Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 5 (2): 38-48
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 5 (2): 38-2148
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior
Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
Qualidade do sono e sonolência em estudantes
do ensino superior
Sleep quality and sleepiness in college students
José Mendes (1,3)
Mónica Sousa (2)
Vânia Margarida Leite (2)
Nuno Belchior
Teresa Medeiros (2,3)
(1) INTELECTO – Psicologia &
Investigação, Ponta Delgada, Açores, Portugal
(2) Universidade dos Açores, Ponta Delgada,
Portugal
(3) Instituto de Psicologia Cognitiva,
Desenvolvimento Humano e Social, Coimbra, Portugal
Recebido: 19/06/2019; Revisto: 09/11/2019; Aceite: 28/11/2019.
https://doi.org/10.31211/rpics.2019.5.2.150
Contexto e Objetivo: O sono ao demonstrar-se fundamental para o
desenvolvimento do indivíduo, despertando o interesse em investigar qualidade
do sono em estudantes do ensino superior. Assim, pretendeu-se com o presente
estudo, caracterizar as componentes da qualidade subjetiva do sono e sonolência
excessiva diurna numa amostra de estudantes do ensino superior. Métodos: Aplicaram-se as versões portuguesas do Índice da qualidade do
sono (PSQI-PT) e da Escala de Sonolência excessiva diurna (ESS), em 257
estudantes do ensino superior distribuídos por sete instituições de ensino
superior. Resultados: A maioria dos
participantes revelou subjetivamente uma má qualidade do sono e referiu dormir
mais de sete horas durante a semana, sendo este número maior durante o fim de
semana. A perceção da Latência do Sono e da Disfunção Durante o Dia diferiu em
função do sexo dos participantes. Os trabalhadores-estudantes mostraram
percecionar uma fraca Qualidade Subjetiva do Sono e uma menor Duração do Sono.
Encontrou-se uma correlação baixa com significância estatística entre o PSQI-PT
e a ESS. Apesar da maioria dos participantes da amostra percecionar uma má
qualidade do sono, também a maioria revelou uma eficiência subjetiva do sono
superior a 85,0%. Conclusões: Verificou-se que os participantes em estudo avaliaram subjetivamente a
qualidade do sono como sendo pobre. Estudos futuros devem explorar possíveis
programas de prevenção (i.e., alimentação, TIC, exercício físico) que melhorem
a qualidade subjetiva do sono.
Palavras-Chave: Sono; Qualidade do sono; Sonolência;
Estudantes do ensino superior.
Background
and Aim: Sleep is fundamental for the development of the individual, arousing
interest in investigating the quality of sleep in higher education students.
The aim of this study was to characterize the components of subjective quality
of sleep and excessive daytime sleepiness in a sample of higher education
students. Method: The Portuguese
versions of the Quality Sleep Index (PSQI-PT) and of the Epworth Sleepiness
Scale (ESS) were applied to 257 college students in seven higher education
institutions. Results: Participants
subjectively reported poor sleep quality and sleeping more than seven hours
during the week, but at the weekend the value was higher. The perception of
sleep latency and dysfunction during the day differed according to the
participants' gender. The Working College students showed to perceive bad
Subjective Sleep Quality and a smaller Sleep Duration. It was found a small
statistically significant correlation between subjective sleep quality
(PSQI-PT) and daytime sleepiness (ESS). Although most of the participants of
the sample perceived bad sleep quality, the majority also revealed a sleep
efficiency higher than 85.0%. Conclusions: Study participants
subjectively assessed sleep quality as poor. Future studies should explore
possible prevention programs (i.e., diet, ICT, physical exercise) to improve subjective
sleep quality.
Keywords: Sleep; Quality of sleep; Sleepiness; College students.
O sono noturno saudável é fundamental para o funcionamento do
sistema nervoso central (Simor, Krietsch, Köteles, & McCrae, 2015) e para a saúde física e mental do indivíduo (João, Jesus, Carmo, & Pinto, 2018). Segundo Paiva (2015), um sono irregular aumenta o risco de problemas de saúde física
(i.e., obesidade, hipertensão arterial, depressão e acidentes) e psicológica
(i.e., afeta a memória, a aprendizagem, a criatividade e as emoções). Estudos
recentes revelam que o bem-estar físico e psicológico é influenciado pela
qualidade do sono (João et al., 2018;
Wang, Xue, Fan, Huang, & Chen, 2019; Yan, Lin, Su,
& Liu, 2018), já que a má qualidade do sono tem um impacto significativo no
comportamento e no bem-estar físico e homeostático (Marguilho et al., 2014).
