Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 6 (1):
64-80
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 6 (1): 64-80
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior
Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
Mudanças na vida quotidiana em pessoas idosas
institucionalizadas pelo impacto da doença
Changes in daily life in institutionalized
older adults caused by the
impact of the disease
Nuno de Noronha da Costa Bispo (1)
Viviane de Souza Pinho Costa (2)
Mario Molari (1)
Letícia Caroline Falossi
(2)
Tatiani Aparecida Silva Fidelis (3)
Fernanda Freitas Gonçalves (3)
Thainara Ferreira Furini (4)
Flamínia Manzano
Moreira Lodovici (5)
Ruth Gelehrter da
Costa Lopes (5)
Maria Helena Villas
Boas Concone (5)
(1) Univ Pitágoras Unopar, Londrina, Brasil
(2) Pontifícia Univ
Católica Paraná, Londrina, Brasil
(3) Univ Estad Londrina,
Brasil
(4) Clín
Renovar Vida, Londrina, Brasil
(5) Pontifícia Univ
Católica São Paulo, Brasil
Recebido: 13/03/2020; Revisto: 14/04/2020; Aceite: 10/05/2020.
https://doi.org/10.31211/rpics.2020.6.1.169
Contexto: Verificar as mudanças na vida cotidiana em pessoas idosas
institucionalizadas provocadas pelo impacto da doença foi o objetivo geral
desta pesquisa etnográfica. Método: A pesquisa decorreu com 99
residentes de uma instituição de longa permanência para idosos, no sul do
Brasil. Houve uma pesquisa documental da Instituição e a permanência do
pesquisador para a familiarização deste com o ambiente e todo o público. A
observação participante e a entrevista semiestruturada foram utilizadas para a
coleta de dados. Após o trabalho de campo, os dados foram analisados por meio
da descrição da observação e pelo método hermenêutico-dialético. Resultados: observou-se a dependência funcional, perda da autonomia e do
controle pessoal. Nas falas dos participantes, constatou-se a perda da
liberdade, a dependência física nas atividades do cotidiano, a diminuição da
ocupação, o isolamento e a dificuldade para dormir. O acometimento da
mobilidade foi notado na observação participante e nas entrevistas. Conclusão: Nas considerações finais a temática da pesquisa qualitativa
destaca a restrição da autonomia que as pessoas idosas residentes da
Instituição enfrentam diante às novas condições vivenciadas no quotidiano
institucional ocasionado pela doença, o que interfere na qualidade de vida
destes residentes.
Palavras-Chave: Doença; Pessoas
idosas; Instituição de Longa Permanência para Idosos.
Objective: To verify the changes
in daily life in institutionalized older adults caused by the impact of the
disease, was the general objective of this ethnographic research. Method: The study was carried out with
99 residents of a long-term care institution for the elderly in southern Brazil.
There was documentary research of the Institution and the permanence of the
researcher to familiarize him with the environment and the entire public.
Participant observation and semi-structured interviews were used for data
collection. After the fieldwork, the data were analyzed through the description
of the observation and the hermeneutic-dialectic method. Results: The results showed functional dependence, loss of
autonomy, and personal control. Based on the participants’ comments, the study
detected a lack of freedom, physical dependence to carry out routine
activities, occupation reduction, isolation, and difficulty to sleep. The
impairment of mobility was noted in the participant observation and the
interviews. Conclusion: In the final
remarks, the issue of qualitative research highlights the restriction of
autonomy that older people are residing in the Institution in the face of the
new conditions experienced in institutional life caused by the disease, which
interferes with the quality of life of these residents.
Keywords: Disease; older people; Long-term care institution for older adults.
A vida quotidiana é o lugar onde o indivíduo “se sente protegido
no seio de uma trama sólida de hábitos e de rotinas que ele criou para si com o
tempo, de percursos bem conhecidos, cercados de rostos familiares” (Le Breton, 2003/2011, p. 142).
As rotinas acontecem durante o quotidiano, onde as pessoas têm uma
“repetição de padrões semelhantes de comportamento” (Giddens, 2009/2012, p. 188). As rotinas são
eventos previsíveis que fornecem uma base para as tarefas diárias na vida de
uma pessoa (Gillespie & Petersen,
2012). Tornam o desenvolvimento das distintas “sequências da vida”
cada vez mais automáticas devido aos gestos, sensações e percepções
que encorpam o indivíduo” (Le Breton, 2003/2011, p. 142). Durante todos os dias as
atividades realizadas rotineiramente são idênticas, a não ser que apareça algum
evento diferente, que faça a pessoa mudar sua trajetória, mas logo que termine,
a rotina volta ao que era anteriormente (Giddens,
2009/2012).
As interações sociais que também ocorrem durante o quotidiano,
praticamente todos os dias e muitas vezes em um único dia, é a maneira pelas
quais as pessoas agem com outras pessoas e reagem à forma como as outras
pessoas estão agindo (Barkan, 2012).
A vida quotidiana é marcada pelos eventos decorridos durante a
passagem do tempo, mas o tempo vai passando lentamente e despercebido na
consciência das pessoas (Le Breton, 2003/2011). Nesta passagem do tempo, vai acontecendo
gradualmente o processo de envelhecimento:
Um processo insensível, infinitamente lento,
que escapa à consciência porque nele nenhum contraste acontece, o homem desliza
flexivelmente de um dia ao outro, de uma semana à outra, de um ano ao outro,
são eventos de sua vida quotidiana que pontuam o fluxo do dia, e não a
consciência do tempo. Com uma lentidão que escapa ao entendimento, a duração se
agrega sobre o rosto, penetra os tecidos, enfraquece os músculos, ameniza a
energia, mas sem traumatismos, sem ruptura brutal (Le Breton, 2003/2011, pp.
228–229).
