adequado. Este dado
é importante quando se sabe que o programa não tem como pressuposto a ideia de
diagnóstico em saúde mental, mas tão-somente o reconhecimento dos sinais e a
valorização dos sintomas, sendo a atribuição de rótulos fator relevante para o
questionar e problematizar das situações apresentadas.
Estes resultados
estão em consonância com os obtidos noutros estudos (Bond et
al., 2015; Burns et al., 2017), ainda que os desenhos
de investigação sejam diferentes, no fim da frequência do programa, os
participantes apresentam melhorias no reconhecimento.
Ainda que a teoria da rotulagem perspetive, numa
forma inicial, os rótulos como forma de estigmatização, certo é que os rótulos
podem ter aspetos positivos, isto se pensarmos que o que está a ser rotulado é
o problema e não propriamente a pessoa (Link & Phelan, 2001).
Neste sentido a utilização adequada de rótulos como de valorização do problema
pode constituir-se como uma precondição para a procura de ajuda profissional.
Comparativamente,
observa-se, a partir dos valores das medidas de tamanho de efeito (ℜ) aplicadas aos
resultados obtidos nesta componente, diferenças vincadas e com significado
relevante em termos do efeito do programa na adequada utilização dos rótulos depressão, esquizofrenia, abuso de
substâncias e alcoolismo,
consoante o problema descrito, o que indicia um efeito positivo do programa.
Ainda assim, é de repensar os conteúdos relacionados com o alcoolismo, uma vez
que o termo é desadequado e o problema descrito não configura uma situação de
alcoolismo.
A utilização dos
termos doença mental apresentam valores comparativamente mais baixos, e este
resultado é positivo, pois prende-se com a definição de problema de saúde
mental protagonizada pelo programa e a distinção destes problemas das doenças,
que implicam um diagnóstico. São ainda de salientar dois resultados relacionados
com o rótulo doença mental. Por um
lado, o maior valor percentual surge associado à esquizofrenia, o que é um
indicador positivo pois os participantes sabem que este problema implica perda
de contacto com a realidade, afetando a capacidade da pessoa na decisão de
pedir ajuda. Por outro, o valor mais baixo associado à situação de uso abusivo
de álcool. Este resultado pode indiciar e traduzir-se naquilo que muitas vezes
se centra no domínio do recurso a um termo difuso designado de vício, em que o álcool não é
perspetivado como uma substância psicoativa, tão pouco o abuso é considerado uma
doença. Esta análise é reforçada pela percentagem (cerca de 2/5) dos que
referem que se estivessem na mesma situação, não sabiam se procurariam ajuda.
Conhecimentos sobre os profissionais e
tratamentos disponíveis
Na segunda
componente da LSM (Conhecimentos sobre ajuda profissional e tratamentos
disponíveis), os participantes reconhecem a necessidade das intervenções da
ajuda formal nas três situações-problema apresentadas, nomeadamente de um
profissional de saúde, o que reflete aquelas que são as orientações do programa
e sobretudo o modo como se procede ao acesso aos cuidados de saúde, incluindo
os profissionais de saúde adequados.
Este dado pode
indiciar também a compreensão e valorização dos problemas descritos nas
vinhetas e do sofrimento que implicam para as pessoas que deles sofrem. E,
ainda que valorizem a ajuda informal (e.g., familiares, amigos), a ver pelas
taxas de resposta bastante elevadas e que remetem para a importância que tem
para a saúde mental a existência de uma rede social consistente, estas são
inferiores à necessidade da intervenção da ajuda formal (médico de família,
psicólogo, enfermeiro e psiquiatra).
Não deixa ainda
assim de ser questionável, mesmo após a intervenção, que o professor seja
considerado útil por uma margem
reduzida de participantes, exceção para o caso da depressão (68,80%). Uma das
explicações poderá resultar das experiências de aprendizagem e do contato que
os participantes tiveram com os professores no contexto do ensino superior, em
que o distanciamento exigido, assim como as questões de anonimato e
confidencialidade podem não promover a relação de ajuda.
Em termos de
medicamentos/produtos, a literatura diz-nos que existe uma visão negativa dos
psicofármacos e da sua utilização, por parte da generalidade da população
(incluindo os profissionais de saúde), sendo privilegiados produtos como as vitaminas
e os chás, produtos estes que não estão sujeitos a prescrição médica e são de
venda livre (Jorm, 2014). Neste estudo verifica-se que
a intervenção contribuiu para uma visão mais
correta, até porque os participantes têm noções muito básicas de
psicofarmacologia, e isso está patente no facto dos antidepressivos e os antipsicóticos
serem considerados úteis para a depressão e esquizofrenia, respetivamente.
