2015, Vol. 1(1): 17-29
Correlatos psicológicos
de cuidadores formais de pessoas com deficiência mental: amostra portuguesa
Artigo Original
Luís Martins, Psy M (1a), Marina Cunha, PhD (1b), Daniela Guerreiro, Psy
M (1b), Mariana Marques, PhD (1,2, b)
(1) Instituto
Superior Miguel Torga, Coimbra, Portugal.
(2) Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra, Portugal.
(a) Recolha
e inserção dos dados para análise estatística e maior contributo para a
elaboração do trabalho.
(b) Contributo
significativo para a revisão do trabalho.
(c)
Maior contributo, logo a seguir ao primeiro
autor, para a elaboração do trabalho; condução da maioria das análises
estatísticas; revisão do trabalho.
Autor para correspondência: Mariana Vaz Pires Marques;
Largo de Celas, 1, 3000-132 Coimbra, Portugal; +351 910637946;
mvpmarques@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.7342/ismt.rpics.2015.1.1.13
Recebido
7 abril 2014
Aceite
28 agosto 2014
Objetivos: O trabalho diário
com pessoas portadoras de deficiência mental é extremamente exigente do ponto
de vista físico e psicológico. Este estudo pretende caraterizar trabalhadores
diversos de instituições que prestam cuidados a pessoas com deficiência mental
quanto à sua vulnerabilidade ao stress,
tipo de personalidade, estratégias de coping
e sintomas psicopatológicos e explorar associações entre essas variáveis e
algumas variáveis sociodemográficas/profissionais.
Métodos: 68 trabalhadores de
instituições que recebem pessoas com deficiência mental, entre os 19 e os 62
anos (M = 36,28; DP = 11,65), responderam a um questionário sociodemográfico, ao
23-Questionário de Vulnerabilidade ao Stress (23-QVS), ao Inventário de
Personalidade de Eysenck-12 (IPE-12), ao Brief-Cope
e ao Brief Symptoms Inventory (BSI).
Resultados: Nesta amostra de
trabalhadores, níveis maiores de vulnerabilidade ao stresse associaram-se a
níveis mais elevados de neuroticismo e de sintomatologia psicopatológica. As
mulheres apresentaram maiores níveis de somatização, os profissionais mais
novos e com menor grau de escolaridade mostraram ser mais vulneráveis ao
stresse. O excesso de horas de trabalho associou-se à vulnerabilidade ao
stresse e à sintomatologia psicopatológica.
Conclusões: Este estudo
confirma que os trabalhadores de instituições que recebem pessoas com
deficiência mental apresentam níveis elevados de vulnerabilidade ao stresse e
risco de sofrer de sintomatologia psicopatológica. É urgente implementar
medidas de intervenção (preventivas ou terapêuticas) no sentido de aliviar o
stresse destes cuidadores, melhorando a sua saúde mental. Parece que os
trabalhadores com níveis mais elevados de neuroticismo poderão beneficiar mais
destas intervenções.
Palavras chave: Profissionais; Deficiência mental;
Portugal; Correlatos psicológicos; Estudo de levantamento descritivo
Durante o
século XX foi-se alterando a visão acerca da deficiência mental. Por oposição à
conceção médico-orgânica passou a dominar a biopsicossocial, centrada no
funcionamento global do indivíduo, inserido num contexto ambiental. A
deficiência mental passou a ser vista como um estado particular de
funcionamento e não um atributo da pessoa (Carvalho & Maciel, 2003).
Segundo o
DSM-IV-TR (American Psychological Association, APA, 2002), a deficiência mental
caracteriza-se pelo funcionamento intelectual global inferior à média, a que se
associam limitações no funcionamento adaptativo em pelo menos duas áreas: comunicação,
cuidados com o próprio, vida doméstica, competências sociais/interpessoais,
autocontrolo, competências académicas funcionais, de trabalho, relacionadas com
os tempos livres, de saúde, de segurança e uso de recursos comunitários.
Normalmente, a manifestação destas caraterísticas ocorre antes dos 18 anos de
idade (APA, 2002).
Vários
fatores predisponentes têm sido identificados. Quanto aos fatores hereditários
temos os erros metabólicos inatos, anomalias genéticas e alterações
cromossómicas. As alterações precoces no desenvolvimento embrionário também
podem causar deficiência mental, nomeadamente as lesões tóxicas pré-natais. A
má nutrição fetal, prematuridade, hipoxemia, infeções, traumatismos e
envenenamentos ocorrendo na gravidez ou nos primeiros dias de vida podem
comprometer o desenvolvimento mental normal. A privação de cuidados e de outros
estímulos sociais e linguísticos também podem ser predisponentes da deficiência
mental (APA, 2002).
Existem
quatro graus de gravidade na deficiência mental, que refletem o grau de
incapacidade intelectual: ligeiro (quociente intelectual/QI entre 50-55 e
aproximadamente 70; 85% do total das pessoas com deficiência mental); moderado
(QI entre 35-40 e 50-55; percentagem de 10%); grave (QI entre 20-25 e 35-40; percentagem
de 3 a 4% dos casos de deficiência mental) e profundo (QI inferior a 20 ou 25;
percentagem de 1 a 2%) (APA, 2002).
Se
considerarmos todos os graus de gravidade de deficiência, o DSM-IV-TR (APA,
2002) refere uma prevalência de aproximadamente 1%. Porém, este valor depende
das definições de deficiência mental, métodos de avaliação e população em
estudo. Em Portugal, os registos nacionais remontam a 2001 e, considerando o
total de pessoas com deficiência, a deficiência mental refere-se a 11,2% (Censos
2001; Instituto Nacional de Estatística/INE, 2002).
A maioria
dos graus de deficiência implica o envolvimento de um ou vários cuidadores
(informais e formais). O cuidador informal é o familiar/amigo/pessoa próxima
que assume a responsabilidade do bem-estar físico, emocional e desenvolvimental
de outra pessoa, sem ser remunerado (Authoritative Information and Statistics
to promote better health and wellbeing/AIHW, 2014). O cuidador formal é um
profissional de saúde que assume o exercício de uma profissão, para a qual teve
preparação académica e/ou profissional, sendo remunerado (Santos, 2004). A
prestação de cuidados formais de saúde a pessoas com deficiência mental é um
serviço indispensável e realizado por diversos trabalhadores (desde médicos e
enfermeiros a auxiliares de serviços gerais) e vários autores referem-se ao
facto do trabalho diário com estas pessoas ser extremamente exigente e
desgastante, física e psicologicamente (Devereux, Hastings, Noone, Firth, &
Totsika, 2009; Hatton et al., 1999; Rose, 1999).
Em
Portugal, segundo temos conhecimento, existem poucos estudos que analisem as
consequências das exigências profissionais do trabalho com pessoas com
deficiência mental. Alguns estudos internacionais abordam a temática, sobretudo
em cuidadores informais (Devereux, Hastings, & Noone, 2009; Devereux,
Hastings, Noone, Firth, & Totsika, 2009; Gray-Stanley & Muramatsu,
2011; Hatton et al., 1999; Jenkins & Elliott, 2004; White, Edwards, &
Townsend-White, 2006). As exigências profissionais, neste caso, dizem respeito
aos aspetos físicos, sociais e organizacionais que requerem um investimento
físico e/ou mental e às quais estão associados custos psicológicos (Devereux,
Hastings, & Noone, 2009), afetando diversas áreas de vida.
