Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 6 (1): 50-63
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 6 (1): 50-63
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto
Superior Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
O efeito da impulsividade, autoaversão e
autocompaixão nos traços borderline na adolescência: Estudo das diferenças
entre sexos
The effect
of impulsivity, self-disgust and self-compassion in borderline features
in adolescence: Study of sex differences
Diogo Carreiras (1)
Paula Castilho (1)
Marina Cunha (1,2)
(1) Univ Coimbra, CINEICC, FPCEUC, Portugal
(2) Inst Sup
Miguel Torga, Coimbra, Portugal
Recebido: 31/03/2020; Revisto: 26/04/2020; Aceite: 18/05/2020.
https://doi.org/10.31211/rpics.2020.6.1.170
Contexto: A adolescência é uma etapa
desenvolvimental com mudanças biológicas, psicológicas e sociais que irão
influenciar o funcionamento na idade adulta. A investigação em torno das
Perturbações da Personalidade, e em particular da Perturbação Borderline
da Personalidade (PBP), tem cada vez mais investido no estudo de traços
disfuncionais e inflexíveis em idades precoces, uma vez que é claro que uma
Perturbação da Personalidade não se manifesta apenas subitamente na idade
adulta. Existe uma trajetória desenvolvimental que deve ser melhor compreendida
e explorada. Objetivo: Neste sentido, o presente trabalho
teve como objetivo analisar o contributo de processos e mecanismos
psicológicos, como a impulsividade, autoaversão e autocompaixão, para a
compreensão dos traços borderline na adolescência. Métodos: Este estudo tem
um desenho transversal e uma amostra constituída por 440 adolescentes da
população geral (278 raparigas e 162 rapazes), com idades compreendidas entre
os 14 e os 17 anos. Com recurso ao SPSS, realizaram-se testes t para
amostras independentes, correlações de Pearson e regressões lineares. Resultados: As raparigas,
quando comparadas com os rapazes, apresentaram níveis mais elevados de
autoaversão, depressão e traços borderline e níveis mais baixos de
autocompaixão. Os modelos de regressão hierárquica para testar o poder
preditivo da impulsividade, autoaversão e autocompaixão nos traços borderline
foram significativos, explicando 46% da variância dos traços borderline
em rapazes e 58% nas raparigas, controlando o efeito da depressão. Enquanto que
nas raparigas, todas as variáveis apresentaram um contributo significativo
(depressão, impulsividade, autocompaixão e autoaversão), nos rapazes apenas a
depressão, impulsividade e autocompaixão revelaram poder preditivo. Conclusões: Os dados desta
investigação salientam variáveis essenciais para compreender os traços borderline
em adolescentes, bem como as diferenças nesses mecanismos psicológicos entre
raparigas e rapazes, tendo significativas implicações para a investigação e,
sobretudo, para a prática clínica e prevenção.
Palavras-Chave: Adolescência; Autoaversão;
Autocompaixão; Impulsividade; Traços Borderline da Personalidade.
Background: Adolescence is a developmental stage with biological, psychological, and
social changes that will influence the individual functioning in adulthood.
Recently, research on borderline personality disorder (BPD) has been focusing
on dysfunctional and inflexible features in early ages, since a personality
disorder does not appear suddenly in adulthood. The developmental path should
be better understood and explored. Objective: Accordingly, the current study aimed at analyzing the contribution of
psychological processes, specifically impulsivity, self-disgust, and
self-compassion, for understanding borderline features in adolescence. Methods: This study had
a cross-sectional design and a sample of 440 adolescents from the general
population (278 girls and 162 boys), with ages ranging between 14 and 17 years.
In SPSS, we conducted Student’s t-tests, Pearson correlations, and
linear regressions. Results: Girls presented higher levels of self-disgust, and borderline features
in comparison with boys and lower levels of self-compassion. Regression models
to test the predictive value of impulsivity, self-disgust, and self-compassion
on borderline features were significant. The model explained 43% of borderline
features for boys and 57% for girls. For girls, all variables (impulsivity,
self-compassion, and self-disgust) presented a significant contribution, and
for boys, only impulsivity and self-compassion were significant predictors. Conclusions: These results added evidence of important variables to understand
better borderline features in adolescents and identified sex differences in
these psychological mechanisms. This study has important implications for
research, clinical practice, and prevention.
Keywords: Adolescence; Borderline features; Impulsivity; Self-compassion;
Self-disgust.
Descrita como incapacitante e interferente, a perturbação borderline da personalidade (PBP) é
caracterizada por um padrão persistente de impulsividade, instabilidade na
autoimagem, no afeto e nas relações interpessoais e no comportamento, bem como
por marcadas dificuldades de regulação emocional (American Psychiatric Association [APA], 2013; Leichsenring et al., 2011).
A prevalência da PBP na população geral situa-se entre 1,6% e 5,9% (APA, 2013).