Ainda assim verifica-se que os medicamentos mais referidos pela amostra como
úteis numa situação de abuso de álcool são os tranquilizantes/calmantes e os
antidepressivos o que pode revelar uma visão associativa da depressão e do
consumo de álcool. Pensamos que o programa necessita de uma abordagem mais
estruturada da psicofarmacologia em termos de outras perturbações como o abuso
de álcool.
Em termos das
medidas de tamanho de efeito, as diferenças são consistentes, variando de
moderadas (vitaminas; antidepressivos) a elevadas (antipsicóticos) no que respeita a alguns
medicamentos/produtos.
Conhecimentos sobre estratégias de autoajuda
eficazes
Em termos da terceira
componente salienta-se a generalização que os participantes fazem de algumas
estratégias para todos os problemas apresentados, salientando-se neste sentido
as estratégias que implicam a ajuda profissional (fazer terapia com um profissional especializado; juntar-se a um grupo de apoio para pessoas
com problemas similares; procurar
ajuda especializada de saúde mental), comparativamente às estratégias que
poderão não requerer à partida acompanhamento, ainda que devem ser supervisionadas
um profissional tais como fazer exercício
físico.
O treino de relaxamento, a prática de meditação, a acupuntura ou ainda o envolvimento em
atividades relaxantes como levantar-se
cedo todas as manhãs e ir apanhar sol não são tão valorizadas quanto as
outras. Dois fatores poderão explicar estes resultados: o desconhecimento da
efetividade destas estratégias, mesmo após o programa, ou uma certa
desvalorização relativamente às estratégias que implicam a ajuda de um
profissional de saúde.
Pensamos que uma
revisão dos conteúdos do programa deve ser efetuada nesta componente, sobretudo
que providencie um esclarecimento acerca do efeito destas e de outras estratégias
(Loureiro, 2014).
Conhecimentos e competências para prestar
primeiros socorros e ajuda aos outros
Na componente
central do programa, verifica-se que a intervenção realizada promove
competências para a prestação da primeira ajuda ao nível dos três problemas,
estando em concordância com as guidelines
internacionais da PASM (Kitchener & Jorm, 2002).
É de referir a valorização
da abordagem inicial e a escuta, traduzido no item ouvir os seus problemas de forma compreensiva o que está em
consonância com a primeira ação do ANIPI, nomeadamente aproximar-se da pessoa, observar e ajudar.
Salienta-se também
a valorização que é feita à procura e incentivo da ajuda profissional (marcar uma consulta no médico de família)
e que está patente na ação procurar ajuda
profissional especializada incentivando a pessoa a obtê-la.
É também importante
referenciar o facto de os participantes, no fim da intervenção, considerarem útil perguntar se a pessoa tem tendências suicidas. Este resultado é
explicado pelos conteúdos abordados no programa onde é clarificado que a ideia
de que questionar acerca do suicídio não coloca a ideia na cabeça da pessoa nem
impulsiona a tomada de decisão para tal, proporcionando, pelo contrário, que a
pessoa fale acerca daquilo que sente e procure ajuda (Yap &
Jorm, 2012).
Também as
estratégias como: dizer-lhe com firmeza
para andar para a frente; sugerir que
beba uns copos para esquecer os problemas; não valorizar o seu problema, ignorando-o; mantê-lo ocupado para que não pense tanto nos seus problemas são
perspetivadas como prejudiciais, o que é bom indicador e que atesta a qualidade
do programa. Por exemplo, dizer a um jovem com firmeza para andar para a frente, pode contribuir
para o isolamento da pessoa, que deixa de partilhar os problemas com os outros,
agravando a situação de saúde.
Conhecimentos acerca do modo de prevenção de
perturbações mentais
Os resultados
apresentados na componente de conhecimentos acerca do modo como se podem
prevenir as doenças mentais (5.ª componente) é consistente com os objetivos do
programa, isto porque os participantes acreditam que é possível prevenir as doenças
mentais, nomeadamente com o estabelecimento de relações sociais próximas,
contacto regular com os amigos, evitamento do consumo de drogas e outras
substâncias como são as bebidas alcoólicas e, ainda, o exercício físico. Outro
dado positivo demonstrado nesta componente e que, a nosso ver, está relacionado
com aquilo que é ensinado no programa, prende-se com o facto de mais de metade
dos participantes considerarem que evitar situações de stresse não reduz o
risco de desenvolver uma perturbação mental.