Mas pode surgir algum acontecimento maior que mude as rotinas da
vida quotidiana, como por exemplo, a mudança de emprego, a aposentadoria, a
institucionalização e até mesmo a doença (Giddens, 2009/2012).
A doença é uma “experiência subjetiva interna do indivíduo que
está consciente de que o bem-estar pessoal foi ameaçado e como a pessoa
responde a essa experiência” (Guccione,
2000/2002, p. 106). A experiência humana de sintomas e sofrimento
alude à forma como a doença é percebida, vivida, e respondida pelos indivíduos
e suas famílias (Larsen, 2013b).
A doença crónica é precisamente um tipo de experiência, onde as
estruturas da vida quotidiana são interrompidas (Bury, 1982). De acordo com o autor, envolve um
reconhecimento dos mundos de dor e sofrimento, possivelmente até mesmo da
morte, que são normalmente vistos como possibilidades distantes ou do
sofrimento dos outros. Todos esses efeitos ou transformações experienciadas
pelas pessoas acometidas por doença de longa duração, são entendidas como o
impacto da doença, que modifica a realidade de cada pessoa (Barsaglini & Soares, 2018). A presença de
uma doença crónica altera significativamente o comportamento quotidiano,
gerando muita incapacidade e necessidade de cuidados médicos constantes e,
talvez até mais importante, uma diminuição na qualidade e plenitude da vida (Royer, 1998).
Cada indivíduo desempenha determinadas funções e tarefas no
ambiente onde vive. A capacidade e a incapacidade das pessoas podem ser
plenamente compreendidas e estimadas apenas em termos do grau do seu
comprometimento destas funções e tarefas. Quando um indivíduo é descrito como
sendo "incapaz", a descrição é incompleta, até que se responde à
pergunta, "incapaz de fazer o quê?" (Nagi, 1964).
Segundo Hayflick (2007),
durante o processo de envelhecimento, ocorrem alterações moleculares, deixando
o organismo das pessoas mais vulneráveis às doenças. Essa vulnerabilidade
mostra-se acentuada na população idosa, sendo a questão saúde um componente
importante no perfil desta faixa etária (Sugahara, 2005) necessitando de cuidados sociais
e de saúde, realizados por profissionais em ambientes adequados (Meire, 2000). Geralmente, as pessoas idosas nestas
condições, são encaminhadas para as instituições de longa permanência para
idosos (ILPIs), tendo como característica a
fragilidade, as deficiências múltiplas, as doenças incapacitantes e a
dependência (Dramé et al., 2004).
Neste panorama, o objetivo desta pesquisa etnográfica, foi
verificar as mudanças na vida quotidiana em pessoas idosas institucionalizadas
pelo impacto da doença.
Desenho do Estudo
O enfoque
qualitativo foi selecionado para compreender a perspetiva dos participantes
sobre os fenómenos que os rodeiam, aprofundando em suas experiências, pontos de
vista, opiniões e significados, isto é, a forma como os participantes percebem
subjetivamente sua realidade (Sampieri
et al., 2013). Nesta pesquisa optou-se pela etnografia, para
estudar as interações sociais, comportamentos e perceções que ocorreram num
grupo de pessoas, onde o pesquisador coletou informações participando do
quotidiano deste grupo (Reeves &
Hodges, 2008). Em seus estudos sobre a pesquisa etnográfica, Hammersley (2018) fez uma lista
das características principais:
O processo de coleta de dados é feito num período longo, ocorre em
ambientes naturais, conta com a observação participante ou outros métodos onde
há envolvimento pessoal mais geral, emprega uma variedade de dados, documenta
realmente o que acontece e enfatiza a importância dos significados que as
pessoas dão aos objetos, incluindo a si próprios, no curso de suas atividades
(p. 4).
Na etnografia, o
pesquisador estuda um grupo que compartilha a mesma cultura, “mergulhando” na
vida quotidiana das pessoas (Creswell,
2012/2014), lançando mão da observação participante e entrevistas,
que podem ser estruturadas ou não (Hammersley
& Atkinson, 2007; Kottak,
2012/2013).
“As estratégias metodológicas aplicadas no campo em estudo ainda baseiam-se muito na observação daquilo que está acontecendo
no campo por meio da participação neste” (Flick,
2009, p. 215). “A observação participante proporciona o grande
diferencial da pesquisa etnográfica, por propor a imersão do pesquisador no
modo de vida dos pesquisados, fugindo assim dos ambientes artificiais de
laboratórios”, bem como as entrevistas serem uma alternativa para “entender a
versão dos entrevistados sobre seus próprios mundos” (Martins
& Theóphilo, 2009). Atualmente, neste tipo de
pesquisa, “os etnógrafos podem adotar uma estratégia ampla e livre de coleta de
informações”, pela diversidade de técnicas que têm à disposição (Kottak, 2012/2013). Sobre a
etnografia, Mattos (2011)
acrescenta:
É um processo guiado preponderantemente pelo senso questionador do
etnógrafo. Deste modo, a utilização de técnicas e procedimentos etnográficos,
não segue padrões rígidos ou pré-determinados, mas sim, o senso que o etnógrafo
desenvolve a partir do trabalho de campo no contexto social da pesquisa (p.
50).
Hammersley e Atkinson (2007) afirmam que a análise dos dados envolve a
interpretação dos significados, funções e consequências das ações humanas e das
práticas institucionais, e como elas estão implicadas em contextos locais. Além
de ser conhecida pela observação participante, a etnografia também é vista como
pesquisa interpretativa ou hermenêutica, por estudar grupos de pessoas que são
associadas de alguma maneira (Mattos,
2011). Como exemplo, podemos citar idosos residentes em uma instituição,
que é o caso desta pesquisa.
Através dos tempos,
a etnografia vem sofrendo diversas modificações, e defini-la, é um grande
desafio devido à falta de consenso nos debates entre os etnógrafos (Hammersley, 2018).