Os estudos
nesta área dedicam-se sobretudo ao stresse em profissionais que cuidam de
pessoas com deficiência mental (Devereux et al., 2009; Gray-Stanley &
Muramatsu, 2011; Hatton et al., 1999; Jenkins & Elliott, 2004; White et
al., 2006). Rose, Jones, & Fletcher (1998) encontraram uma relação negativa
entre o stresse e o desempenho profissional dos cuidadores destas pessoas.
Segundo
Folkman e Lazarus (1985), na relação entre fatores potencialmente stressantes e
o nível de stresse, importa atender à avaliação que a pessoa faz dos seus
recursos para lidar com a situação. Os efeitos do stresse são mediados por
variáveis de natureza biológica, psicológica e social (Vaz Serra, 2000). Assim,
diferentes pessoas experimentam diferentes níveis de stresse em resposta às
mesmas circunstâncias. A avaliação que a pessoa faz dos seus recursos determina
o nível de stresse e estratégias de coping
utilizadas (Hatton et al., 1999). Assim, a definição de coping remete para o conjunto de esforços cognitivos e
comportamentais realizados pelos indivíduos para lidar com as exigências
internas ou externas das situações stressantes. As pessoas recorrem, então, a
estratégias de coping avaliadas, como
referido, de acordo com os recursos disponíveis (Folkman & Lazarus, 1980).
Segundo estes autores, as estratégias de coping
podem ser focadas no problema (a pessoa tenta agir de uma maneira ativa e
direta sobre a situação/problema stressante) ou na emoção (a pessoa procura
regular o estado emocional vivenciado face à situação stressante). Este último
tipo de estratégias costuma associar-se a situações vistas como mais difíceis
(de mudar) (Folkman & Lazarus, 1980). Diferentes variáveis internas
(crenças, valores, experiências pessoais, personalidade…) e externas
(rendimento, estatuto socioeconómico, apoio social…) associam-se à utilização
de um tipo ou outro de estratégias de coping
(Lu & Chen, 1996).
Assim, as
características pessoais (e.g., personalidade) têm impacto sobre como a
perceção individual da experiência profissional (e.g., stresse profissional)
(Bartlett, 1998; Hallman, Perski, Burell, Lisspers, & Setterlind, 2002;
Leal, 1998; Seabra, 2000). Rose, David e Jones (2003), num estudo com
profissionais que trabalhavam com pessoas com deficiência mental, verificaram
que os que usavam a reinterpretação positiva (estratégia de coping focada no problema) apresentavam
níveis mais baixos de neuroticismo e de stresse. Importa diferenciar, de acordo
com Eysenck (1967, como citado em McKelvie, Lemieux, & Stout), o
neuroticismo da extroversão, enquanto traços de personalidade: o neuroticismo
resulta da ativação do sistema nervoso autónomo e implica um sistema emocional
lábil (as pessoas ficam emocionalmente ativadas rapidamente e demoram bastante
tempo a regressar ao “normal”); a extroversão resulta da ativação cortical no sistema
nervoso central (as pessoas procuram estimulação e ativação permanentes).
Num estudo
realizado na China, identificaram-se relações entre as características
sociodemográficas dos cuidadores formais de pessoas com deficiência mental e o
seu estado de saúde (física e mental). Os cuidadores que receberam treino
desadequado (em termos de deficiência mental) apresentavam níveis mais baixos
de saúde física e mental. Os homens apresentavam melhor saúde física e
bem-estar geral. Um maior grau académico associou-se a menos problemas de saúde
mental. Os cuidadores casados apresentavam níveis menores de saúde mental e os
que professavam a religião budista registavam valores mais elevados de saúde
mental (Lin et al., 2009). No único estudo português que encontrámos (Pereira,
2014) sobre cuidadores formais de pessoas com deficiência e/ou doença mental
verificou-se que, no geral, as estratégias de coping usadas pelos profissionais com valores médios mais elevados
foram as ativas/focadas no problema (coping
ativo, planear e reinterpretação positiva).
Vários
estudos revelaram que os cuidadores formais e informais (independentemente do
problema das pessoas de quem cuidam) apresentam níveis maiores de
sintomatologia psicopatológica (Gray-Stanley & Muramatsu, 2011; White et
al., 2006). Apesar de escassa a bibliografia sobre estes sintomas em cuidadores
de pessoas com deficiência mental, estes apresentam mais frequentemente
sintomas depressivos (Song & Singer, 2006) e mais problemas relacionados
com o stresse (Van Wijngaarden, Schene, & Koeter, 2004).
Dada a escassez de estudos que, no nosso país,
analisam correlatos psicológicos em profissionais que trabalham com pessoas com
deficiência mental, é nosso objetivo, neste estudo exploratório, caracterizar
os profissionais/cuidadores formais de pessoas de duas instituições que recebem
pessoas com deficiência mental, em diferentes correlatos psicológicos:
vulnerabilidade ao stresse, traços de personalidade (neuroticismo/
extroversão), estratégias de coping e
sintomas psicopatológicos. Apresentaremos as características sociodemográficas
e profissionais da amostra e exploraremos associações entre os correlatos
referidos e estas mesmas características. Um maior entendimento de aspetos como
a vulnerabilidade ao stresse, nível de sintomas psicopatológicos e tipo (e
nível) de estratégias de coping usadas
por estes profissionais, poderá ser útil para as instituições apoiarem melhor
os seus profissionais e assegurarem uma melhor prestação de cuidados aos seus
utentes.
Amostra
A amostra ficou constituída por 68 profissionais de
duas instituições que recebem pessoas com deficiência mental (taxa de resposta
de 100%: dos 52 profissionais de uma das instituições e dos 16 profissionais da
outra instituição, todos participaram no estudo). A maioria dos trabalhadores
era do sexo feminino (n = 57; 83,8%;
média de idades = 36,3 anos). A mesma percentagem de profissionais possuía o
ensino básico (n = 28; 41,2%) ou
superior (n = 28; 41,2%). A maioria dos
trabalhadores era auxiliar dos serviços gerais (n = 31; 45,6%). Treze profissionais (19,1%) eram enfermeiros. No
geral, os funcionários afirmaram ter recebido formação na área da deficiência
mental (n = 57; 83,8%). A maioria
trabalhava aproximadamente sete horas/dia (n
= 43; 66,2%) e trabalhava na instituição há menos de dez anos (54,4%) (Tabela 1).