Embora habitualmente a incidência seja estudada na população
adulta, a PBP pode ser diagnosticada na adolescência, quando tal for
justificado (APA, 2013). A investigação em torno dos
traços borderline na adolescência tem crescido nos últimos anos,
partindo da premissa de que, sendo a PBP uma patologia da personalidade, existe
uma trajetória desenvolvimental disfuncional que pode ser detetada em faixas
etárias mais jovens (Paris, 2009). Vários autores
salientam que padrões comportamentais, cognitivos e afetivos disfuncionais
manifestam-se antes dos 18 anos de idade e, portanto, traços ou características
borderline podem ser identificadas na adolescência (Bradley et al., 2005; Crick et al., 2005; Sharp & Bleiberg, 2007). De facto, Zanarini
et al. (2006) referem que pessoas com traços borderline
reconhecem o início dos seus sintomas por volta dos 11 anos (DP = 5 anos) e que receberam tratamento
para essas dificuldades, pela primeira vez, em média aos 17 anos (DP = 6 anos). A prevalência de PBP na
população adolescente é semelhante à prevalência na população adulta, entre
1,3% e 1,6% (Johnson et al., 2008; Lewinsohn et al., 1997), no
entanto, em contexto hospitalar, esta prevalência aumenta para os 22% (Chanen et al., 2008). Quanto a
diferenças entre sexos, os resultados não são consensuais pois alguns estudos
apontam para a existência de traços borderline mais elevados nas
mulheres (Swartz et al., 1990;
Trull et al., 2010), ao passo
que outros estudos não reportam diferenças significativas entre sexos (Aragonès et al., 2013; Morey et al., 2002).
Como referido anteriormente, a impulsividade é uma característica
central na PBP. Chapman et al. (2008) demonstraram que
as pessoas com mais características borderline apresentam níveis de
impulsividade significativamente superiores a outras com menos características borderline.
Com frequência, a impulsividade nas pessoas com traços borderline mais
elevados está associada a consequências negativas, como comportamentos autolesivos (Brown et al., 2002; Plener et al., 2015), abuso de
substâncias ou comportamento sexual de risco (Sebastian et
al., 2013). Fossati et al. (2014)
estudaram a impulsividade, regulação emocional e traços borderline em
1157 adolescentes, comparando três grupos distintos em função do nível de
traços borderline (alto, médio e baixo). Concluíram que o grupo com um
nível elevado de traços borderline se diferenciava dos outros grupos,
revelando uma tendência significativamente maior para ser impulsivo.
Adicionalmente, alguns estudos encontraram uma relação
significativa e positiva entre a PBP e a autoaversão (Guiomar,
2015; Ille et al., 2014; Schienle et al., 2013). A
autoaversão tem sido descrita como a experiência autoconsciente
da emoção básica de nojo orientada para o “eu” (Overton et al., 2008; Power & Dalgleish, 2008).
É uma abstração generalizada e disfuncional da aversão a aspetos pessoais,
internos e externos, relativamente estáveis e duradouros (Olatunji et al., 2012; Powell
et al., 2015). Sendo o nojo/aversão uma emoção básica, a autoaversão
apresenta diferentes componentes: uma cognitiva/emocional, outra fisiológica e
uma componente comportamental, que inclui afastamento e fuga (Carreiras, 2014; Ekman,
1992; Overton et al., 2008;
Powell et al., 2015). Estudos têm mostrado uma
associação positiva entre a autoaversão e sintomas de depressão, ansiedade e
ideação suicida (Carreiras, 2014; Overton et al., 2008), bem como
perturbações do comportamento alimentares (Ille
et al., 2014). Em adolescentes da comunidade geral, a investigação
de Guilherme (2019) apresentou correlações positivas
entre a autoaversão e sintomas psicopatológicos, impulso, autodano e ideação
suicida e uma associação negativa entre a autoaversão e autocompaixão.
Uma alternativa à autoaversão é a capacidade de autotranquilização e de se ser gentil e bondoso consigo
mesmo, nomeadamente quando se está em sofrimento físico e psicológico. A
autocompaixão revela-se um processo psicológico protetor cada vez mais estudado
e que pressupõe ser sensível ao sofrimento do próprio/a, com uma motivação
genuína para o aliviar esse sofrimento em situações difíceis. Incluindo um
conjunto de atitudes essenciais, a autocompaixão consiste em não ajuizar e
rotular, compreender o sofrimento como parte de uma experiência humana comum, partilhada
com todos os seres humanos, e ter a capacidade de estar com esse sofrimento sem
o tentar suprimir ou evitar (Neff, 2003,
2016). Portanto, as estratégias de autocompaixão
relacionam-se com o sistema de vinculação e segurança e traduzem-se num estado
interno de calma, comportamentos ativos de exploração, criatividade, afiliação
e cuidado pelo eu. Diversos estudos têm mostrado associações negativas entre a
autocompaixão e a psicopatologia (Krieger
et al., 2013; Marsh et
al., 2018) e correlações positivas entre a autocompaixão e o bem-estar e
funcionamento psicológico adaptativo (Bluth
et al., 2017; Neff et
al., 2007). Em adultos, existem alguns estudos que mostraram o papel
protetor da autocompaixão relativamente à PBP (Keng & Wong, 2017; Loess, 2015;
Scheibner et al., 2018; Warren, 2015), no entanto, no
que toca à população adolescente, estudos sobre os traços borderline e a
sua relação com a autocompaixão são escassos. Não obstante, estudos com
adolescentes já apresentaram evidência de que ser autocompassivo
está associado a outcomes psicológicos
positivos (Bluth & Balton, 2015;
Cunha et al., 2013, 2016).