O sono define-se através de duas componentes: duração (quantidade
de sono por noite) e qualidade do sono, isto é, a satisfação percebida do sono
pelo indivíduo (e.g., Campsen & Buboltz, 2017). A qualidade do sono revela-se essencial para o desenvolvimento
do ser humano (Lopes, Milheiro, & Maia, 2013; Yan et al., 2018), uma vez que o sono exerce um papel homeostático fundamental na
redução do stress físico e melhora a qualidade de vida dos indivíduos (Amaro & Dumith, 2018).
A qualidade do sono pode ser influenciada pelo tipo de trabalho e
a dedicação horária ao mesmo, tal como acontece com o tipo de atividade que os
estudantes universitários precisam de despender diariamente (Benavente, Silva, Higashi, Guido, &
Costa, 2014), estando estes sujeitos a horários irregulares de aulas e provas
académicas que podem afetar o padrão do ciclo de sono-vigília (Carvalho et al., 2013). De facto, sabe-se que os horários irregulares de aulas
acompanhados de sonolência diurna podem afetar o padrão do sono e comprometer a
capacidade funcional, tal como se verificou no estudo de Amaro e Dumith (2018) com professores universitários.
A construção do elevado prejuízo na qualidade do sono em
estudantes do ensino superior (Corrêa, Oliveira, Pizzamiglio, Ortolan,
& Weber, 2017) despertou o interesse de vários autores em compreender, neste
mesmo grupo, os problemas relacionados, quer com a qualidade, quer com a
quantidade do sono (Tsui & Wing, 2009). A título exemplificativo, refira-se o estudo de Lopes et al. (2013) que verificou que 64,8% dos estudantes apresentavam má qualidade
do sono. Resultados idênticos foram encontrados por Orzech, Salafsky e Hamilton (2011), que explicam os resultados por uma má gestão dos horários de
sono.
O estudo do sono nos estudantes do ensino superior é tanto mais
importante quanto a privação do sono pode ser a causa de redução do desempenho
académico (Obrecht et al., 2015). Estudos revelaram que o sono insuficiente, as saídas noturnas e
a qualidade do sono influenciavam o desempenho académico de estudantes
universitários (Gomes, Tavares, & Pinto de Azevedo, 2011), observando-se diferenças por sexo quanto aos horários de
sono-vigília (Gomes, Tavares, & Pinto de Azevedo, 2009), e que os estudantes universitários a estudar fora da sua área de
residência, também apresentavam horários de sono-vigília mais tardios durante a
semana (Gomes, Tavares, & Pinto de Azevedo, 2008).
A qualidade do sono parece ser afetada pelo facto de os estudantes
do ensino superior manterem maus hábitos de sono frequentes (e.g., deitarem-se
tarde ou privarem-se de sono (Ye, Hutton
Johnson, Keane, Manasia, & Gregas, 2015). Acresce que a sonolência diurna se associa à qualidade e
quantidade de sono, afetando a saúde geral dos estudantes (i.e., problemas
físicos e mentais) (Rose et al., 2015).
Além do rendimento académico ficar comprometido devido à má
qualidade do sono (Yan et
al., 2018), um sono inadequado provoca um decréscimo no funcionamento
cognitivo, psicomotor e emocional (Orzech et al., 2011). Da mesma forma, o stresse académico e algumas características
sociodemográficas são alguns dos fatores relevantes na redução da qualidade do
sono de estudantes no ensino superior (Benavente et al., 2014).
O facto de existirem vários estudos a revelarem a má qualidade de
sono em estudantes do ensino superior (Campsen & Buboltz, 2017;
Garett, Liu, & Young, 2016), associado ao facto dos autores darem conta, enquanto docentes e
estudantes do ensino superior, que os estudantes, muito frequentemente, faltam
às primeiras aulas da manhã ou chegam a essas mesmas aulas tarde e ensonados,
foram os motivos que despertaram a sua curiosidade e impulsionaram a realização
deste estudo. Assim foi intuito deste estudo, caracterizar o sono (i.e., quanto
à sua duração, qualidade, associação com diferentes variáveis
sociodemográficas, sonolência e associação entre qualidade e sonolência) numa
amostra de estudantes do ensino superior português, tendo em consideração o
Índice de Qualidade do Sono e a Sonolência Excessiva Diurna. Considerando que
foram verificadas diferenças psicométricas consoante o sexo no Pittsburgh
Sleep Quality Index (PSQI) e que foi sugerida que a investigação se
centrasse também nas suas componentes (Morris, Rohay, & Chasens, 2018), neste estudo teve-se também em consideração as componentes do
Índice de Qualidade do Sono. Por fim, pretende analisar-se possíveis preditores
da sonolência e qualidade do sono.