|
Variáveis
Sociodemográficas e Profissionais |
|
|||
|
Sexo Masculino Feminino |
Total |
n 11 57 68 |
% 16,2 83,8 100 |
|
|
Idade |
|
M (DP) 36,3 (11,65) |
Variação 19 – 62 |
|
|
Escolaridade Ensino
Básico (1º, 2º e 3º Ciclos) Ensino
Secundário Ensino
Superior (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) |
Total |
n 28 12 28 68 |
% 41,2 17,6 41,2 100 |
|
|
Profissão Médico Assistente
social Psicólogo Enfermeiro Fisioterapeuta Educador Cozinheiro Auxiliar
(de serviços gerais) a) Irmã
de caridade Outra
b) |
Total |
n 1 1 2 13 1 2 9 31 3 5 68 |
% 1,5 1,5 2,9 19,1 1,5 2,9 13,2 45,6 4,4 7,4 100 |
|
|
Duração do contrato de trabalho Menos de
10 anos (4-96 meses) Mais
de 10 anos (120-588 meses) |
Total |
n 37 24 61 |
% 60,7 39,3 100 |
|
|
Nº horas de trabalho
diário Até 7 horas 8 ou mais horas |
Total |
n 43 22 65 |
% 66,2 33,8 100 |
|
|
Formação sobre
deficiência mental Não Sim |
Total |
n 11 57 68 |
% 16,2 83,8 100 |
|
|
Nota. n
= frequência/numero de
sujeitos; M = Média; DP = Desvio padrão; a) Executa
trabalhos de limpeza, reabastecimento e conservação em geral, bem como serviços de atendimento (atender telefone,
separar de correspondência, transmitir recados); b) Nesta categoria incluímos
um antropólogo, um terapeuta da fala, um psicomotricista, um terapeuta
ocupacional e um administrativo. |
|
23 Questionário de Vulnerabilidade ao Stress
(23 QVS, Vaz Serra, 2000). O 23
QVS foi desenvolvido para avaliar a vulnerabilidade ao stresse, que implica
pouca capacidade afirmativa, fraca tolerância à frustração, preocupação
excessiva com os acontecimentos quotidianos, dificuldade em confrontar e
resolver problemas e emocionalidade marcada (Vaz Serra, 2000).
É composto por 23 questões, respondidas
numa escala de Likert: concordo em absoluto/4; concordo bastante/3; nem
concordo, nem discordo/2; discordo bastante/1; discordo em absoluto/0. Os itens
1, 3, 4, 6, 7, 8 e 20 são invertidos. Apresenta sete fatores: F1/perfecionismo
e intolerância à frustração; F2/inibição e dependência funcional; F3/carência
de apoio social; F4/condições de vida adversas; F5/dramatização da existência;
F6/subjugação; F7/deprivação de afeto e rejeição. Pode obter-se a pontuação
para cada fator e para a escala total. Um valor total acima de 43 indica que o
sujeito tem 40,1% de hipótese de ser mais vulnerável ao stresse. O instrumento
apresenta boa consistência interna e elevada estabilidade temporal (Vaz Serra,
2000).
No presente estudo, encontrámos valores
de alfa de Cronbach entre 0,29 (deprivação de afeto e rejeição) e 0,60
(subjugação), valores inadmissíveis a fracos (Pestana & Gageiro, 2008) que
podem dever-se ao número de questões de cada dimensão e à heterogeneidade da
nossa amostra. O alfa de Cronbach para a escala total foi de 0,77 (razoável)
(Pestana & Gageiro, 2008).
Eysenck Personality Inventory-12/Inventário de
Personalidade de Eysenck (EPI-12/IPE-12; Silva, Azevedo & Dias, 1995). Para avaliar os traços de personalidade neuroticismo
e extroversão utilizámos uma versão reduzida do Eysenck Personality Inventory (EPI; Eysenck & Eysenck, 1964,
como citado em Eysenck, 1971), o EPI-12 (Barton et al., 1995). Este é respondido
numa escala de Likert: 1/quase nunca, 2/poucas vezes, 3/muitas vezes e 4/quase
sempre. Pontuações mais elevadas em cada dimensão indicam maior extroversão
e/ou neuroticismo (Gomes, 2005).
Recorremos à versão para a população portuguesa de
Silva e colaboradores (1995) do EPI-12, o IPE-12. Neste estudo, encontraram-se
alfas de Cronbach de 0,49 (neuroticismo) e de 0,46 (extroversão), valores
inadmissíveis (Pestana & Gageiro, 2008) (eventualmente pelos motivos já
referidos).
Brief Cope (Pais Ribeiro & Rodrigues, 2004). Carver e colaboradores (1989) desenvolveram o COPE
(60 itens organizados em 15 escalas) para avaliar as estratégias de coping. O Brief Cope foi desenvolvido
para reduzir a sobrecarga nos respondentes (Carver et al., 1997) apresentando as
escalas coping ativo, planear,
utilizar suporte instrumental, utilizar suporte social emocional, religião,
reinterpretação positiva, autoculpabilização, aceitação, expressão de
sentimentos, negação, auto distração, desinvestimento comportamental, uso de
substâncias e humor. As respostas são dadas numa escala de Likert: de 0/nunca
faço isto a 3/faço sempre isto. Pais Ribeiro e Rodrigues (1994) adaptaram o
Brief Cope para a população portuguesa. Encontraram uma estrutura fatorial
idêntica ao original. Verificaram, também, que cada escala apresentou
consistência interna satisfatória, à exceção da escala aceitação.
O Brief Cope apresenta uma introdução em que é
pedido às pessoas que respondam sobre a forma como lidam com os problemas
podendo especificar-se os mesmos (e.g., doença) (Pais Ribeiro e Rodrigues,
2004). As respostas podem ser dadas relativamente a uma situação (coping estado) ou enquanto traço. No
nosso estudo questionamos a forma como a pessoa lida, no geral, com o stresse
na vida (coping traço). No fim da
cotação dos itens de cada subescala chega-se a um perfil geral. As subescalas
não são somadas nem há uma cotação total.
Encontrámos valores de alfa de Cronbach entre 0,32
(utilização de suporte instrumental) e 0,77 (religião), que oscilam entre o inadmissível
e o razoável (Pestana & Gageiro, 2008) (eventualmente pelos motivos já
referidos).
Brief Symptoms Inventory (BSI; Derogatis, 1993;
Canavarro, 1999, 2007). O BSI
foi desenvolvido por Derogatis (1993) para avaliar sintomas psicológicos (nove
dimensões): somatização; obsessões-Compulsões, sensibilidade interpessoal,
depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranoide e
psicoticismo (Canavarro, 1999, 2007). Pode ser administrado a doentes do foro
psiquiátrico/psicológico, outros doentes e à população geral (Canavarro, 1999,
2007). Permite calcular três índices (Índice Geral de Sintomas/IGS; Total de
Sintomas Positivos/TSP e Índice Sintomas Positivos/ISP). O IGS é a soma das
pontuações de todos os itens, divididos pelo número total de respostas (53, se
não existirem respostas em branco). O TSP corresponde ao número de itens com
uma resposta positiva (˃ 0). O ISP calcula-se dividindo a soma de todos os
itens pelo TSP. Os itens 11, 25, 39 e 52 não pertencem a nenhuma das dimensões,
não sendo incluídos nos cálculos das dimensões. Porém, dada a sua importância
clínica são considerados nos três Índices Globais.
Todas as escalas apresentam consistência interna, à
exceção da ansiedade fóbica e do psicoticismo. O BSI apresenta boa estabilidade
temporal e validade preditiva, distinguindo sujeitos perturbados emocionalmente
dos sem perturbações emocionais (Canavarro, 2007).
No presente estudo, encontrámos alfas de
Cronbach entre 0,63 (psicoticismo) (fraco) e 0,87 (somatização) (bom) (Pestana &
Gageiro, 2008).
Procedimentos
Depois de definido o protocolo de
instrumentos deste estudo, foram solicitadas as autorizações para utilizá-los
aos respetivos autores. Foi apresentada, junto dos diretores de duas
instituições (uma delas religiosa) que prestam cuidados a pessoas com
deficiência mental, uma carta de autorização em que se expuseram os objetivos
do estudo, solicitando autorização para administrar o protocolo junto dos seus
trabalhadores. Estes forneceram o seu consentimento informado. Garantiu-se a
confidencialidade das respostas.