Adicionalmente, diferenças na autocompaixão entre rapazes e raparigas foram
previamente reportadas, com as raparigas a apresentarem níveis mais baixos,
especialmente as mais velhas (Bluth et
al., 2017). Numa meta-análise, Yarnell et
al. (2015) reportaram a evidência de que pessoas do
sexo masculino apresentarem níveis de autocompaixão ligeiramente superiores às
do sexo feminino.
Considerando as evidências dos estudos previamente descritos, e
dada a falta de investigação em Portugal na área dos traços borderline
na adolescência e de fatores que contribuem para a sua manutenção, o principal
objetivo deste trabalho foi estudar o contributo de variáveis relacionadas com
a experiência do self para a compreensão dos traços borderline na
adolescência. Com base na revisão da literatura, este será o primeiro estudo
português a explorar estas variáveis e a sua relação com os traços borderline,
testando diferenças entre os sexos. Assim, pretendemos analisar o contributo da
impulsividade, da autoaversão e da autocompaixão nos traços borderline em
adolescentes e explorar a possível existência de diferenças nestas variáveis
entre rapazes e raparigas. Esperamos que a autoaversão, a impulsividade e a
autocompaixão tenham um contributo individual único na explicação dos traços borderline
nos adolescentes, controlado o efeito dos sintomas depressivos. Esperamos
também encontrar diferenças entre os sexos, nomeadamente níveis mais elevados
de sintomas depressivos, traços borderline e autoaversão nas raparigas,
e níveis mais elevados de autocompaixão nos rapazes.
Participantes
A amostra do presente estudo foi composta
por 440 adolescentes portugueses da população geral, dos quais 278 (63%) são do
sexo feminino e 162 (37%) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os
14 e os 17 anos, M = 15,47; DP = 0,83. Os adolescentes eram estudantes do ensino
básico e secundário dos quais setenta e cinto (17%) estavam no 9º ano, duzentos
e seis (47%) no 10º ano e cento e cinquenta e nove (36%) no 11º ano de
escolaridade. Não foram encontradas diferenças significativas entre rapazes e
raparigas relativamente à idade, t(210)
= 0,14, p = 0,89, e anos de escolaridade, t(210) =
0,83, p = 0,41.
Instrumentos
Escala de Traços de Personalidade Borderline para Adolescentes (ETPB-A; Borderline Personality
Features Scale for Children - BPFS-C; Sharp et al.,
2014; versão portuguesa: Carreiras et al., 2020).
Este instrumento de autorrelato é unidimensional e constituído por 10 itens,
que avaliam os traços borderline de adolescentes, com questões sobre a
forma como o sujeito se sente em relação a si próprio e aos outros (e.g., “A maneira como me sinto muda muito.”, “Sinto
que há algo importante que falta em mim, mas não sei o que é.”). Os itens são cotados numa escala de
Likert de 5 pontos (1 = “Nunca verdadeiro”; 5 = “Sempre verdadeiro”). Quanto
maior o somatório das pontuações de todos os itens, maiores os níveis de traços
borderline. No estudo da versão original, a BPFS-C apresentou boa
consistência interna (α de Cronbach = 0,85, Sharp et al.,
2014), bem como no estudo da versão portuguesa (α de Cronbach = 0,77, Carreiras et al., 2020). No presente estudo, o alfa de Cronbach
foi de 0,84.
Escala de Autocompaixão para Adolescentes (EAC-A; Self-Compassion Scale - SCS; Neff,
2003; versão portuguesa para adolescentes: Cunha et al.,
2016). Esta escala destina-se a avaliar a autocompaixão em
adolescentes, ou seja, a capacidade de serem calorosos, aceitantes e
compreensivos consigo próprios em momentos difíceis e de sofrimento (e.g.,
“Quando as coisas me correm mal, vejo as dificuldades como fazendo parte da
vida, e pelas quais toda a gente passa.”, “Quando passo por tempos difíceis
tenho tendência a ser muito exigente e duro/a comigo mesmo/a.”). É composta por
26 itens que compõem seis subescalas (calor/compreensão, isolamento,
humanidade comum, autojulgamento, mindfulness
e sobreidentificação), cotados numa escala de Likert de 5 pontos (1 =
“Quase nunca”; 5 = “Quase sempre”). O total da escala é uma média das
pontuações das subescalas, após inverter as pontuações dos itens das subescalas
isolamento, autojulgamento” e sobreidentificação. Resultados mais elevados
representam níveis mais elevados de autocompaixão. A EAC-A revelou boa
consistência interna no estudo original (α de Cronbach = 0,92; Neff, 2003) e na versão portuguesa
para adolescentes (α de Cronbach = 0,85, Cunha et al.,
2016). No presente estudo, o alfa de Cronbach da escala total foi de 0,84.