Participantes
Esta pesquisa foi realizada em uma
Instituição de Longa Permanência para Idosos em uma cidade do sul do Brasil,
com 99 residentes. O principal critério de seleção do estudo, era ter idade de
60 anos ou mais. Na observação participante foram incluídos no estudo 96
residentes e três foram excluídos por ter idade inferior a 60 anos. Para as
entrevistas, os critérios de seleção foram os seguintes: não apresentar
distúrbios de comunicação e ter o funcionamento cognitivo preservado para
conseguir responder às perguntas do roteiro. Neste último caso, foi consultado
o Mini-Exame do Estado Mental (Folstein et al., 1975) no processo de saúde dos
participantes. Portanto, foram selecionadas 37 pessoas (Figura 1).
Procedimentos
Procedimentos
Considerações Éticas
Para não identificar os participantes das entrevistas, os nomes
foram substituídos e codificados pela letra “E” (de entrevistado) e, por um
número, pela ordem da entrevista. Deste modo, os participantes foram
identificados, como explica o exemplo a seguir: E1, E2, E3 ... E37. Garantiu-se
o sigilo não só quanto à preservação do nome dos participantes, mas também de
outras informações ou dados que pela sua natureza pudessem levar ao reconhecimento
do participante pelo grupo social. Apresentou-se a cada participante, um termo
de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e à Instituição de Longa
Permanência para Idosos, um pedido de autorização. Este projeto de pesquisa
também foi aprovado pelo Comité de Ética da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, através da Plataforma Brasil sob o número CAAE 10829212.2.0000.5482.
Fluxograma da Metodologia da Pesquisa (clique
aqui)
O Campo de Pesquisa
Procuramos descrever as ações metodológicas realizadas antes,
durante e após o trabalho de campo (Figura 1).
Mas antes dessa descrição, apresentamos uma definição sobre trabalho de campo
elaborada por Pole e Hillyard (2016):
É uma maneira de fazer pesquisa onde a ênfase é colocada sobre a
coleta de dados, depende da interação entre o pesquisador e os participantes no
ambiente de pesquisa, bem como é usado uma combinação de métodos para coletar
dados durante um período prolongado de tempo (p. 3).
Antes do Trabalho de Campo. Realizou-se um levantamento documental sobre os residentes
(características físicas, sociais, institucionalização e moradia antes da
institucionalização) e sobre a instituição (estrutura física e social).
Durante o Trabalho de Campo. Na coleta de dados, optou-se pela observação participante e pela
entrevista não estruturada. A junção destes dois métodos para estudar a
experiência da doença enfatiza uma compreensão detalhada dos aspetos sociais ou
coletivos de experiência, além dos aspetos pessoais (Calabrese, 2013). A observação participante e as
entrevistas foram realizadas pelo autor principal.
“A observação participante, que significa que tomamos parte na
vida da comunidade ao estuda-la” (Kottak, 2012/2013, p. 72). O pesquisador envolve-se na vida e
atividades diárias de uma determinada comunidade, observando relacionamentos, a
interação social e a vida comunitária (Calabrese,
2013). Segundo Kottak (2012/2013, p. 72), “também participa de diversos eventos e
processos que observa e tenta compreende-los, permitindo saber por que as
pessoas consideram esses eventos significativos, pois vemos como eles são
organizados e realizados”.
Durante um ano, diariamente no período matutino e vespertino, a
observação foi realizada no decorrer das atividades académicas da universidade
na instituição, propiciando a interação com os indivíduos que foram objeto de
estudo. Por isso adotou-se a técnica de “Observação Participante como
observador”, ou seja, o pesquisador está envolvido com os participantes num
tempo mais reduzido e em algumas atividades (Creswel, 2014, p. 137).
Para facilitar e realizar uma observação mais organizada, optou-se
pelo processo preconizado por Spradley (1980), composto por três fases:
1. A primeira fase denomina-se observação
descritiva: Tem a finalidade de obter uma visão geral da situação social,
que abrange o lugar, as pessoas e as atividades realizadas no quotidiano.
Fornece ao pesquisador uma orientação para o campo de estudo (Flick, 2009).
2. A segunda fase é a observação focalizada:
direciona o pesquisador para os aspetos essenciais para a questão da pesquisa,
neste caso, a observação da vida quotidiana dos participantes.
3. A terceira fase composta pela observação
seletiva: é a fase final da coleta neste método, onde se direciona e
especifica mais ainda, tentando encontrar mais indícios para os objetivos da
pesquisa, que neste caso seria observar a interferência da doença na vida
quotidiana dos idosos.
Através da entrevista semiestruturada, seguiu-se a estratégia
utilizada na pesquisa de Kottak (2012/2013), que consistiu num roteiro que continha um
conjunto central de perguntas: I. O Sr(a) tem alguma
doença? Como se sente? II. Como a doença interfere (atrapalha) na sua vida
cotidiana? III. O que deixou de fazer por causa da doença? IV. O que gostaria
de fazer se não tivesse doente? Conforme decorria a entrevista, surgiam algumas
questões paralelas interessantes, que eram abordadas em seguida ou no final.
O registo da entrevista foi feito com um aparelho MP4, onde o
microfone é embutido permitindo que a gravação seja clara suficientemente e,
posteriormente transferida para um arquivo no computador. O tempo médio das
entrevistas foi de 10 minutos.
Depois do Trabalho de Campo. Realizou-se a análise dos
dados: primeiro fez-se da observação participante e depois das entrevistas. Na
observação participante realizou-se a descrição e explicação da observação da “situação
social”, ou seja, do comportamento ou atividades das pessoas em um determinado
local (Spradley, 1980),
esta análise constitui-se de duas
fases: a primeira de uma descrição geral do ambiente físico (as características
do espaço frequentado pelos idosos) e a outra, do ambiente social (a forma de
viver dos residentes e o seu quotidiano).