Análise
estatística
Utilizou-se o Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0 para Windows Vista SPSS
Inc., 2011. Calculámos estatísticas descritivas. Apesar de a amostra apresentar
um n superior a 30, como no teste
Kolmogorov-Smirnov algumas variáveis não apresentavam distribuição normal,
optámos por testes não paramétricos: correlações de Spearman (interpretadas
segundo os critérios de Cohen, 1992), testes U de Mann Whitney e Kruskal-Wallis.
Caracterização
das variáveis psicológicas/correlatos dos trabalhadores
Tendo em conta o
valor de referência (43; Vaz Serra, 2000), a amostra apresentou elevada
vulnerabilidade ao stresse (M ± DP = 46,3 ± 9,7; Md = 49,0), com uma percentagem considerável a apresentar pontuação
superior ou igual a 43 no 23 QVS (n =
53; 77,9%), descritos pelo autor como “doentes”. Este relata um valor médio de
46,7 (DP = 9,7), valores muito
próximos aos nossos e que diferem do valor de 37,4 (DP = 10,7) dos “não doentes”/não vulneráveis ao stresse. No nosso
estudo destacam-se, em valores médios e medianas, as dimensões perfecionismo e
intolerância à frustração, carência de apoio social, dramatização da existência
e deprivação de afeto e rejeição. Vaz Serra (2000) não apresentou medidas de
tendência central e dispersão das dimensões para podermos realizar comparações.
Não existindo dados
normativos do IPE-12, podemos apenas afirmar que os cuidadores parecem
apresentar valores medianos “moderados” de neuroticismo e de extroversão,
atendendo à variação teórica possível. Vaz Serra (2000) analisou os níveis de
neuroticismo e extroversão (IPE) do grupo de pessoas vulneráveis ao
stresse/doentes versus não doentes. Atendendo aos valores médios que apresentou
(neuroticismo, doentes: M = 14,97; DP = 4,86; não doentes: M = 9,06; DP = 5,09; p ˂ 0,001; extroversão, doentes: M
= 12,58; DP = 3,62; não doentes: M = 12,93; DP = 3,63; sem diferença significativa), os nossos valores médios e
de mediana de neuroticismo encontram-se dentro do intervalo dos “não doentes” e
os de extroversão encontram-se acima de qualquer uma das subamostras.
No nosso estudo, as estratégias de coping com valores de mediana mais
elevados (aparentemente as estratégias mais utilizadas) foram: coping ativo, planear, reinterpretação
positiva, aceitação, utilizar suporte instrumental, utilizar suporte social
emocional, religião e expressão de sentimentos. As estratégias com valores de
mediana mais baixos (aparentemente menos utilizadas) foram: humor, auto
distração, auto culpabilização, negação, desinvestimento comportamental e uso
de substâncias (Tabela 2). No geral, os profissionais
recorrem a estratégias focadas no problema e nas emoções, embora as duas primeiras
estratégias com valores mais elevados se foquem no problema e pareçam traduzir
uma atitude proativa (aparentemente funcional).
|
Médias,
desvios-padrão e variação: 23QVS, IPE-12 e Briefcope |
|
||||||
|
23 QVS |
M |
DP |
Md |
AIQ |
Variação |
Variação teórica |
|
|
Perfecionismo e intolerância à frustração |
12,84 |
3,84 |
13,0 |
5,0 |
3-24 |
0-24 |
|
|
Inibição e dependência funcional |
7,93 |
2,90 |
8,00 |
3,0 |
3-20 |
0-20 |
|
|
Carência de apoio social |
6,41 |
1,30 |
7,00 |
1,0 |
2-8 |
0-8 |
|
|
Condições de vida adversas |
3,79 |
1,31 |
4,00 |
1,0 |
1-8 |
0-8 |
|
|
Dramatização da existência |
6,85 |
1,84 |
7,00 |
2,0 |
3-12 |
0-12 |
|
|
Subjugação |
6,54 |
2,85 |
6,00 |
3,0 |
0-16 |
0-16 |
|
|
Deprivação de afeto e rejeição |
5,76 |
1,54 |
6,00 |
2,0 |
2-12 |
0-12 |
|
|
23QVStotal |
46,30 |
9,72 |
49,00 |
13,0 |
29-92 |
0-92 |
|
|
IPE 12 |
M |
DP |
Md |
AIQ |
Variação |
Variação teórica |
|
|
Neuroticismo |
11,25 |
2,49 |
11,00 |
4,0 |
7-17 |
6-24 |
|
|
Extroversão |
16,87 |
2,81 |
16,00 |
4,0 |
12-23 |
6-24 |
|
|
Brief Cope |
M |
DP |
Md |
AIQ |
Variação |
Variação teórica |
|
|
Coping ativo |
4,43 |
1,22 |
4,00 |
1,5 |
2-6 |
0-6 |
|
|
Planear |
4,37 |
1,14 |
4,00 |
1,0 |
2-6 |
0-6 |
|
|
Utilizar suporte
instrumental |
3,30 |
1,34 |
3,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Utilizar suporte social
emocional |
3,10 |
1,45 |
3,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Religião |
2,91 |
1,77 |
2,50 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Reinterpretação positiva |
4,15 |
1,41 |
4,00 |
3,0 |
2-6 |
0-6 |
|
|
Auto culpabilização |
2,33 |
1,27 |
2,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Aceitação |
3,39 |
1,31 |
4,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Expressão de sentimentos |
3,00 |
1,56 |
3,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Negação |
1,60 |
1,29 |
1,00 |
1,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Auto distração |
2,54 |
1,48 |
2,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Desinvestimento
comportamental |
0,84 |
1,19 |
0,00 |
1,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Uso de substâncias |
0,24 |
0,76 |
0,00 |
0,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Humor |
2,91 |
1,61 |
3,00 |
2,0 |
0-6 |
0-6 |
|
|
Note. M
= Média; DP = Desvio padrão; Md = Mediana; AIQ = Amplitude Inter-Quartil; IPE-12 = Inventário de
Personalidade de Eysenck-12. |
|
Quanto à sintomatologia psicopatológica, realizámos
comparações com as duas amostras apresentadas por Canavarro (2007): da
população geral e clínica (diagnóstico realizado por psiquiatra ou psicólogo).
A nossa amostra teve valores médios e de mediana superiores aos de ambas as
amostras em todas as dimensões do BSI. Porém, verificámos valores elevados de
desvio-padrão e de amplitude interquartil em todas as dimensões, algo que não
sucedeu nas amostras da autora. Nos três índices verificaram-se valores inferiores
a ambas as amostras da autora (Tabela 3). Considerando o ponto
de corte acima de 1,7 no ISP que, segundo Canavarro (2007), indica perturbação
emocional, no geral, os profissionais (ISP, M
= 1,3) não parecem perturbados emocionalmente. Porém, é possível que alguns
respondentes tivessem valores superiores de ISP, atendendo às medidas de
dispersão e à elevada percentagem de respondentes com pontuação total acima ou
igual a 43 no 23QVS.