Escala Multidimensional da Autoaversão para adolescentes (EMA-A; Escala
Multidimensional da Autoaversão – EMA; Carreiras, 2014;
versão para adolescentes: Guilherme et al., 2020).
Esta escala portuguesa avalia a autoaversão, ou seja, a emoção de aversão/nojo
direcionada para aspetos internos e externos do “eu”. É constituída por 30
itens que compõem quatro subescalas: ativação defensiva (componente
fisiológica da emoção; e.g., “Quando
sinto aversão em relação
a mim, a minha respiração fica acelerada.”), cognitivo-emocional
(pensamentos e sentimentos que refletem a relação de hostilidade e aversão para
com o “eu”; e.g., “Quando sinto aversão em relação a mim, sinto-me diminuído/a,
inferior e pequeno/a.”), evitamento (comportamentos destinados a
esconder ou evitar esses aspetos considerados aversivos”; e.g., “Quando sinto aversão em relação a mim,
desvio o olhar do meu corpo.”) e exclusão (comportamentos para excluir
ou eliminar os aspetos do “eu” considerados tóxicos”; e. g., “Quando sinto aversão em relação a mim,
sinto vontade de cortar, queimar, eliminar essa parte de mim mesmo/a.”). Os
itens são cotados numa escala de Likert de cinco pontos (1 = “Nunca”; 5 =
“Sempre”) e depois feito o somatório das pontuações dos itens. Maiores
pontuações representam maiores níveis de autoaversão. A consistência interna da
versão original para adolescentes é muito boa (α de Cronbach = 0,97; Guilherme et al., 2020), tal como no presente estudo (α
de Cronbach = 0,96).
Questionário de Impulso, Autodano e Ideação Suicida para
Adolescentes (QIAIS-A; Carvalho et al., 2015). O referido
instrumento de autorrelato é composto por 58 itens que avaliam o
impulso/impulsividade, comportamentos autolesivos,
motivos e funções desses comportamentos, e ideação suicida. Os itens agrupam-se
em quatro subescalas: impulso (8 itens), autodano (14 itens), funções
do autodano (31 itens) e ideação suicida (3 itens) e são cotados
numa escala de Likert de quatro pontos (0 = “Nunca acontece comigo”; 3 =
“Acontece-me sempre”). Para este estudo, apenas recorremos à subescala impulso
(e.g., “Faço coisas sem pensar nas consequências.”) através do somatório das pontuações dos 8
itens, em que valores mais elevados significam maior impulsividade. Esta
subescala apresentou uma consistência interna adequada neste estudo (α de
Cronbach = 0,78), semelhante à encontrada no estudo da versão original (α de
Cronbach = 0,76; Carvalho et al., 2015).
Escala de Ansiedade Depressão e Stress para adolescentes (DASS-21-A; Lovibond & Lovibond,
1995; versão portuguesa para adolescentes: Pais-Ribeiro et
al., 2004). Este instrumento de autorrelato é composto por 21 itens que avaliam
sintomas de depressão, ansiedade e stress. Os itens agrupam-se em três
subescalas: depressão (7 itens), ansiedade (7 itens) e stress (7 itens) e são
cotados numa escala de Likert de quatro pontos (0 = “Não se aplicou nada a
mim”; 3 = “Aplicou-se a mim a maior parte das vezes”). Para este estudo, apenas
recorremos à subescala “Depressão” (e.g., “Não
consegui sentir nenhum sentimento positivo”) através do somatório das
pontuações dos sete itens, em que valores mais elevados significam maior
sintomatologia depressiva. Neste estudo, esta subescala apresentou uma
consistência interna bastante adequada (α de Cronbach = 0,88), semelhante à
encontrada no estudo da versão original (α de Cronbach = 0,91; Lovibond & Lovibond, 1995) e versão portuguesa (α de Cronbach =
0,91; Pais-Ribeiro et al., 2004).