Metodologia
Participantes
Participaram no presente estudo
estudantes do ensino superior de oito instituições portuguesas (n = 257)
[Região Autónoma dos Açores (Ponta Delgada e Angra do Heroísmo) e Portugal
Continental (Porto, Lisboa, Coimbra, Leiria, Évora e Minho)], sendo 67 (26,1%)
estudantes do sexo masculino e 190 (73,9%) estudantes do sexo feminino. Os
estudantes distribuíram-se por sete áreas de estudo: Ciências (n =
11; 4,3%); Saúde (n = 37; 14,4%); Tecnologias (n =
4; 1,6%); Direito, Ciências Sociais e Serviços (n = 155; 60,3%);
Economia, Gestão e Contabilidade (n = 11; 4,3%); Humanidades, Secretariado e
Tradução (n = 21; 8,2%) e Educação Física, Desporto e Artes do Espetáculo (n =
18; 7%).
No que toca à ocupação principal, a
maioria dos estudantes era estudante a tempo-integral (n = 217; 84,4%), com
15,6% (n = 40) a serem trabalhadores-estudantes. Em tempo de aulas, a maioria
dos participantes referiu residir em casa dos pais (n = 148; 57,6%), seguida
de “partilharem apartamento com outros estudantes universitários” (n =
56; 21,8%), “residirem em habitação própria” (n = 30, 11,7%) e
“residirem em residência de estudantes (n
= 23; 8,9%).
A sustentabilidade financeira dos
estudantes universitários alvo de estudo provinha dos pais e familiares (n =
132; 51,4%), seguindo-se as bolsas de estudo (n = 77; 30%), as fontes
de rendimento próprias (n = 37; 14,4%) e outras fontes de
rendimento não especificadas (n = 11; 4,3%).
Instrumentos
A fim de se atingir os objetivos do
estudo em apreço, aplicaram-se três instrumentos.
O Questionário
Sociodemográfico permitiu explorar as seguintes variáveis: sexo, estado
civil, área de estudo, regime do estudante (estudante a tempo inteiro;
estudante-trabalhador), fonte de rendimento e local de residência, em tempo de
aulas. As versões portuguesas do Índice de Qualidade do Sono de
Pittsburgh (Pittsburgh Sleep Quality
Index) e da Escala de Sonolência de Epworth (Epworth Sleepiness Scale) permitiram avaliar a qualidade de sono e
a sonolência diurna (descritos, de seguida).
Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh [The
Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI); Buysse, Reynolds,
Monk, Berman, & Kupfer (1989); traduzido e validado por João, Becker,
Jesus, & Martins (2017), PSQI-PT]. Através de 19 itens, o
PSQI-PT avalia a qualidade do sono no último mês, estando organizado em sete
componentes: (1) qualidade subjetiva do sono, (2) latência do sono, (3) duração
do sono, (4) eficiência habitual do sono, (5) distúrbios do sono, (6) uso de
medicação para dormir e (7) disfunção durante o dia. A pontuação total do
PSQI-PT varia entre 0 a 21, com pontuações maiores a serem indicadoras de pior
qualidade de sono. No presente estudo, o alfa de Cronbach foi de 0,66 enquanto
que o estudo original apresentou um alfa de 0,70. A qualidade do sono foi
avaliada a partir da perceção dos participantes, tendo como base dois momentos
distintos (durante a semana e fim de semana).
Escala de Sonolência de Epworth [Epworth
Sleepiness Scale (ESS); Johns (1991), escala traduzida
e adaptada por Santos (2001)]. A ESS é
constituída por oito itens que avaliam a sonolência em atividades do quotidiano,
numa escala com quatro opções de resposta, em que 0 significa nenhuma
probabilidade de dormitar; 1 ligeira probabilidade de dormitar/adormecer; 2
moderada probabilidade de dormitar/adormecer e 3 forte probabilidade de
dormitar/adormecer. A soma dos itens permite uma pontuação global que varia
entre 0 a 24, com uma pontuação superior a dez a ser indicadora de sonolência
excessiva diurna. A ESS apresentou um alfa de Cronbach de 0,75, quer na versão
original, quer no presente estudo.