Associações entre as
variáveis psicológicas dos profissionais
Todas as escalas de vulnerabilidade ao stresse (à exceção
das condições de vida adversas e dramatização da existência) associaram-se
positivamente (magnitudes pequenas a moderadas) com o neuroticismo:
perfecionismo e intolerância à frustração (r
= 0,48), inibição e dependência funcional (r
= 0,46), carência de apoio social (r
= 0,24), subjugação (r = 0,24),
deprivação de afeto e rejeição (r =
0,42) (p < 0,01, à exceção da
subjugação = p < 0,05). Vaz Serra
(2000) encontrou associações significativas entre o neuroticismo, o
perfecionismo e intolerância à frustração, inibição e dependência funcional,
dramatização da existência, subjugação e deprivação de afeto e rejeição. No
nosso estudo, a extroversão associou-se negativamente à deprivação de afeto e
rejeição (magnitude pequena; r =
-0,26; p < 0,01).
|
Análise
Comparativa da Sintomatologia Psicopatológica em três amostras (BSI) |
|
||||||||
|
Amostra da população geral (Canavarro, 2007) |
Amostra em estudo |
Indivíduos perturbados emocionalmente (Canavarro, 2007) |
|
||||||
|
Dimensões BSI |
M |
SD |
M |
DP |
Md |
AIQ |
M |
DP |
|
|
Somatização |
0,57 |
0,92 |
3,37 |
4,41 |
2,00 |
4,5 |
1,36 |
1,00 |
|
|
Obsessões-Compulsões |
1,29 |
0,88 |
4,62 |
3,45 |
4,00 |
4,5 |
1,92 |
0,93 |
|
|
Sensibilidade Interpessoal |
0,96 |
0,73 |
2,60 |
2,32 |
2,00 |
3,0 |
1,60 |
1,03 |
|
|
Depressão |
0,89 |
0,72 |
3,52 |
3,28 |
3,00 |
4,0 |
1,83 |
1,05 |
|
|
Ansiedade |
0,94 |
0,77 |
3,37 |
2,80 |
3,00 |
4,0 |
1,75 |
0,94 |
|
|
Hostilidade |
0,89 |
0,78 |
2,53 |
2,30 |
2,00 |
3,0 |
1,41 |
0,90 |
|
|
Ansiedade Fóbica |
0,42 |
0,66 |
1,30 |
2,18 |
0,00 |
0,0 |
1,02 |
0,93 |
|
|
Ideação Paranoide |
1,06 |
0,79 |
5,12 |
3,06 |
6,00 |
4,0 |
1,53 |
0,85 |
|
|
Psicoticismo |
0,67 |
0,61 |
1,98 |
2,19 |
1,50 |
4,0 |
1,40 |
0,83 |
|
|
IGS |
0,84 |
0,48 |
0,59 |
0,44 |
0,50 |
0,5 |
1,43 |
0,71 |
|
|
TSP |
26,99 |
11,72 |
21,17 |
12,31 |
16,00 |
27,0 |
37,35 |
12,17 |
|
|
ISP |
1,56 |
0,39 |
1,33 |
0,36 |
1,30 |
0,4 |
2,11 |
0,60 |
|
|
Nota. M
=
Média; DP = Desvio padrão; Md = Mediana; AIQ = Amplitude Inter-Quartil; BSI = Brief Symptoms Inventory; IGS = Índice Geral de Sintomas; TSP =
Total de Sintomas Positivos; ISP = Índice de Sintomas Positivos. |
|
A estratégia planear
associou-se negativamente ao perfecionismo e intolerância à frustração (r = -0,27) e condições de vida adversas
(r = -0,24) (magnitudes pequenas; p < 0,05). A utilização do suporte
instrumental associou-se positivamente com o perfecionismo e intolerância à
frustração (r = 0,246; p < 0,05) e com a carência de apoio
social (r = 0,33; p < 0,01) (magnitudes pequenas). A religião apresentou relação
positiva (r = 0,25) com a subjugação e a expressão de sentimentos associou-se positivamente
à deprivação de afeto e rejeição (r = 0,28) (magnitudes pequenas; ambos p < 0,05). A autodistração e o
desinvestimento comportamental associaram-se positivamente ao perfecionismo e
intolerância à frustração (r = 0,38; p < 0,01; r = 0,26; p < 0,05,
respetivamente) e à inibição e dependência funcional (r = 0,41 e r = 0,34,
respetivamente; todos p < 0,01)
(magnitudes pequenas a moderadas). A autodistração relacionou-se positivamente
à deprivação de afeto e rejeição (r =
0,27); o humor associou-se positivamente à inibição e dependência funcional (r = 0,30) e à subjugação (r = 0,25) (magnitudes pequenas; todos p < 0,05). No geral, a estratégia
mais ativa (planear) foi aquela que mostrou estar associada negativamente à
vulnerabilidade ao stresse, e a maioria das estratégias focadas nas emoções
associaram-se positivamente à vulnerabilidade ao stresse. Vaz Serra (2000),
usando IRP para avaliar o coping, o que impede comparações pormenorizadas,
verificou relações negativas entre diferentes escalas do 23 QVS e as duas
subescalas do IRP (uma traduzindo uma atitude de confronto e resolução ativa
dos problemas; outra o controlo interno/externo dos problemas).
O perfecionismo e
intolerância à frustração apresentaram relações positivas (magnitudes moderadas
a elevadas) com todas as dimensões do BSI (somatização: r = 0,42; obsessões-compulsões:
r = 0,56; sensibilidade interpessoal:
r = 0,42; depressão: r = 0,40;
ansiedade: r = 0,41; hostilidade: r = 0,58; ansiedade fóbica: r = 0,49; ideação paranóide: r = 0,40; psicoticismo: r = 0,38; todos p < 0,01, à exceção do psicoticismo = p < 0,05). Vaz Serra (2000) encontrou o mesmo resultado
(relações positivas entre esta subescala e todas as subescalas do BSI).
A inibição e
dependência funcional associaram-se positivamente (magnitudes pequenas a
moderadas) à sensibilidade interpessoal (r
= 0,32), depressão (r = 0,28),
ansiedade (r = 0,37), hostilidade (r = 0,44), ideação paranóide (r = 0,35) e psicoticismo (r = 0,28) (todos p < 0,01, à exceção da depressão e psicoticismo = p < 0,05). Vaz Serra (2000)
encontrou associações positivas entre esta escala do 23 QVS, as
obsessões-compulsões, a sensibilidade interpessoal, a depressão, a ansiedade, a
ansiedade fóbica, e o psicoticismo. A carência de apoio social relacionou-se
positivamente (r = 0,28; p < 0,05; magnitude pequena) com a
depressão. Vaz Serra (2000) verificou associações positivas entre esta escala,
a sensibilidade interpessoal e a ideação paranóide. As condições de vida
adversa associaram-se positivamente à ideação paranoide (Vaz Serra, 2000). A
subjugação relacionou-se positivamente com todos os sintomas psicopatológicos,
excetuando o psicoticismo: somatização, r
= 0,37; obsessões-compulsões, r =
0,31; sensibilidade interpessoal, r =
0,31; depressão, r = 0,25; ansiedade, r = 0,26; hostilidade, r = 0,29; ansiedade fóbica, r = 0,31; ideação paranoide, r = 0,36 (todos p < 0,05, à exceção da somatização = p < 0,01; magnitudes pequenas a moderadas). Vaz Serra (2000)
verificou associações positivas entre a subjugação e as obsessões-compulsões e
a ideação paranóide. A deprivação de afeto e rejeição associaram-se
positivamente a todos os sintomas psicopatológicos (sensibilidade interpessoal: r = 0,44; p < 0,01; depressão: r =
0,28; p < 0,05; ansiedade: r = 0,28; p < 0,05; hostilidade: r =
0,32; p < 0,01; ansiedade fóbica: r = 0,27; p < 0,05; ideação paranóide:
r = 0,43; p < 0,01;
psicoticismo: r = 0,30; p < 0,05), à exceção da somatização
e obsessões compulsões (magnitudes pequenas a moderadas). Vaz Serra (2000)
encontrou uma associação positiva entre esta escala e a hostilidade. O
perfecionismo e intolerância à frustração (r
= 0,54; r = 0,55), a subjugação (r = 0,38; r = 0,31) e o 23QVS total (r
= 0,47; r = 0,47) correlacionaram-se
de forma positiva com o IGS e com o TSP (todos p < 0,01; magnitudes moderadas a elevadas).