Procedimento
O presente estudo faz parte de uma investigação
mais alargada, cujos procedimentos foram aprovados pela Direção Geral de
Educação (DGE) do Ministério da Educação, pela Comissão Nacional de Proteção de
Dados (CNPD; autorização n.º 6713/ 2018) e pelos órgãos diretivos dos
estabelecimentos de ensino. Posteriormente, foram agendadas com o Investigador
responsável as datas para a recolha de dados, que se realizou nos
estabelecimentos de ensino em horário escolar. Os consentimentos informados,
com informação sobre o estudo, objetivos, proteção de dados, confidencialidade
e anonimato foram enviados para os encarregados de educação. Os instrumentos de
autorrelato foram administrados aos adolescentes, cujos encarregados de
educação concederam permissão. Os jovens frequentavam estabelecimentos de
ensino básico e secundário e os dados foram recolhidos entre outubro de 2018 e
março de 2019, no centro e norte de Portugal Continental. Durante o
preenchimento dos questionários, o investigador e o professor responsável pela
unidade curricular estiveram presentes para esclarecer dúvidas e garantir a
independência das respostas.
Análise Estatística
Para a análise dos dados, utilizámos o software
IBM SPSS versão 23. Estatísticas descritivas e testes t de Student para
amostras independentes foram realizados para examinar as variáveis
sociodemográficas e explorar diferenças entre sexos, respetivamente. As
associações entre as variáveis foram analisadas através do cálculo do
coeficiente de correlação de Pearson. De acordo com Dancey
e Reidy (2017), valores entre
0,10 e 0,39 são considerados fracos, entre 0,40 e 0,69, moderados e acima de
0,70, fortes. O tamanho do efeito foi calculado de acordo com Cohen (1988), considerando pequenos valores de d entre 0,20
e 0,49, médios entre 0,50 e 0,79 e elevados acima de 0,80. Regressões múltiplas
foram realizadas para explorar o poder preditivo das variáveis independentes
(impulsividade, autoaversão, autocompaixão e depressão) sobre a variável dependente
(traços borderline). A independência dos erros foi analisada com recurso
aos valores de Durbin-Watson, considerando valores
abaixo de 2,5 aceitáveis. A multicolinearidade e singularidade das variáveis
foi examinada através dos Variance Inflation Fator (VIF), sendo aceitáveis valores
inferiores a 5 (Kline, 2005).
Análise preliminar dos dados
Não foram
encontradas violações severas à normalidade dos dados após analisar os valores
de assimetria (|Sk| < 3) e curtose (|Ku| < 8). Os valores de Durbin-Watson
foram aceitáveis (entre 1,65 e 1,82). Os VIF foram abaixo do valor recomendado
de 5. No geral, as análises preliminares evidenciaram um ajustamento adequado
dos dados para prosseguir com as análises estatísticas.
Análise descritiva e diferenças entre sexos
Na Tabela 1 são apresentadas as estatísticas descritivas das
variáveis em estudo para a amostra total e por sexo. Comparativamente aos
rapazes, as raparigas apresentaram níveis mais elevados de traços borderline,
t(438) = 2,25, p =
0,03, e depressão, t(438) = 2,25, p = 0,02, com um
tamanho de efeito pequeno, bem como níveis mais elevados de autoaversão, t(438)
= 5,42, p < 0,001, com tamanho
de efeito médio. Quanto à autocompaixão, os rapazes apresentam níveis mais
elevados, t(438) = 3,50, p
< 0,001, com um tamanho de efeito pequeno. Não foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas entre os sexos relativamente à impulsividade.
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Médias (M), Desvios-Padrão (DP), Testes t para Amostras Independentes
(t) e Tamanho do Efeito (d) para as Diferentes Variáveis em Estudo na Amostra
Total e na Amostra Dividida por Sexos |
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Variáveis |
Total (N = 440) |
Rapazes (n = 162) |
Raparigas (n = 278) |
t (gl) |
d de Cohen |
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M (SD) |
M (SD) |
M (SD) |
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Traços borderline (ETPB-A) |
25,45 (7,35) |
24,41 (7,44) |
26,05 (7,25) |
2,25*(438) |
0,22 |
|
|
Impulsividade (QIAIS-A) |
7,16 (4,27) |
7,30 (4,25) |
7,08 (4,29) |
0,51 (438) |
0,05 |
|
|
Autoaversão (EMA-A) |
18,65 (21,19) |
11,69 (16,78) |
22,70 (22,43) |
5,42** (438) |
0,56 |
|
|
Autocompaixão (SCS-A) |
3,13 (0,64) |
3,27 (0,56) |
3,05 (0,68) |
3,50** (438) |
0,35 |
|
|
Depressão (EADS-21) |
5,15 (4,75) |
4,43 (4,42) |
5,57 (4,89) |
2,45* (438) |
0,24 |
|
|
Nota.
ETPB-A = Escala de Traços de Personalidade Borderline para
Adolescentes; EAC-A = Escala de Autocompaixão para Adolescentes; EMA-A =
Escala de Autoaversão para Adolescentes; QIAIS-A: Questionário de Impulso,
Autodano e Ideação Suicida para Adolescentes; EADS-21-A = Escala de Ansiedade
Depressão e Stress para Adolescentes. *p < 0,05; **p < 0,001. |
|
Correlações entre traços borderline,
impulsividade, autoaversão, autocompaixão e depressão
Como apresentado na
Tabela 2, encontramos correlações negativas e moderadas
entre a autocompaixão e os traços borderline, sintomas depressivos
e impulsividade, o que significa que elevada autocompaixão está associada a
menores níveis de traços borderline, sintomas depressivos e impulsividade.