Para as entrevistas utilizou-se a técnica hermenêutico-dialética,
proposta por Minayo (2007),
onde o conjunto destas duas palavras que determina o entendimento de uma fala
ou de um depoimento. Na pesquisa adotaram-se os seguintes passos preconizados
por Minayo (2007) na execução
dos dados, ou seja, no instante hermenêutico:
1.
Ordenação
dos dados: Esta fase compreende o mapeamento de todos os dados obtidos pela
entrevista, que incluiu a transcrição das gravações, a releitura dos textos e a
organização dos relatos numa determinada ordem.
2.
Classificação
dos dados: Neste momento os dados são embasados com a fundamentação teórica.
Esta fase pode ser dividida em duas etapas. A primeira consiste numa “leitura
flutuante” ou “leitura horizontal”, constituída por leitura extenuante,
minuciosa e redobrada das transcrições de cada entrevista, para compreender as
ideias centrais que transmitem os pontos-chave do tema do trabalho. Na segunda
etapa, realiza-se uma “leitura transversal” de cada texto transcrito e
realizado o “recorte de cada entrevista” em “unidades de significado” e, em
seguida, referenciada por assunto. Depois disto, opera-se uma seleção dos temas
mais relevantes que evidenciaram as hipóteses do trabalho.
3.
Análise
final: Nesta fase, responde-se às questões da pesquisa com base nos seus
objetivos.
Resultados e Discussão
Em relação ao
levantamento documental sobre os residentes da instituição, na Tabela 1 está representado o perfil sociodemográfico da
instituição. Sobre a institucionalização, 46 pessoas moravam há mais de seis
anos na instituição; 48 pelo motivo de cuidados de saúde. Quanto ao responsável
pelo encaminhamento, 34 foi por um familiar, 15 por outras instituições, 12 por
denúncia e os outros 38 foram encaminhados por projetos da prefeitura, unidades
básicas de saúde, ou por outras pessoas. Antes da institucionalização, moravam
sozinhos na zona urbana.
Observação Participante
Para os resultados da
observação participante, descrevemos primeiramente algumas características da
estrutura física e social da instituição e posteriormente a vida quotidiana dos
residentes.
A instituição é
formada por duas alas, 1 e 2. A Ala 1 apresenta-se logo à entrada do asilo com
um jardim à sua frente e um arvoredo numa das laterais, que o separa da creche
e da paróquia. Atrás desta ala, fica a Ala 2, ou ala São José, ainda conhecida
como “enfermaria”. Entre as duas alas, aparece outro jardim e, nas laterais
deste encontram-se: num lado a barbearia, a sala de atividades manuais (antiga
lavandaria) e uma garagem; no outro lado, o bazar. Numa das laterais da
enfermaria existe um gramado que corre em toda a extensão do edifício. Na outra
lateral está uma ruazinha que, quando se atravessa, vai dar também a um gramado
acompanhando também toda essa lateral.
Como todas as ILPIs, esta instituição também tem uma rotina diária, com
horários e uma sequência das atividades diárias que seguem uma organização e um
planeamento. O quotidiano dos residentes constitui-se em seguir a rotina diária
da instituição, que inclui as seguintes atividades: banho, café da manhã,
almoço, lanche da tarde, jantar, ceia, cuidados de enfermagem, medicamentos,
fisioterapia, terapia ocupacional, educação física, serviço social, atendimento
psicológico, aulas de alfabetização, atividade física, missa semanal e
passeios. Esta rotina do quotidiano pode ser interrompida em algum momento,
quando surge algum evento promovido pela instituição ou por outras entidades.
|
Perfil Sociodemográfico
da Instituição (N = 99) |
|
|||
|
|
|
n |
% |
|
|
Idade |
≤ 59 |
3 |
3,0 |
|
|
60–69 |
22 |
22,2 |
|
|
|
70–79 |
46 |
46,5 |
|
|
|
80–89 |
20 |
20,2 |
|
|
|
≥ 90 |
8 |
8,1 |
|
|
|
Sexo |
Feminino |
41 |
41,4 |
|
|
Masculino |
58 |
58,6 |
|
|
|
Raça |
Branca |
62 |
62,6 |
|
|
Parda |
18 |
18,2 |
|
|
|
Negra |
17 |
17,2 |
|
|
|
Amarela |
2 |
2,0 |
|
|
|
Estado Civil |
Solteiro |
51 |
51,5 |
|
|
Viúvo |
20 |
20,2 |
|
|
|
Separado |
14 |
14,1 |
|
|
|
Divorciado |
7 |
7,1 |
|
|
|
Casado |
7 |
7,1 |
|
|
|
Número de filhos |
Nenhum |
47 |
47,5 |
|
|
1 |
16 |
16,2 |
|
|
|
2 |
8 |
8,1 |
|
|
|
3 |
8 |
8,1 |
|
|
|
4 |
5 |
5,1 |
|
|
|
+ de 4 |
4 |
4,0 |
|
|
|
Sem registo |
11 |
11,1 |
|
|
|
Escolaridade |
Alfabetizado |
42 |
42,4 |
|
|
Não alfabetizado |
57 |
57,6 |
|
|
|
Religião |
Católica |
72 |
72,7 |
|
|
Evangélica |
9 |
9,1 |
|
|
|
Outras religiões |
2 |
2,0 |
|
|
|
Sem dados |
16 |
16,2 |
|
|
|
Renda* |
1 salário mínimo |
99 |
100 |
|
|
Nota. *Aposentadoria ou
benefício por invalidez. |
|
Na Ala 1 os idosos
são mais independentes e autónomos, têm mais facilidade em realizar as atividades
quotidianas, poucos precisam de supervisão para realizar as atividades básicas
da vida diária e alguns ajudam em determinadas atividades no asilo, tais como:
passar a roupa, levar a roupa da rouparia para o banheiro, descascar algumas
verduras e frutas, levar alguns recados, passear com as pessoas em cadeiras de
roda, visitas aos idosos debilitados da Ala 2 (todas essas atividades são
supervisionados por profissionais da instituição). Na Ala 1 nota-se uma maior
interação entre os residentes, principalmente no horário das refeições, sendo o
horário de maior confraternização o momento do café do meio da manhã e aos
sábados na barbearia da instituição. Mesmo durante o dia alguns deles
conversam, contam histórias, piadas e discutem sobre temas da atualidade. Este
momento de interação entre eles, também ocorre durante o jogo de bilhar, de
cartas, dominó e até mesmo enquanto assistem aos programas de televisão, tais
como: futebol, jornal, novelas e programas de informação. Poucos têm o
privilégio de sair da instituição sozinhos para passear, ir a algum lugar no
bairro ou até mesmo ao centro da cidade. A independência e a autonomia são
requisitos necessários para que isso aconteça.