Procedimento
Os instrumentos utilizados no presente estudo foram organizados e
disponibilizados na plataforma online
“Google Forms” e divulgados através
das redes sociais (i.e., Facebook).
Foi ainda solicitada colaboração via correio eletrónico. A participação no estudo
exigiu a leitura do consentimento livre, informado e esclarecido, informando
sobre a confidencialidade e anonimato, sem o qual os participantes não poderiam
participar.
Estratégia Analítica
Ao nível do tratamento estatístico dos
dados colhidos, foi usado o SPSS 25 para Macintosh. Os cursos frequentados
pelos participantes foram recodificados em áreas de estudo conforme as
indicações no site da Direção-Geral do Ensino Superior[1].
Determinaram-se estatísticas
descritivas, e alfa de Cronbach. Quantificaram-se, igualmente, as relações
entre as variáveis dependentes e independentes recorrendo ao cálculo de
coeficiente de correlação de Pearson (r) e procedeu-se à comparação dos
valores médios, através dos testes de ANOVA e t-Student, apresentando os
devidos tamanhos do efeito (TDE). Por fim, recorreu-se a uma análise de
regressão linear múltipla no intento de analisar possíveis variáveis preditoras
da qualidade do sono e da sonolência nos participantes em estudo.
Os resultados
relativos aos componentes que constituem o PSQI-PT revelaram que somente 9,7% (n
= 25) dos participantes avaliaram a qualidade subjetiva do sono como “Muito
Bom”, com a maioria (n = 162; 63%) a
avalia-la como “Razoavelmente Bom”, seguido de “Razoavelmente Mau” (n = 58; 22,6%) e “Muito Mau” (n = 12; 4,7%). A Tabela
1 demonstra que a duração do sono durante o fim de semana foi superior a
sete horas para a maioria dos participantes, existindo uma menor duração do
sono durante a semana. No entanto, a maioria dos participantes considerou a
eficiência do seu sono como sendo a 85,0%.
|
Tabela 1 Número
de Horas Dormidas e Eficiência do Sono (durante a semana e ao fim de semana) |
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|
Domingo a Quinta-feira |
Sexta-feira a Sábado |
|
|
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n (%) |
n (%) |
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Duração do Sono |
> 7 horas |
109 (42,4%) |
208 (80,9%) |
|
|
6 a 7 horas |
66 (25,7%) |
24 (9,3%) |
|
|
|
5 a 6 horas, 1 a
2 vezes por semana |
59 (23%) |
14 (5,4%) |
|
|
|
< 5 horas |
19 (7,4%) |
6 (2,3%) |
|
|
|
Não sabe/Não
respondeu |
4 (1,6%) |
5 (1,9%) |
|
|
|
Eficiência do Sono |
> 85% |
202 (82,5%) |
212 (82,5%) |
|
|
75% a 84% |
40 (15,6%) |
23 (8,9%) |
|
|
|
65% a 74% |
6 (2,3%) |
13 (5,1%) |
|
|
|
< 65% |
5 (1,9%) |
4 (1,6%) |
|
|
|
Não sabe/Não
responde |
4 (1,6%) |
5 (1,9%) |
|
Os participantes,
quando questionados sobre o uso da medicação para dormir, referiram, maioritariamente
(n = 216; 84%;), nunca ter usado
medicação para dormir, ter usado medicação três ou mais vezes por semana (n = 14; 5,4%), ter usado medicação para
dormir uma a duas vezes por semana (n =
12; 4,7%) e utilizar medicação menos de uma vez por semana (n = 15; 5,8%).
O índice de
qualidade de sono revelou, ainda, que durante a semana 167 (65%) dos
participantes apresentavam má qualidade do sono e 31 (12,1%) apresentavam
distúrbios de sono. Verificou-se, também, que nesta amostra, durante o fim de semana,
os participantes também revelavam má qualidade do sono (n = 161; 62,6%).