Encontramos também correlações positivas moderadas e fortes entre a
impulsividade, a autoaversão, os sintomas depressivos e os traços borderline,
ou seja, elevados traços borderline estão associados a maiores níveis de
impulsividade, de sintomatologia depressiva e autoaversão. Todos os
coeficientes de correlações foram significativos ao nível de p <
0,001.
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Correlações de Pearson entre as Variáveis em Estudo (N = 440) |
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1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
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1. Traços borderline (ETPB-A) |
— |
— |
— |
— |
— |
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2. Impulsividade (QIAIS-A) |
0,60** |
— |
— |
— |
— |
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3. Autoaversão (EMA-A) |
0,56** |
0,43** |
— |
— |
— |
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4.
Autocompaixão (EAC-A) |
-0,58** |
-0,39** |
-0,63** |
— |
— |
|
|
5. Depressão (EADS-21-A) |
0,56** |
0,44** |
0,66** |
-0,67** |
— |
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Nota.
ETPB-A = Escala de Traços de Personalidade Borderline para
Adolescentes; EAC-A = Escala de Autocompaixão para Adolescentes; EMA-A =
Escala de Autoaversão para Adolescentes; QIAIS-A: Questionário de Impulso,
Autodano e Ideação Suicida para Adolescentes; EADS-21-A = Escala de Ansiedade
Depressão e Stress para Adolescentes. *p < 0,05; **p < 0,001. |
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Regressões múltiplas na explicação dos traços
borderline para ambos os sexos
Dadas as diferenças encontradas entre rapazes
e raparigas nas variáveis em estudo, foram realizadas duas regressões
múltiplas, uma para cada grupo. Em ambas as regressões, a variável dependente
foi os traços borderline e as variáveis independentes foram a depressão,
impulsividade, autoaversão, autocompaixão. Nos rapazes, o modelo final (Tabela 3) foi significativo e explicou 46% da variância dos
traços borderline, F(4,
157) = 34,92, p < 0,001. Dos preditores testados, a impulsividade,
β = 0,35, p < 0,001, e a autocompaixão, β = -0,25, p
= 0,004, revelaram significância estatística, bem como a depressão, β =
0,27, p = 0,002. A autoaversão não se revelou um preditor significativo,
β = 0,05, p = 0,58. Para os rapazes, menor autocompaixão e maior
impulsividade relacionaram-se com níveis mais elevados de traços borderline.
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Regressão Múltipla a Explicar os
Traços Borderline em Adolescentes do Sexo Masculino (N = 162) |
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Variáveis |
R2 |
R2ajustado |
B |
Erro |
β |
|
|
|
0,47 |
0,46 |
|
|
|
|
|
Depressão (EADS-21-A) |
|
|
0,46 |
0,15 |
0,27* |
|
|
Impulsividade (QIAIS-A) |
|
|
0,62 |
0,12 |
0,35** |
|
|
Autoaversão (EMA-A) |
|
|
0,02 |
0,04 |
0,06 |
|
|
Autocompaixão (EAC-A) |
|
|
-3,29 |
1,13 |
-0,27* |
|
|
Nota.
ETPB-A = Escala de Traços de Personalidade Borderline para
Adolescentes; EAC-A = Escala de Autocompaixão para Adolescentes; EMA-A =
Escala de Autoaversão para Adolescentes; QIAIS-A = Questionário de Impulso,
Autodano e Ideação Suicida para Adolescentes; EADS-21-A = Escala de Ansiedade
Depressão e Stress para Adolescentes. *p < 0,05; **p < 0,001. |
|
Relativamente ao grupo constituído apenas por
sujeitos do sexo feminino, o mesmo modelo foi testado (Tabela
4). Neste caso, a variância dos traços borderline foi explicada em
58%, num modelo estatisticamente significativo, F(4,
273) = 96,24, p < 0,001. Todos os preditores demonstraram
significância estatística: impulsividade, β = 0,38, p < 0,001,
autoaversão, β = 0,26, p = 0,002, autocompaixão, β =
-0,23, p < 0,001, e depressão, β = 0,17, p = 0,003.