As dificuldades na
realização das atividades básicas da vida diária, são maiores nos idosos da Ala
2. Nesta ala, a necessidade da ajuda dos cuidadores é inevitável, todos
precisam de ajuda no banho, a maioria para se vestir, alguns para se alimentar
e a grande maioria faz uso de fralda. Também a maioria não se locomove sozinho,
precisa de ajuda de um cuidador, dispositivo auxiliar ou da cadeira de rodas.
Na Ala 2 os idosos
com maiores incapacidades permanecem o dia no refeitório sentados em cadeiras
de rodas ou em poltronas, encostados à parede marginando o refeitório central
da ala. Durante o dia fazem lá as suas refeições e às vezes participam de
atividades na instituição. Mas, fora isso, a incapacidade obriga a que eles
permaneçam ali, sem se poder deslocar. Nisso o quotidiano dessas pessoas se
resume a assistir televisão, olhar o movimento e dormir nas poltronas,
recostados ou debruçados nas mesas que estão à frente. Além deste aspeto, as
incapacidades dificultam a interação social, favorecendo um estado imóvel de
poucos movimentos, alguns com fácies apáticas e com olhares fixos, que só se
movem quando acontece algum evento neste ambiente. Os que têm o cognitivo mais
preservado escolhem o local onde ficar, ficando como “donos do lugar”, ou seja,
como se tivessem lugar marcado. Os que não estão restritos à cadeira de rodas,
vão até à Ala 1, frequentam o jardim, circulam pela Ala 2, tanto na área
externa, como na interna. São aqueles que utilizam o movimento para realizar o
essencial, ou pouco mais, como as atividades da vida diária, fumar, olhar algum
acontecimento (alguém a passar, um carro a estacionar, etc.) e assim passam o
dia.
Na Ala 2, os idosos
têm cuidados prestados por profissionais qualificados ou por alunos devidamente
supervisionados de vários cursos da área da saúde. No entanto, existe o temor
entre os idosos da Ala 1 de um dia necessitarem permanecer na Ala 2. Para eles,
esta ala é um ambiente que reflete a doença e a incapacidade.
Mas, frequentemente
os idosos que não precisam ficar mais na Ala 2, pelas melhoras da sua condição
de saúde e da capacidade funcional, têm indicação de mudar para a ALA 1, mas
preferem permanecer naquela ala. Sentem-se bem pelos cuidados prestados pelos
profissionais da instituição e pelas amizades que porventura tenham feito, por
isso preferem permanecer no local.
Ainda durante a
observação participante destas rotinas, notaram-se três mudanças na vida
quotidiana dos residentes da instituição, provocadas pelas alterações das
doenças: a dependência, a perda da autonomia e a perda do controle percebido ou
incontrolabilidade.
A dependência, já descrita nas
rotinas anteriormente na observação participante, indica a necessidade de o
indivíduo precisar de ajuda para realizar as atividades do quotidiano (Cortés et al., 2001).
A perda da autonomia é quando o indivíduo
não tem liberdade individual, liberdade de escolha, vontade e autogovernação (Birren
et al., 1991). A autonomia depende de três fatores: a confiança em
si, a liberdade individual e a satisfação dos desejos (Agich, 2008). Segundo o autor, “a confiança em si
refere-se à capacidade de prover as próprias capacidades” (p. 34). A pessoa
realiza as atividades diárias associadas à perceção de bem-estar. Outro fator
da autonomia é a liberdade pessoal, que está ligada à preferência pessoal,
escolha e decisão das pessoas. E por fim, a satisfação dos desejos, que é a
“busca aparentemente incessante de satisfação de suas preferências, pois sem
tal satisfação a própria autonomia é vista como inútil e vazia” (p. 35).
O controle sobre o
próprio corpo é um aspeto que está presente na consciência das pessoas que
envelhecem, devido ao medo da dependência física e serem incapazes de suportar
o tipo de atividades que as pessoas podem esperar que elas participem na
velhice (Nettleton & Watson, 1998).
Contudo, segundo os autores, manter o controle do corpo é crucial para a vida
quotidiana, onde a capacidade de ser percebido e aceito como um ator social
competente requer certo nível de competências. Porém, ainda nesta discussão dos
autores, o controle do corpo pode ser perdido devido às alterações orgânicas
decorrentes das doenças. O controle percebido é entendido como um
processo que ocorre de duas formas: o primeiro chamado de controle primário,
que envolve as tentativas de mudar o ambiente, adaptando-o às necessidades da
própria pessoa. O outro processo, denominado de controle secundário, leva a
pessoa adaptar-se ao ambiente, através da passividade, retirada e submissão (Rothbaum et al., 1982). Os
autores acrescentam que o controle secundário também pode ocorrer, após várias
tentativas frustradas do controle primário. Alguns estudos ligam este tipo de
controle, à incontrolabilidade. Portanto, a perda do controle
percebido é quando o indivíduo deixa ter expetativa ou perceção de
participar na tomada de decisões, escolhas, ou atos, a fim de obter
consequências desejáveis e um sentido de competência pessoal em dada situação (Weinberg, 1995/1998; Rodin, 1990).