Continuando a
considerar os componentes do PSQI-PT, verificaram-se diferenças
estatisticamente significativas por sexo, na componente Latência do Sono [MMasculino(n = 67) = 1,12 (DP = 0,98), MFeminino(n = 190) = 1,42 (DP = 0,96), IC95% [-0,57;-0,03]; t(255) = -2,16, p <
0,05; d de Cohen = -0,31] e no componente Disfunção Durante o Dia [MMasculino(n = 67) = 1,24 (DP = 0,89), MFeminino(n = 190) = 1,52 (DP = 0,87), IC95% [-0,53;-0,04]; t(255) = -2,26, p <
0,05; d de Cohen = -0,32] com um TDE considerado não significativo para ambas as
variáveis. Estes resultados demonstram que as mulheres apresentam uma Latência
do sono e Disfunção durante o dia maior do que os homens.
Verificaram-se,
também, diferenças estatisticamente significativas pela variável Tipo de
Estudante na Qualidade Subjetiva do Sono [MEstudante(n =
217) = 1,26 (DP = 0,69), MTrabalhador-Estudante(n =
40) = 1,03 (DP = 0,53),
IC95% [0,01;0,46]; t(255) = 2,01, p < 0,05; d de Cohen = 0,34] com um
TDE considerado pequeno; e diferenças estatisticamente significativas pela
mesma variável (Tipo de Estudante) na Duração do Sono [MEstudante(n = 213) = 0,87 (DP = 0,94), MTrabalhador-Estudante(n =
40) = 1,40 (DP = 1,11),
IC95% [-0,86;-0,20]; t(255) = -3,195,
p < 0,01; d de Cohen = -0,55], com
um TDE considerado não significativo. Estes resultados demonstram que foram os
trabalhadores-estudantes a apresentarem uma Qualidade do sono e Duração do sono
menor do que os participantes que apenas têm como ocupação principal estudar.
Através de testes t-Student, analisaram-se possíveis
diferenças pelas variáveis independentes (sexo e tipo de estudante/principal
ocupação) nas variáveis dependentes (índice de qualidade de sono e sonolência
excessiva diurna). Verificou-se não existirem diferenças estatisticamente
significativas. No entanto, durante a semana, os homens e os
estudantes-trabalhadores dormem menos horas [(Mmasculino = 1,09 (DP
= 1,1); Mfeminino =
0,90 (DP = 0,93); (Mestudante = 0,83 (DP = 0,93); Mtrabalhador-estudante = 1,4 (DP = 1,1)].
Os resultados
obtidos através da Escala de Sonolência de Epword, permitem apurar que 48,2% (n = 124) dos participantes apresentava
sonolência excessiva (possivelmente patológica), seguindo-se 24,5% (n = 63) com sonolência média (ponto de
corte). Porém, 27,2% (n = 70) dos
participantes no estudo percecionou ter uma sonolência dentro de níveis
normais.
Como é possível
verificar na Tabela 2, existe uma relação entre a probabilidade
de os participantes adormecerem em determinadas situações do seu quotidiano
(ESS) e o índice de qualidade do sono (PSQI-PT) [correlação pequena, mas
significativa (p < 0,01)], não se
tendo verificado outras relações entre estas duas variáveis e as variáveis
sociodemográfica contempladas no estudo.
|
Tabela
2 Correlação
Bivariada entre a Pontuação Total do Índice de Qualidade de Sono e a
Pontuação Total da Escala de Sonolência Excessiva Diurna |
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|||
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PSQI-PT - Semana |
PSQI-PT – Fim de semana |
ESS |
|
|
PSQI-PT - Semana |
— |
0,70** |
0,20** |
|
|
PSQI-PT – Fim de semana |
|
— |
0,16** |
|
|
ESS |
|
|
— |
|
|
M |
1,89 |
1,72 |
2,21 |
|
|
SD |
0,58 |
0,54 |
0,54 |
|
|
Nota. M = Média; DP =
Desvio-padrão. **p < 0,01. |
|
Explorando
diferenças pela variável Área de estudos na variável Sonolência diurna
verificaram-se diferenças estatisticamente significativas, com um TDE
considerado médio (RMSSE = 0,33)
(Tabela 3). De acordo com o teste Post-hoc
HSD de Games-Howell, as diferenças estatisticamente significativas foram encontradas
entre somente a área de estudo "Educação Física, Desporto e Artes do
Espetáculo" e "Direito, Ciências Sociais e Serviços" (IC 95%]
0,03; 1,16 [p = 0,034). No entanto,
se se tiver em consideração a correção de Bonferroni (p < 0,002),
essa diferença perde significância estatística (Pallant, 2010).