Para as raparigas, menor autocompaixão, maior impulsividade e maior autoaversão
relacionam-se com níveis mais elevados de traços borderline.
|
Tabela
4 Regressão Múltipla a Explicar os
Traços Borderline em Adolescentes do Sexo Feminino (N = 278) |
|
|||||
|
Variáveis |
R2 |
R2ajustado |
B |
Erro |
β |
|
|
|
0,59 |
0,58 |
|
|
|
|
|
Depressão (EADS-21-A) |
|
|
0,25 |
0,08 |
0,17* |
|
|
Impulsividade (QIAIS-A) |
|
|
0,64 |
0,08 |
0,38** |
|
|
Autoaversão (EMA-A) |
|
|
0,06 |
0,02 |
0,18* |
|
|
Autocompaixão (EAC-A) |
|
|
-2,44 |
0,56 |
-0,23** |
|
|
Nota.
ETPB-A = Escala de Traços de Personalidade Borderline para
Adolescentes; EAC-A = Escala de Autocompaixão para Adolescentes; EMA-A =
Escala de Autoaversão para Adolescentes; QIAIS-A = Questionário de Impulso,
Autodano e Ideação Suicida para Adolescentes; EADS-21-A = Escala de Ansiedade
Depressão e Stress para Adolescentes. *p < 0,05; **p < 0,001. |
|
O número de estudos
sobre traços borderline na adolescência tem crescido nos últimos anos.
Tal evidência está relacionada com alguns fatores, como o reconhecimento da
trajetória desenvolvimental da PBP, e com o facto de o início dos sintomas borderline
e da procura de tratamento serem reportados em idades precoces (Crick et al., 2005; Paris, 2009; Zanarini
et al., 2006). Porém, em Portugal, verifica-se ainda uma lacuna na
investigação deste tema, pelo que o presente estudo teve dois grandes
objetivos: explorar o poder preditivo da impulsividade, da autoaversão e da
autocompaixão relativamente aos traços borderline, controlando a
sintomatologia depressiva; e analisar possíveis diferenças entre adolescentes
do sexo feminino e masculino nessas variáveis.
Foram encontradas
diferenças entre rapazes e raparigas em algumas variáveis em estudo. Os dados
mostraram que os traços borderline nas raparigas revelaram-se
significativamente mais elevados, comparativamente aos rapazes, indo ao
encontro de estudos anteriores (Swartz
et al., 1990; Trull et
al., 2010), o que é também consistente com o facto de a PBP ser
predominantemente diagnosticada em mulheres (APA, 2013).
Do ponto de vista da cultura ocidental, características borderline como emocionalidade intensa, sentimentos de dependência e
abandono estão mais associadas ao sexo feminino, o que pode conduzir a uma
cotação mais elevada destes sintomas pelas raparigas e explicar os resultados
obtidos neste e noutros estudos. O mesmo padrão foi encontrado para a
autoaversão, com as raparigas a revelarem níveis mais elevados, o que vai ao
encontro de estudos anteriores (Guilherme et al., 2020).
As jovens parecem ter uma relação mais negativa e crítica consigo próprias,
caraterizada por pensamentos e sentimentos de aversão e repulsa em relação a
aspetos físicos e de personalidade. O que poderá relacionar-se com uma maior
sensibilidade das adolescentes aos sinais de aprovação e desaprovação dos
outros, um aspeto central nesta fase de desenvolvimento na formação da
identidade.
Relativamente à
autocompaixão, os resultados evidenciaram um padrão oposto, já que foram os
adolescentes do sexo masculino que se mostraram mais compassivos consigo
próprios, reportando, em momentos de sofrimento, uma maior capacidade de autotranquilização, menos enredamento na experiência
interna e uma vivência de conectividade e de humanidade comum. Outros estudos,
portugueses e internacionais, tinham previamente comprovado que os rapazes
tendem a apresentar níveis mais elevados de autocompaixão em comparação com as
raparigas (Bluth et al., 2017;
Cunha et al., 2016; Xavier et al.,
2016; Yarnell et al., 2015).
Uma das possíveis explicações para os níveis mais elevados de autocompaixão no
sexo masculino será o facto de os homens não se enredarem e sobreidentificarem
de forma excessiva com pensamentos e experiência interna negativa, em
comparação com as mulheres. Ademais, as raparigas tendem a ser mais
autocríticas e mais predispostas a terem um discurso interno negativo (Yarnell et al., 2015).
Quanto à
impulsividade, não encontrámos diferenças significativas entre os sexos embora
a literatura aponte para níveis mais elevados em pessoas do sexo masculino (Cross et al., 2011). Consideramos que a ausência de
diferenças se relaciona com a utilização de uma medida que é uma subescala
unidimensional com apenas oito itens e não um instrumento destinado a avaliar a
impulsividade. Como tal, possivelmente esta subescala não capta nuances
particulares e mais específicas da impulsividade que permitem diferenciar a sua
expressão em função do sexo. No futuro, é recomendável que outros estudos
utilizem medidas mais completas de avaliação da impulsividade.