Kaufman (2011) num de seus livros aborda a questão da
mobilidade: “Por que nos movemos?”. No ponto de vista do autor, nos movemos
para relaxar, para a realização das nossas atividades, na transição de uma
atividade para a outra, na mudança de papel social, na mudança de status
social, para um ou com um parceiro, ou ainda nos movemos para nos movermos,
como numa caminhada ou num carro. No mesmo ponto de vista, Cott
et al. (1995, p. 88) acrescentam que “o movimento permite
mudar de posição, ir de um lugar para outro, explorar seu ambiente físico e
social, procurar suas necessidades básicas, o alojamento, as companhias, o
conhecimento e fazer suas escolhas”.
Pudemos constatar
na observação participante, que durante o quotidiano das pessoas idosas da
instituição, o comprometimento
da mobilidade física e espacial, é um fator que dificulta ou impede a
realização de atividades e a participação social. Com o aumento da idade, a
saúde declina e um número crescente de deficiências e de problemas são
observados (Bell et al., 2013). Também se pode notar que
o comprometimento da mobilidade está presente na vida quotidiana, conforme os
resultados das entrevistas apresentados a seguir.
Resultados das Entrevistas
Nos resultados das
entrevistas verificou-se a perda da liberdade, dependência física nas atividades
básicas de vida diária e nas atividades instrumentais de vida diária,
diminuição na ocupação, isolamento e dificuldade para dormir.
A Perda da Liberdade
Um sinal de liberdade é quando as pessoas têm movimentos amplos no
tempo e espaço (Kaufman, 2011). Uma das características do corpo humano é a liberdade, mas, quando
este é acometido por alguma incapacidade, essa liberdade fica ameaçada (Burgos, 2013). A perda da liberdade provocada pela
doença também foi constatada em idosos institucionalizados, traduzida pelas
sensações de o corpo estar “enrolado”, “amarrado” e “preso” (Bispo, 2009, pp. 163–164).
(...) não tenho a liberdade, podia andar,
passear e essas coisas (...) Fico mais preso, mais inseguro, mais com medo
(E1).
Dependência Física nas Atividades Básicas e
Instrumentais de Vida Diária
As doenças crónicas podem levar a amplas repercussões na vida dos
idosos institucionalizados, afetando a realização das atividades básicas da
vida diária e as atividades instrumentais da vida diária (Lenardt et al., 2009). Segundo Guccione (2000/2002), nas
atividades da vida diária, os idosos institucionalizados apresentam uma maior
dependência, principalmente nas atividades de tomar banho, vestir e
alimentar-se. Na pesquisa de Fernández e Casas (2012) realizada com 85 idosos dependentes, também constataram que as duas
atividades da vida diária mais comprometidas, eram o banho e vestir. Na
atividade de tomar banho, a diminuição na mobilidade articular dos membros
superiores, a capacidade de preensão e a presença de tremor trará dificuldade
no manuseio dos utensílios de banho e o alcance funcional de todas as partes do
corpo. A dificuldade funcional nas tarefas de vestir e tirar a roupa, aparece
pela diminuição da mobilidade articular, a instabilidade, a deformidade de
membros superiores, por apraxia da sequência dos movimentos e na hemiparesia e
hemiplegia. As alterações articulares podem impedir as atividades de vestir e
de higiene que requerem colocar as mãos atrás da cabeça, nos glúteos e no ombro
oposto (Sanches,
2006).
(...) interfere nos movimentos, por exemplo,
fazer a barba, escovar os dentes, tomar banho (E8). Não posso trocar a roupa,
não posso tomar banho sozinha (E16). Não posso calçar o tênis, se eu calçar o
tênis, arruína mais ainda (E24). Quando eu vou pôr roupa, neste lado tenho mais
facilidade, mas neste aqui é mais difícil, eu tenho que
erguer o braço (E29). Tenho dificuldade para vestir a roupa. Pra
vestir a roupa, a mão esquerda não ajuda (E32). Preciso de ajuda para tomar
banho, para trocar a fralda, trocar a roupa. Tenho canseira quando falo (E36).
Na alimentação, a dificuldade ocorre quando se tenta manejar
adequadamente os utensílios para comer, como o copo, segurar a colher e o
garfo, até mesmo ao realizar pressão com a faca para cortar ou untar (Sanches, 2006).
Já deixei cair o prato de comida. Eu pego um
objeto assim e ela solta. A mão não segura (E9). A mão está adormecida, os
dedos adormecidos, não enxergo, não consigo pegar nada (E11). Pego com esta
daqui, porque a outra treme, derruba as coisas. A salada, um pedaço de carne, o
arroz, tenho que pegar com esta (E21). Muito ruim,
muito, muito ruim. Atrapalha quando a gente vai comer e beber (E30).
O idoso deve realizar determinados movimentos na cama necessários para
conseguir conforto e segurança. Mover-se até à cabeceira da cama, sentar-se na
cama e manter o equilíbrio para realizar atividades, tais como vestir e comer (Pérez-Brown et al., 2006). A limitação da mobilidade e a diminuição
da força impedem que o idoso possa mover-se na cama (Sanches, 2006).
(...) à noite se eu for erguer o corpo pra subir na altura do travesseiro, eu faço com este lado
aqui. Pra erguer mais as costas no travesseiro, tenho
que fazer força com esse braço, mas é difícil. Quando vou levantar também, se
eu fizer para o lado direito da cama, não adianta, porque aqui é pouca força no
braço (E29).
Os participantes também relataram a dificuldade em agachar:
Se eu agachar, eu não levanto (E10).
A marcha normal depende da livre mobilidade das articulações, da ação
muscular apropriada para a produção de força, além de um nível suficiente de
capacidade para executar o trabalho, ou seja, condicionamento físico (Olney & Culham, 1995/1998).