|
Tabela 3 Diferenças
na Variável Sonolência Excessiva Diurna pelas Diferentes Áreas de Estudo |
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|||||||
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|
ANOVA |
95% IC |
|
|||||
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Área de Estudo |
N |
M |
DP |
F(gl) |
p |
Inferior |
Superior |
|
|
Sonolência
Excessiva Diurna |
2,83(6) |
0,01 |
|
|
|
|||
|
Ciências |
11 |
2,18 |
0,98 |
|
|
1,52 |
2,84 |
|
|
Saúde |
37 |
2,46 |
0,77 |
|
|
2,20 |
2,72 |
|
|
Tecnologias |
4 |
2,25 |
0,96 |
|
|
0,73 |
3,77 |
|
|
Direito, Ciências
Sociais e Serviços |
155 |
2,07 |
0,85 |
|
|
1,94 |
2,21 |
|
|
Economia, Gestão
e Contabilidade |
11 |
2,00 |
0,77 |
|
|
1,48 |
2,52 |
|
|
Humanidades,
Secretariado e Tradução |
21 |
2,52 |
0,81 |
|
|
2,15 |
2,89 |
|
|
Educação Física,
Desporto e Artes do Espetáculo |
18 |
2,67 |
0,68 |
|
|
2,33 |
3,01 |
|
|
Nota. N = 257; M = Médias; DP =
Desvios-padrão; F = Estatística F
da ANOVA; gl = graus de liberdade; p = Nível de significância; IC = Intervalo de confiança. |
|
De forma a analisar
possíveis preditores, realizou-se uma regressão linear múltipla, no entanto, as
variáveis sociodemográficas não mostraram ser preditores da qualidade do sono
durante a semana [F(6,250) = 1,22; p = 0,30)], qualidade do sono
durante o fim de semana [F(6,250) = 1,11; p = 0,36)] ou da
sonolência excessiva diurna [F(6,250) = 0,60; p = 0,73)].
A quantidade e a qualidade do sono foram já associados ao desempenho
académico e saúde mental dos estudantes universitários (Thacher, 2008).
Segundo Marguilho e colaboradores (2014), quanto melhor for a qualidade e a
quantidade de sono, melhor o desempenho cognitivo, motivação e criatividade.
O presente estudo revela que, quer durante a semana, quer durante o fim
de semana, somente uma pequena percentagem dos participantes avalia a qualidade
subjetiva do seu sono como “Muito bom”. O índice de qualidade do sono
(PSQI-PT), permitiu apurar que 65% dos estudantes universitários do estudo
apresentam má qualidade do sono e que 12.1% apresentavam distúrbios do sono.
Estes resultados vão ao encontro de outros estudos que revelaram que a maioria
dos estudantes tem uma perceção subjetiva de sono como mau ou muito mau (Braaf, Ameratunga, Teague, Jowett, &
Gabbe, 2016; Corrêa et al., 2017; Obrecht et al., 2015; Orzech et al., 2011; Thacher, 2008).
Constatou-se que o número de participantes que referiu dormir pelo
menos sete horas, aumenta significativamente durante o fim de semana. Estes
resultados aproximam-se dos resultados de dois estudos realizado com estudantes
universitários, verificando diferenças da fase do sono durante a semana e aos
fins-de-semana (Amaral, 2017; Gomes et al., 2008).
Um estudo de Felden e colaboradores (2016) com adolescentes, também verificou que a
duração do sono é superior durante os fins de semana. Tais resultados podem
dever-se ao facto de os jovens adultos escolherem livremente os seus horários (Gomes et al., 2008).
A eficiência do sono relevada pelos participantes mostrou ser superior
a 85%, quer durante a semana, quer durante o fim de semana. Uma meta-análise de
estudos sobre o sono realizada por Marguilho e colaboradores (2014)
revelam a existência de uma relação direta entre a quantidade do sono e a
criatividade (influenciada por moderadores). Apesar dos autores não terem
procedido à respetiva análise de moderadores, acreditam que a influência do
sono na criatividade seja mais que uma simples regressão linear. Neste estudo,
os estudantes do ensino superior indicam dormir mais horas durante o fim de
semana, corroborando o estudo de Campsen e Buboltz (2017).