O perfecionismo e
intolerância à frustração (r = 0,37; p < 0,01), a dramatização da
existência (r = 0,26; p < 0,05), a deprivação de afeto e
rejeição (r = 0,28; p < 0,05) e o 23 QVS total (r = 0,29; p < 0,05) correlacionaram-se positivamente com o ISP
(magnitudes pequenas a moderadas).
Também no trabalho
de Vaz Serra (2000), o perfecionismo e intolerância à frustração, inibição e
dependência funcional, carência de apoio social, dramatização da existência e
subjugação associaram-se positivamente ao IGS. À exceção da carência de apoio
social, todas as escalas referidas associaram-se positivamente ao TSP. O
perfecionismo e intolerância à frustração, carência de apoio social e
subjugação associaram-se positivamente ao ISP.
O neuroticismo
associou-se positivamente (r = 0,44; p <
0,01; magnitude moderada) com a autodistração e a extroversão apresentou uma
relação positiva (pequena) com o humor (r
= 0,26; p < 0,05). Somente o
neuroticismo surgiu associado a algumas dimensões de sintomatologia
psicopatológica, nomeadamente à sensibilidade interpessoal (r = 0,32), depressão (r = 0,38), ansiedade (r = 0,27), hostilidade (r = 0,35) e ideação paranóide (r = 0,42) (todos p < 0,01; à exceção da ansiedade = p < 0,05). Também se correlacionou positivamente com o IGS (r = 0,48) TSP (r = 0,43) e ISP (r =
0,35) (todos p < 0,01) magnitudes
moderadas).
A utilização de
suporte instrumental associou-se positivamente com as obsessões-compulsões (r = 0,43; p < 0,01) e a sensibilidade interpessoal (r = 0,29; p < 0,05)
(magnitude moderada e pequena, respetivamente). A religião associou-se
positivamente à somatização (r =
0,33; p < 0,01), às
obsessões-compulsões (r = 0,29; p < 0,05), à ansiedade fóbica (r = 0,31; p < 0,05) e ao psicoticismo (r = 0,31; p < 0,05)
(magnitudes moderadas, à exceção das obsessões-compulsões: magnitude pequena).
A autoculpabilização associou-se positivamente à ansiedade fóbica (r = 0,30) e ideação paranoide (r = 0,26) (todos p < 0,05; magnitude moderada e pequena). A expressão de
sentimentos correlacionou-se positivamente com a sensibilidade interpessoal (r = 0,27), depressão (r = 0,25), ansiedade (r = 0,31), hostilidade (r = 0,35) e ideação paranoide (r = 0,28) (todos p < 0,05, à exceção da hostilidade = p < 0,01; magnitudes pequenas a moderadas). Constatou-se uma
relação positiva (moderada) entre a negação e a depressão (r = 0,31; p < 0,05). A
autodistração associou-se às obsessões-compulsões (r = 0,27), depressão (r =
0,36), ansiedade (r = 0,40),
hostilidade (r = 0,46) e ideação
paranoide (r = 0,47) (todos p < 0,01, à exceção das
obsessões-compulsões = p < 0,05;
magnitudes pequenas a moderadas). O desinvestimento comportamental associou-se
positivamente à hostilidade (r =
0,27; p < 0,05). O uso de
substâncias relacionou-se positivamente com todas as sintomatologias
(somatização: r = 0,29; p < 0,05; obsessões-compulsões: r = 0,33; p < 0,01; sensibilidade interpessoal: r = 0,28; p < 0,05;
depressão: r = 0,32; p < 0,01; ansiedade: r = 0,41; p < 0,01; hostilidade: r =
0,31; p < 0,01; ansiedade fóbica: r = 0,25; p < 0,05) (magnitudes pequenas a moderadas), exceto a ideação
paranoide. O uso de humor associou-se positivamente à somatização (r = 0,30; p < 0,05; magnitude moderada).
As estratégias utilizar suporte instrumental,
autodistração e uso de substâncias associaram-se positivamente com o IGS (r = 0,44, r = 0,40, r = 0,35;
todos p < 0,01) e o TSP (r = 0,37; r = 0,38; r = 0,38;
todos p < 0,01) (magnitudes moderadas).
A religião associou-se positivamente ao IGS (r = 0,27; p < 0,05;
magnitude pequena).
Variáveis
psicológicas dos profissionais e sociodemográficas/profissionais
As mulheres apresentaram valores mais elevados de religião
e de somatização. Os profissionais mais novos apresentaram valores mais
elevados versus mais velhos na carência de apoio social. Os profissionais mais
velhos apresentaram maior negação. Os mais novos apresentaram valores maiores
na utilização do suporte emocional e de desinvestimento comportamental. Os
profissionais que trabalhavam na instituição há menos de 10 anos apresentaram
maior ideação paranoide vs. há mais de 10 anos. Os que trabalhavam mais de 8
horas/dia apresentaram valores mais elevados de 23QVS total, de dramatização da
existência, de autodistração e uso de humor (estratégias de coping) e maior psicoticismo (BSI)
versus menos de 8 horas/dia. Os profissionais com formação sobre deficiência
apresentaram valores mais baixos de depressão e de psicoticismo versus sem formação (Tabela 4).