Estou com dificuldade nos braços e de andar,
ainda não dá pra andar sozinha (E6). Eu não posso
andar. Atrapalha no andar. Eu andava (...), andava dentro de casa andava bem e
agora não posso andar (E7). Tenho dificuldade de andar. Estou arrasada de estar
assim. Andar certinho, com o andador, eu tenho medo, sou medrosa, falta
segurança mesmo (E17). Não ando, não dá para andar (E33). Eu não estou
conseguindo andar (E34). A dor nas pernas impede de eu andar (E35).
“Se alguém está debilitado e preso à cadeira de rodas, então o acesso é
limitado a superfícies favoráveis a este modo de locomoção. A cadeira de rodas
altera a perspectiva da pessoa” (Agich, 2008, p. 203).
No momento não ando, depois da fratura não andei,
só na cadeira de rodas. Só fico andando na cadeira de rodas no momento (E37).
A dificuldade de andar foi visível em alguns relatos, devido ao medo de
cair:
Começa a doer as pernas, pra
caminhar quase caio, seguro nessa muleta, a muleta resvala e não consigo firmar
muito bem (E12). Traz medo, medo de morrer. Ficar sem poder andar, não posso
andar de pressa, tenho medo de cair por causa do joelho (E22).
Nos idosos institucionalizados, é comum notar-se a dificuldade em
utilizar as escadas, as queixas mais relatadas nos idosos são a fraqueza em
membros inferiores, dor, a hemiplegia, tontura, desequilíbrio, o cansaço e
outros fatores considerados como de risco de quedas. As doenças são fatores
intrínsecos que contribuem para essa dificuldade na utilização das escadas (Kikuch & Bispo, 2010). Subir e descer escadas pode converter-se em uma árdua tarefa pelo
esforço que requer e pela dor provocada na flexão de todas as articulações para
poder subir passo a passo. Os idosos correm o risco de cair por calcular mal o
passo. Subir e descer escadas também gera quedas de forma frequente por ser uma
atividade que requer uma coordenação precisa entre o sistema vestibular e a
osteoarticular (Sanches,
2006).
Descer escada eu desço, agora subir (...) Se
tiver que subir eu subo, mas é meio ruim, dá falta de
ar (...). Na escada eu quase não subo, mas descer eu desço (E28).
A organização e limpeza da casa, o cuidado com a roupa e o uso de
eletrodomésticos são as atividades principais que compõem o cuidado da casa (Sanches, 2006). Nos relatos dos participantes, notou-se a
dependência física nas atividades instrumentais da vida diária:
Fazia muita coisa. Eu gosto de trabalhar na
cozinha, sempre fui cozinheiro (E14). Pois é (...), a minha força agora (...),
ainda carrego uma cadeira dessas, mas arrastando, lá da cozinha eu arrasto até
aqui (E15).
Para as pessoas terem mobilidade nas áreas urbanas, necessitam ter um
bom estado de saúde, em caso contrário, se apresentarem incapacidades, essa
mobilidade estará severamente prejudicada (Bell et al., 2013).
Por causa da dor eu não posso andar, nem sair
à rua por causa do perigo que é. Não se deve sair à rua não (E4). Eu não faço
mais nada, não tenho o que fazer. Desanimo de ir ao banco guardar dinheiro
(E27).
A utilização do transporte público urbano ou de viagens mais longas apresentam
algumas incomodidades aos passageiros, sendo exacerbadas naqueles que
apresentam incapacidades funcionais:
Não posso ir a Londrina de Circular
(autocarro). Eu o ano passado ia (E22). Eu gosto de viajar, ver minhas
cunhadas, que ainda tenho duas vivas, eu gosto disso. Agora não, parei um
pouco, dei uma maneirada, estou doente, doente sem poder fazer nada, vai fazer
o que? (E5).
Diminuição na Ocupação
Verificou-se durante os relatos, onde a pessoa é incapaz de preencher
seu tempo de maneira costumeira (McColl, 1995/1998). O trabalho que “é a execução de tarefas que exijam esforço mental e
físico, tem como objetivo a produção de bens e serviços para atender às
necessidades humanas” (Giddens, 2009/2012).
Se tiver trabalhando tenho que
parar, (...) não posso pegar o serviço, se eu pegar, começa a repuxar esta
parte, começa a repuxar os nervos, começa a travar (E2). O dia que estou
atordoada não posso sair de casa, não posso andar, tenho que
ficar dentro de casa. Agora não trabalho mais (E18). Começa a doer aqui, que
endurece tudo. Gostaria de fazer as coisas que eu fazia antes, fazia a roupa. O
que eu gosto de fazer é crochê (E19). Às vezes pedem para eu fazer um serviço,
aí falo: “não dá para eu ir, o senhor vai me desculpar, mas a coluna está
atacada (E25). A doença atrapalha de tudo na minha vida, por exemplo, trabalhar
eu não posso (E26).
Segundo Marcelino (2006), existem
fatores que impedem a prática do lazer, denominadas “barreiras para o lazer”.
Dentre as várias barreiras citadas pelo autor as que podem afetar os residentes
de uma ILPI, são as relacionadas à faixa etária e às limitações físicas e
mentais.
(...) eu quero ler, escrever e fazer as coisas
e agora não posso mais. Agora não posso mais ler e escrever (E20). (...) jogar
bola, andar de bicicleta, nadar que nem eu nadava, passear, cantar, tocar
violão que eu tinha aí, você vê (...) Abandonei tudo (E23).
Isolamento
O isolamento ocorre quando o indivíduo se torna incapaz de
manter e participar normalmente das relações sociais (McColl, 1995/1998). Nos relatos de Moliner et al. (2008), as doenças também podem originar problemas sociais tais como a
inatividade e a exclusão, que são respetivamente o oposto da atividade e da participação
social. Na ideia do idoso institucionalizado, pode-se aproveitar o pensamento
de Moragas (2004, p. 113): “a força física é menor, os estímulos psíquicos diminuem e a
experiência ensina ao idoso que é mais difícil lutar contra o sistema do que se
adaptar”.