Intenção de pedido de ajuda e confiança em
prestar ajuda
Duas questões são
fundamentais no contexto do programa de PSSM. A primeira diz respeito à
intenção de pedir ajuda numa situação semelhante à descrita nas vinhetas, e que
decorre do próprio conceito de LSM e do próprio programa, nomeadamente usar o
conhecimento para agir em prol da saúde do próprio e daqueles com quem se
relaciona. Neste sentido, os resultados obtidos são consistentes com a natureza
dos problemas descritos e o que eles implicam, assim como com os contextos
culturais e sociais em que ocorrem, ainda que a estimativa da medida de tamanho
de efeito nesta questão seja muito modesta (ℜ = 0,12), contudo com significado
estatístico. Se no caso da depressão, 4/5 refere que pediria ajuda se estivesse
em situação semelhante, em termos de esquizofrenia, a maioria sabe que a doença
compromete a decisão e reconhecimento da situação por parte de quem sofre. Já
no consumo de álcool, pouco mais de metade pediriam ajuda, o que denota um
certo constrangimento e desconhecimento daquilo que o álcool e os
comportamentos de consumo representam para o indivíduo. Sabemos também que o
uso e inclusive o abuso de álcool são comportamentos muito regulares nos
estudantes de ensino superior, ainda que nem todos bebam e dos que bebem muitos
não o façam em excesso. Contudo, estes resultados sugerem uma certa
incapacidade de analisar criticamente o problema e pode decorrer de julgar o
comportamento com um problema de saúde que poderá ter sido seu ou que assistiu
em colegas e amigos durante a frequência do ensino superior.
Por fim, na segunda
questão, que diz respeito à confiança para ajudar uma pessoa que está a
desenvolver um problema de saúde mental semelhante ao descrito, observamos que
nos três casos relatados, e após a frequência do programa, os participantes
manifestam a sua confiança para intervir. Esta confiança, no entanto,
manifesta-se em diferentes graus (desde confiante a muito confiante), mesmo que
os valores medianos sejam iguais nos três casos, as médias indicam maior
confiança para a depressão e abuso de álcool, com um valor de tamanho de efeito
modesto (W = 0,26).
Os resultados
contribuem para aquilo que tem sido afirmado relativamente ao efeito positivo
do programa sobre a LSM dos participantes, não estando distantes dos resultados
obtidos nas revisões da literatura, que indicam valores para a eficácia que vão
de modestos a elevados (Hadlaczky et al., 2014; Morgan et al., 2018), ainda que as intervenções, sendo de
nível IV, usam desenhos de tipo experimental e quase-experimental.
Conclusão
Os resultados deste
estudo piloto permitem observar a exequibilidade e viabilidade do programa de
PSSM, como ferramenta psicoeducacional conducente ao incremento da LSM. Este
programa promove simultaneamente a prestação de primeiros socorros e primeira
ajuda em saúde mental, como pode contribuir para a redução do estigma associado
às problemas e perturbações mentais no quotidiano e que estão na base de muitos
comportamentos de recusa ou evitamento da procura de ajuda profissional. A
adesão dos participantes poderá também ser indiciadora e indicadora do sucesso
da implementação do programa.
A existência do
plano de ação (ANIPI) torna este programa inovador e capaz de nortear a ação
durante a prestação de primeiros socorros e primeira ajuda, o que pode garantir
que as pessoas obtenham ajuda profissional, diminuindo, por exemplo, o tempo
que decorre entre a ocorrência dos primeiros sinais e sintomas e a procura de
ajuda especializada em saúde mental.
Conclui-se também
que é necessário e adequado aliar este programa, por exemplo, ao
desenvolvimento de plataformas (Web) dedicadas à saúde mental, abrangendo de
forma extensiva todos os quadrantes da população portuguesa, que não só
adolescentes e jovens, ainda que sejam nestas idades que assistimos à
manifestação da maioria dos problemas de saúde mental.
Conflito de interesses | Conflict of interest: nenhum | none.
Fontes de financiamento | Funding sources: nenhuma | none.
Contributos | Contributions: LMJL: Revisão da literatura e
redação do manuscrito; Tratamento dos dados; Discussão dos dados; Revisão da
redação final do manuscrito. CSFS
Contributo na Revisão da literatura; Recolha, inserção e discussão dos dados;
Revisão da redação final do manuscrito.
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