|
Comparações de
Grupos em Algumas Dimensões do Brief Cope, BSI e 23 QVS |
|
|||||
|
Mulheres |
Homens |
U |
p |
r* |
|
|
|
Md |
Md |
|
||||
|
BC - Religião |
3,0 |
2,0 |
130,50 |
˂ 0,01 |
0,29 |
|
|
BSI - Somatização |
2,0 |
0,0 |
173,50 |
0,02 |
0,37 |
|
|
|
19-36 anos |
37-68 anos |
U |
p |
r* |
|
|
Md |
Md |
|
||||
|
23
QVS - Carência de apoio social |
7,0 |
6,0 |
352,00 |
0,05 |
0,25 |
|
|
BC -
Negação |
1,0 |
2,0 |
287,50 |
0,02 |
0,28 |
|
|
BC -
Utilização de suporte emocional |
4,0 |
3,0 |
341,00 |
0,03 |
0,26 |
|
|
BC -
Desinvestimento comportamental |
1,0 |
0,0 |
289,00 |
0,05 |
0,28 |
|
|
|
˂ 10 anos de trabalho |
˃ 10 anos de trabalho |
U |
p |
r* |
|
|
Md |
Md |
|
||||
|
BSI - Ideação paranóide |
6,0 |
3,0 |
246,00 |
0,01 |
0,35 |
|
|
|
˂ 8 horas de trabalho |
˃ 8 horas de trabalho |
U |
p |
r* |
|
|
Md |
Md |
|
||||
|
23
QVS total |
47,0 |
53,0 |
310,00 |
0,02 |
0,28 |
|
|
23
QVS - Dramatização da existência |
7,0 |
8,0 |
329,00 |
0,04 |
0,25 |
|
|
BC -
Autodistração |
2,0 |
3,0 |
328,50 |
0,05 |
0,25 |
|
|
BC -
Humor |
2,0 |
4,0 |
272,00 |
0,01 |
0,33 |
|
|
BSI
- Psicoticismo |
1,0 |
3,5 |
293,00 |
0,04 |
0,26 |
|
|
|
Sem formação em deficiência |
Com formação em deficiência |
U |
p |
r* |
|
|
Md |
Md |
|
||||
|
BSI
- Depressão |
5,0 |
2,0 |
168,50 |
0,03 |
0,28 |
|
|
BSI
- Psicoticismo |
4,0 |
1,0 |
147,50 |
0,01 |
0,34 |
|
|
Nota. Md =
Mediana; U = teste U de Mann
Whitney; p = nível de
significância; BC = Brief Cope; BSI
= Brief Symptoms Inventory; 23 QVS =
23 Questionário de Vulnerabilidade ao Stress; *tamanho do efeito [critérios
de Cohen (1992): 0,1/efeito pequeno; 0,3 = efeito médio; 0,5 = efeito
elevado]. Os r foram calculados
segundo as indicações de Jullie Pallant (p. 223- 3.ª edição: r = z/raíz quadrada do N). |
|
Os trabalhadores com o ensino básico apresentaram
maior subjugação, maior uso de humor e maior somatização versus com ensino
secundário e superior. Os profissionais com escolaridade superior apresentaram
um valor maior na estratégia planear e menor negação versus com ensino secundário e básico (Tabela 5).
|
Comparações por
Escolaridade em Algumas Dimensões do Brief Cope, BSI e 23 QVS |
|
|||||||
|
Ensino básico |
Ensino secundário |
Ensino superior |
X2 |
U |
p |
r* |
|
|
|
Md |
Md |
Md |
|
|||||
|
23 QVS Subjugação |
7,00 |
5,5 |
5,0 |
6,79 |
0,03 |
1 ˃ 3 |
0,33 |
|
|
BC - Planear |
4,0 |
4,0 |
5,0 |
8,36 |
0,02 |
1 ˂ 3 |
0,36 |
|
|
BC - Negação |
2,0 |
2,0 |
1,0 |
8,15 |
0,02 |
1 ˃ 3 |
0,35 |
|
|
BC - Humor |
4,0 |
2,0 |
2,0 |
14,37 |
˂ 0,01 |
1 ˃ 2 |
0,55 |
|
|
BSI - Somatização |
3,0 |
2,5 |
2,0 |
10,14 |
0,05 |
1 ˃ 3 |
0,44 |
|
|
Nota. Ensino básico = 1º, 2º e 3º ciclos; Md =
Mediana; Χ2 = teste
Kruskal-Wallis; p = nível de
significância; BC = Brief Cope; BSI
= Brief Symptoms Inventory; 23 QVS =
23 Questionário de Vulnerabilidade ao Stress; *tamanho do efeito [critérios
de Cohen (1992): 0,1/efeito pequeno; 0,3 = efeito médio; 0,5 = efeito
elevado]. Os r foram calculados
segundo as indicações de Jullie Pallant (p. 223- 3.ª edição: r = z/raíz quadrada do N: neste caso foram seguidas
indicações da página 228 – testes post-hoc). |
|
Apesar de existirem poucos estudos com
os quais possamos comparar os nossos resultados, estes vão, no geral, ao
encontro da literatura, quanto às consequências para a saúde das exigências do
trabalho com pessoas portadoras de deficiência mental (Devereux et al., 2009;
Hatton et al., 1999; Jenkins & Elliott, 2004; Rose, 1999). A amostra
apresentou um valor médio e de mediana indicadores de vulnerabilidade ao
stresse, e uma percentagem elevada de trabalhadores apresentou pontuação total
no 23 QVS superior ou igual a 43 (Vaz Serra, 2000). Em todas as dimensões do
BSI, os trabalhadores revelaram pontuações superiores às das amostras da
população geral e clínica (Canavarro, 2007). Porém, é necessário ter em conta
os valores de dispersão encontrados na nossa amostra (desvio-padrão e amplitude
interquartil) em todas as dimensões. Atendendo ao resultado total no 23 QVS e
aos valores de tendência central e dispersão no BSI, podemos afirmar que esta é
uma amostra particular, sendo possível que alguns trabalhadores apresentem
sintomas psicopatológicos, mesmo num nível superior ao da amostra clínica de
Canavarro (2007). Não tendo recorrido a uma amostra de controlo com
profissionais que trabalhem com outro tipo de população, não podemos afirmar
categoricamente que “cuidar” de pessoas com deficiência mental vulnerabiliza ao
stresse e aumenta a probabilidade de sintomas psicopatológicos, mas os
resultados parecem indicar que esta amostra parece estar a sofrer o impacto
associado a este tipo de trabalho. Se, segundo Vaz Serra (2000), quem sofre de
vulnerabilidade ao stresse apresenta pouca capacidade afirmativa, fraca
tolerância à frustração, preocupação excessiva com acontecimentos quotidianos,
dificuldade em confrontar e resolver problemas e emocionalidade marcada, estes
profissionais podem ver condicionada a forma como lidam com as exigências
profissionais e, ainda que não o possamos afirmar em absoluto, tal pode gerar,
em alguns casos, a referida sintomatologia.
Quanto às pontuações da nossa amostra
nos três índices gerais do BSI, apesar das pontuações encontradas nas dimensões
do instrumento, as pontuações nestes índices foram menores que as das amostras
de Canavarro (2007). Este resultado pode dever-se a variados motivos: quatro
dos itens que não entram no cálculo das dimensões, apesar de entrarem no
cálculo dos índices; muitos sujeitos assinalaram vários itens com resposta 0,
mas quando responderam com resposta superior a 0, fizeram-no muitas vezes com
pontuação “1”, o que fez diminuir os valores do IGS e ISP, mas fez aumentar os
valores médios e de mediana de cada dimensão.
Os profissionais pareceram apresentar
níveis moderados de neuroticismo e extroversão e utilizar como principais
estratégias de coping, estratégias
tendencialmente funcionais, porque voltadas para o problema (Lazarus &
Folkman, 1985). Pereira (2014) verificou esta tendência: profissionais que
trabalham com pessoas com deficiência/doença mental apresentam níveis mais
elevados nas estratégias de coping
focadas nos problemas. Tal parece indicar uma postura proativa perante
situações stressantes.
Enfatiza-se a relação da vulnerabilidade
ao stresse com a maioria das variáveis psicológicas, no sentido esperado.
Reforça-se a correlação entre a maioria das dimensões de vulnerabilidade ao
stresse e o neuroticismo. Uma das facetas do neuroticismo é precisamente a
vulnerabilidade ao stresse (McCrae & Costa, 2010). Não é de estranhar que,
independentemente da população com que se trabalha, os profissionais com níveis
maiores de neuroticismo apresentem maior vulnerabilidade ao stresse. É
largamente reconhecido que níveis maiores de neuroticismo conduzem a maior
stresse face a certas situações (Gunthert, Cohen, & Armeli, 1999).