A sociedade muitas vezes discrimina os indivíduos pela cor da sua pele,
pela cultura e pela etnia. Entretanto acontece o mesmo com as pessoas com
doenças crónicas e com deficiências. Os sinais visíveis de doença ou por
estarem numa cadeira de rodas, faz com que a sociedade os evite (Larsen, 2013a).
Conviver com isso pesa. Eu fico inseguro de
dizer alguma coisa, alguém falar que você é um esquizofrênico, você é um
paranoico (...). Então eu fico chateado com isso, me aborrece. Eu tenho
dificuldade na comunicação (...) É difícil pelo fato de eu ter medo; “ah, você
é inválido” (E3). Às vezes as pessoas falam: “o senhor só fica naquele buraco
lá, não sai”. Sair como? Eu rezo, fico doido pra não
sair, não quero sair. Sair para passear é um sofrimento pra
mim (E23). O problema que eu tenho é de estar sozinho. A tontura é forte (E31).
Dificuldade em Dormir
A dificuldade em dormir foi outro acontecimento exposto pelos
entrevistados. O sono é um componente distinto e essencial do comportamento
humano. Praticamente um terço de nossa vida é gasto dormindo. O sono é um
estado reversível de desligamento da perceção do ambiente, com modificação do
nível de consciência e de resposta aos estímulos internos e externos. É um
processo ativo envolvendo múltiplos e complexos mecanismos fisiológicos e
comportamentais em vários sistemas e regiões do sistema nervoso central (Moraes, 2012). O que acontece na vida quotidiana pode ter
impacto sobre a nossa capacidade de dormir e a chance de ter uma boa noite (Nettleton, 2013).
Meio desanimado, a gente desanima, por causa da dor. Tenho dificuldade em
dormir (...) (E4). Tem vezes que eu quero dormir, começo a tremer, aí perco
sono (E13).
Vimos neste estudo a importância da pesquisa etnográfica na área da
saúde. Através da entrada em campo com a técnica da observação participante e
das entrevistas abertas, conseguiu-se constatar as mudanças na vida quotidiana
de pessoas que vivem numa instituição de longa permanência para idosos,
provocadas pelo impacto da doença. Através da subjetividade do autor e dos
participantes da pesquisa, verificou-se o efeito e a influência que a doença ocasiona
na vida de cada indivíduo.
Antes do trabalho de campo, a descrição documental das características
dos residentes da instituição, revelou aspetos importantes, tais como: em
relação ao estado civil serem sozinhas, não terem filhos, viverem sozinhos antes
da institucionalização, a causa da institucionalização por debilidade da saúde
e dependência e perda da autonomia.
Durante o trabalho de campo, no momento da observação participante, foi
verificado a dependência funcional, a perda da autonomia e a incontrolabilidade.
Nos relatos dos participantes nas entrevistas, notou-se a perda da liberdade, a
dependência física nas atividades básicas de vida diária e nas atividades
instrumentais de vida diária, a diminuição na ocupação, o isolamento e a
dificuldade para dormir. Pudemos constatar durante a observação participante e
nos relatos das entrevistas, que o comprometimento da mobilidade se destaca com
frequência durante a vida quotidiana das pessoas idosas da instituição.
Os resultados desta pesquisa são de grande relevância para os
profissionais que atendem pessoas idosas visando a individualidade e
subjetividade durante os cuidados. Neste sentido, as ações profissionais que
estimulam e favorecem as capacidades físicas, mentais e sociais, podem diminuir
as mudanças na vida quotidiana das pessoas idosas, provocadas pelo impacto da
doença.
A pesquisa qualitativa necessita de mais estudos que investiguem sobre
o impacto da doença nas pessoas idosas, devido à escassez deste tipo de
estudos. Nesta abordagem podemos entender o impacto como efeito ou influência
de um evento que pessoas tiveram como experiência. Na área do envelhecimento,
este evento não ocorre só em instituições de longa permanência para idosos, mas
também, na comunidade, em hospitais, nos centros de dia, no domicílio, na rua
ou até mesmo durante alguma ação ou ocupação.
Agradecimentos | Acknowledgements: À instituição de longa
permanência para idosos, à Universidade Pitágoras Unopar,
à Irmã Maria José Oliveira, ao Professor Ruy Moreira da Costa Filho, à
Professora Adriana de Paula Fontana Carvalho.
Conflito de interesses | Conflict of interest: Parte deste
artigo foi apresentado no 9º Congresso
Ibero-americano de Investigação Qualitativa, Lisboa. Parte deste artigo
foi submetido a capítulo de livro (“O
impacto da doença na vida cotidiana em pessoas idosas institucionalizadas”,
Editora Atena – Ponta Grossa, Brasil).
Fontes de financiamento | Funding sources: Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Contributos: NNCB: Revisão da literatura; Recolha, inserção e tratamento dos
dados; redação do manuscrito; responsável pelo projeto de pesquisa e
participação em todas as fases da pesquisa. VVSPC: Contributo na redação
do manuscrito; Tratamento e discussão dos dados; Revisão da redação final do
manuscrito. MM: Contributo na redação do manuscrito; Tratamento e
discussão dos dados. LCF: Contributo na redação do manuscrito. TASF: Contributo
na redação do manuscrito. FFG: Contributo na redação do manuscrito. TFF: Contributo na redação do
manuscrito. FMM: Contributo na redação do manuscrito; Tratamento e
discussão dos dados. RGCL: Contributo na redação do manuscrito;
Tratamento e discussão dos dados. MHVBC: Contributo na redação do
manuscrito; Tratamento e discussão dos dados; Revisão da redação final do
manuscrito, orientação do projeto.
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original publicado em 1995)
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