A Latência do Sono e a Disfunção Durante o Dia, componentes avaliadas
através do PSQI-PT, foram percecionadas de forma diferente pelo sexo masculino
e sexo feminino. Esta perceção pode ter sido, possivelmente, influenciada pelo
facto de o número de horas dormidas ser superior no sexo feminino em relação ao
sexo masculino. Estes resultados fortalecem a perspetiva de Morris et al. (2018) que defenderam existir diferenças por sexo
na perceção da qualidade do sono, o que parece fortalecer a necessidade de
explorar variáveis que possam estar associadas a estas diferenças (por sexo),
em estudos futuros.
Os estudantes do ensino superior “trabalhadores-estudantes”
apresentaram diferenças estatísticas quanto à Qualidade Subjetiva do Sono e
Duração do Sono por comparação com os participantes “estudantes”, corroborando
os estudos que revelam que os estudantes que trabalham apresentam pior
qualidade do sono (e.g., Benavente et al., 2014; Obrecht et al., 2015),
tal como seria expetável.
Os resultados demonstraram ainda existir uma relação estatística
pequena, mas significativa entre o índice da qualidade do sono e a sonolência
excessiva diurna e 48,2% dos participantes apresentaram possíveis perturbações
do sono (cotação total da ESS >10). Estes resultados são preocupantes, dado
que para Santos e colaboradores (2014),
as perturbações do sono podem associar-se a consequências físicas e
psicológicas que, a longo prazo podendo tornar-se um problema de saúde pública.
Um estudo de Gomes et al. (2011)
revelou que um sono adequado à quantidade e qualidade pode associar-se à
obtenção de melhores resultados académicos em estudantes universitários.
Os resultados mostraram, igualmente, que os estudantes do ensino
superior que frequentavam a área de estudo Educação física, Desporto e Artes do
Espetáculo apresentavam níveis menores de sonolência excessiva diurna. Estudos
têm demonstrado que estudantes com estilos de vida mais saudáveis apresentam
uma boa qualidade do sono entre outras características (i.e., exercício físico,
nutrição) (Campsen & Buboltz, 2017; Soares, Pereira, & Canavarro, 2014).
Nesse sentido, parece ser importante implementar, nas instituições de ensino
superior práticas de exercício físico e de alimentação variada e saudável.
No presente estudo não se encontraram possíveis preditores da qualidade
de sono e da sonolência excessiva diurna. Apesar de a qualidade do sono ser
preditor de saúde mental numa amostra de indivíduos não clínicos (João et al., 2018),
de facto as diferentes variáveis sociodemográficas exploradas não mostraram ser
preditores de qualidade do sono em estudantes do ensino superior.
Apesar das limitações deste estudo, tais como, não ter sido questionada
a idade dos participantes, a amostra reduzida e a avaliação percebida dos
hábitos de sono (ao invés de por observação direta), através da autorresposta
dos participantes, e considerando o possível impacto da desejabilidade social,
este trabalho tem o mérito de revelar resultados sobre a qualidade de sono dos
estudantes universitários, reiterando a tendência já revelada por outros
investigadores noutros países (cf. Braaf et al., 2016; Corrêa et al., 2017; Obrecht et al., 2015; Orzech et al., 2011; Thacher, 2008). O estudo fornece, ainda,
aspetos de relevância a serem aprimorados futuramente, não só no que respeita à
importância do sono no público-alvo, bem como para o sistema nervoso central (Simor et al., 2015) e para a saúde física e mental do indivíduo
(João et al., 2018).
Uma vez que o sono tem influência na saúde, bem-estar e desempenho académico
dos estudantes do ensino superior, torna-se muito pertinente e urgente que se
programem intervenções sistémicas dirigidas para a melhoria do sono, tal como
outros autores já afirmaram (e.g., Carter, Chopak-Foss, & Punungwe, 2016), envolvendo a universidade, os
profissionais de saúde e os estudantes, com vista à melhoria da qualidade de
vida dos adultos emergentes e da otimização do rendimento académico no ensino
superior.
Pela pertinência e implicações do tema de estudo, o mesmo deve ser
objeto de primazia em estudos subsequentes, nomeadamente (eventualmente) a
relação da qualidade do sono (e de outras variáveis relativas ao sono) com o
consumo de substâncias psicoativas, com a utilização das TIC (e.g., jogos e
filmes) no período antes de dormir, com as vivências académicas, e com os
hábitos alimentares, entre outras variáveis do quotidiano dos estudantes do
ensino superior.
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