Tratando-se de um estudo transversal existe, porém, a hipótese de ser o stresse
profissional (como acontece em formatos profissionais como o trabalho por
turnos) a aumentar os níveis de neuroticismo (e.g., Harrington, 2001).
A vulnerabilidade ao stresse (suas
dimensões) associou-se à utilização de diferentes estratégias de coping. Foi positivo verificar que a
estratégia mais ativa (planear) (a que pareceu ser a mais usada pelos
profissionais) associou-se negativamente à vulnerabilidade ao stresse. Algumas
estratégias mais focadas nas emoções (autodistração e desinvestimento
comportamental) revelaram uma relação positiva com a vulnerabilidade ao
stresse. Os profissionais com menor vulnerabilidade ao stresse parecem usar
estratégias mais “ativas/positivas/funcionais” de coping e profissionais com maior vulnerabilidade ao stresse tendam
a usar estratégias de “fuga” das situações com que se deparam. Vaz Serra (2000)
encontrou uma relação negativa desta vulnerabilidade com a atitude de resolução
ativa dos problemas e a atitude de controlo interno/externo dos problemas. A
ausência de informação mais detalhada sobre o instrumento usado pelo autor impede
uma discussão mais aprofundada.
Várias dimensões do BSI associaram-se
positivamente a dimensões de vulnerabilidade ao stresse, tal como sucedera com
Vaz Serra (2000), enfatizando-se a relação com o perfecionismo e intolerância à
incerteza. Parece que nesta amostra uma maior vulnerabilidade ao stresse
associou-se a maiores níveis de sintomatologia psicopatológica.
Independentemente do tipo de profissional (cuidador ou não de pessoas com
deficiência mental), o modelo de vulnerabilidade ao stresse refere o papel da
vulnerabilidade/diátese ao stresse (associada a fatores predisponentes, como a
personalidade) e a forma como se lida com o mesmo no caminho causal que
conduzirá à psicopatologia. Uma diátese maior aumentará o risco de sintomas
psicopatológicos (Ankin & Abela, 2005).
A
relação entre o stresse e as estratégias de coping
usadas é fortemente mediada pelas características de personalidade (Heth &
Somer, 2002; Keil, 2004; McCrae & Costa, 1997). Este aspeto deve ser
considerado em qualquer tipo de cuidador. No nosso estudo, a extroversão
associou-se ao humor e o neuroticismo à autodistração, estratégias de coping
distintas, sendo a primeira mais ativa e a segunda mais focada nas emoções.
Estas associações fazem sentido atendendo à procura de excitação que
caracteriza os extrovertidos e às características emocionais das pessoas com
níveis maiores de neuroticismo. Foi o neuroticismo que mostrou associações
significativas com diferentes dimensões psicopatológicas e índices do BSI, como
seria de esperar, visto ser um fator que vulnerabiliza a diferentes tipos de
sintomatologia (Ormel, Rosmalen, & Farmer, 2004).
Articulando a informação referida,
profissionais que trabalham com pessoas com deficiência mental com níveis
maiores de neuroticismo, vivenciando stresse (em boa parte, devido à atividade
profissional) podem vivenciar níveis maiores de sintomas e recorrer a
estratégias menos adaptativas de coping.
Num estudo longitudinal seria interessante testar estas hipóteses e eventuais caminhos
preditivos e de mediação entre as variáveis. Parece ser pertinente implementar,
junto de instituições que recebem pessoas com deficiência mental, programas
preventivos ou terapêuticos para aliviar o stresse dos cuidadores e ativar
novas estratégias de coping (mais focadas no problema, eventualmente)
melhorando a sua saúde mental. Os profissionais com dados traços de
personalidade (i.e., maiores níveis de neuroticismo) podem beneficiar mais
destes programas.
Quanto às características sociodemográficas
e profissionais, as mulheres apresentaram maior somatização e recorreram mais à
religião. Lin e colaboradores (2009) identificaram os profissionais de saúde
mental do sexo feminino como tendo menor condição de saúde física e mental.
Numa metanálise, Tamres e colaboradores (2002) confirmaram que as mulheres
tendem a recorrer mais à religião. A idade influenciou a vulnerabilidade ao
stresse e as estratégias de coping
usadas: profissionais mais novos apresentaram maior carência de apoio social,
utilização de suporte emocional e desinvestimento comportamental. Os mais
velhos utilizaram mais a negação. Alguns estudos apontam para o uso de
estratégias que envolvam negação, com o avançar da idade (Denoux &
Macaluso, 2006). Mais anos de trabalho na instituição associaram-se a menor
ideação paranoide, o que pode dever-se a um conhecimento maior da instituição e
seu funcionamento, diminuindo a possibilidade de suspeição. Os profissionais
que trabalham mais horas por dia apresentaram maior vulnerabilidade ao stresse,
como noutros estudos (Gray-Stanley & Muramatsu, 2011), talvez pela
sobrecarga geral (profissional) e associada às tarefas envolvidas no “cuidar”
de pessoas com deficiência mental. Como já refletido, pode fazer sentido que
dada a sua maior vulnerabilidade ao stresse, estes profissionais utilizem mais,
também, a autodistração e o humor como estratégias de coping, sendo estas mais focadas nas emoções e menos no problema. O
maior número de horas de trabalho associou-se, também, ao aumento do
psicoticismo (escala que reflete isolamento e estilo de vida esquizoide). O
conteúdo dos itens que compõem esta dimensão (demasiado inespecífico) impede
uma leitura mais detalhada deste resultado. Não pode descartar-se a influência
de potenciais terceiras variáveis (não controladas) para o mesmo. A literatura
é contraditória quanto à importância da qualificação académica/profissional dos
cuidadores de pessoas com deficiência mental. Neste estudo, os profissionais
com menor grau de escolaridade apresentaram maior subjugação e somatização e
recorreram mais à negação e humor. Os mais qualificados usaram mais o
planeamento, suporte emocional e desinvestimento comportamental. Assim, parece
verificar-se o uso misto de estratégias focadas no problema e nas emoções
(independentemente da qualificação).
A formação sobre deficiência mental
revelou ser “protetora” da saúde mental dos trabalhadores. Os que receberam
formação apresentaram menor depressão e psicoticismo. Parece ser importante
incluir esta formação em programas de intervenção com estes profissionais.
Innstrand, Espnes e Mykletun (2004) implementaram um programa de intervenção
junto de cuidadores de pessoas com deficiência mental. Verificou-se redução do
stresse e do burnout, aumentando a
satisfação com o trabalho.
A escassa literatura sobre o tema,
sobretudo em Portugal, impossibilita mais comparações. Uma limitação deste
estudo diz respeito à baixa fidedignidade de várias dimensões dos instrumentos
utilizados que pode associar-se à heterogeneidade da amostra ou a variáveis relativas
ao seu recrutamento e que não foram possíveis de controlar. Igualmente, o
tamanho da amostra impede que seja representativa da população de
profissionais/ cuidadores formais de pessoas com deficiência mental e, assim, a
generalização dos resultados. Apesar destas limitações, este estudo
exploratório é um dos primeiros sobre o tema no nosso país. Importa continuar a
explorá-lo (numa amostra maior e mais representativa), pela sua elevada
pertinência, visto que os correlatos psicológicos destes profissionais podem
ter impacto na prestação de cuidados a pessoas com deficiência mental.
Agradecimentos: Agradece-se a
participação dos profissionais.
Conflito de interesses: nenhum.
Fontes de financiamento:
nenhuma.
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