Todas as variáveis
em estudo revelaram-se significativamente associadas entre si. Especificamente,
foi encontrada uma correlação positiva e forte entre a impulsividade e os
traços borderline, como já confirmado em estudos prévios (Chapman et al., 2008; Fossati et al., 2014). A autoaversão também estava
positivamente correlacionada com os traços borderline, depressão e com a
impulsividade, reforçando estudos anteriores que evidenciaram a relação entre a
aversão direcionada para aspetos do eu e sintomas psicológicos negativos
(Carreiras, 2014; Overton et al., 2008), inclusivamente da PBP (Ille et al., 2014). Os valores da
autocompaixão nos adolescentes mostraram-se negativamente correlacionados com a
impulsividade, a autoaversão, os traços borderline e sintomatologia
depressiva, indicando o potencial efeito protetor da capacidade genuína de ser
sensível ao próprio sofrimento, reconhecendo-o, e de agir no sentido de o
aliviar, no desenvolvimento de outcomes
psicológicos negativos, como ansiedade, depressão e stress (Krieger et al., 2013; Marsh et al., 2018).
Quanto ao conjunto
de variáveis que melhor explica os traços borderline, os modelos de
regressão múltipla, conduzidos para rapazes e raparigas, dadas as diferenças
entre os sexos reportadas anteriormente, revelaram resultados importantes para
a compreensão da forma como essas variáveis se comportam, em função do sexo. Em
primeiro lugar, ambos os modelos foram significativos, explicando percentagens
consideráveis dos traços borderline: 46% para os rapazes e 58% para as
raparigas. Em segundo lugar, podemos concluir que, independentemente do sexo e
dos níveis de sintomatologia depressiva, a impulsividade e a autocompaixão são
variáveis importantes a considerar na compreensão dos traços borderline
nestas faixas etárias. Contudo, em terceiro lugar, os resultados mostraram que
a autoaversão apenas foi um preditor significativo para os traços borderline
nas raparigas, o que aponta para uma maior sensibilidade das pessoas do sexo
feminino à relação negativa e de aversão por aspetos do eu, internos e/ou
externos, com elevado autocriticismo, na explicação dos traços borderline.
No grupo composto por sujeitos do sexo masculino, a autoaversão não teve um
contributo único e independente.
Os resultados
obtidos permitem refletir sobre importantes implicações clínicas. Os traços borderline
estão presentes nesta faixa etária, em rapazes e raparigas, e estão associados
a variáveis psicológicas negativas, como a impulsividade, a autoaversão e a
depressão. Para os rapazes, a autoaversão não parece ser um aspeto relevante na
explicação da variância dos traços borderline, enquanto para as
raparigas desempenha um papel significativo. Como tal, intervenções individuais
ou grupais com as raparigas com traços borderline marcados deverão
trabalhar o desenvolvimento de uma relação mais calorosa e aceitante do eu como
forma de atenuar esses traços. Krawitz (2012) defendeu que a abordar e desenvolver autocompaixão
seria uma intervenção promissora no tratamento crónico de autoaversão em
pessoas com PBP. Assim, autocompaixão pode funcionar como um fator protetor,
estando negativamente associada com os traços borderline, com potencial
terapêutico para ambos os sexos. Posto isto, e salientando a importância de
agir numa ótica preventiva, o desenvolvimento de uma relação positiva com o eu
em idade precoce, por exemplo no início da adolescência, poderá prevenir ou
amortecer o desenvolvimento de traços borderline. Face às
características da PBP (instabilidade, oscilações entre sentimentos positivos e
negativos relativamente ao próprio, elevada impulsividade), a implementação de
uma intervenção baseada no desenvolvimento de competências compassivas onde
sejam focados aspetos como a autoaversão e a impulsividade, pode ser de grande
relevância, quer na população comunitária, quer em amostras de risco (e.g.,
adolescentes com elevados traços borderline). A autocompaixão tem sido
indicada como um processo cognitivo-emocional alternativo que envolve outros
mecanismos neuro-corticais revelando-se eficaz na regulação emocional e no
aumento de comportamentos afiliativos (Gilbert, 2009). Neste sentido, programas de intervenção
em grupo para adolescentes focados na autocompaixão, como o Making
Friends with Yourself (Bluth et
al., 2016), adaptado do Mindful Self-Compassion (Neff
& Germer, 2013), mostraram resultados positivos no
desenvolvimento de competências de autocompaixão e de mindfulness
e na diminuição dos sintomas ansiosos, depressivos, stress e afeto negativo. De notar ainda que dificuldades
relacionadas com a sintomatologia da PBP podem ser reportadas a partir dos 11
anos (Zanarini et al., 2006),
reforçando a importância de uma abordagem clínica e psicoterapêutica.
Consideramos que o
presente estudo apresenta pontos fortes, como o facto de abordar variáveis
ainda pouco estudadas na população adolescente portuguesa, recorrendo a uma
amostra robusta, permitindo assim identificar importantes pistas para atuar de
forma preventiva no desenvolvimento de PBP. Não obstante, reconhecemos também
algumas limitações. O facto de ter um desenho transversal não permite
determinar relações de causalidade entre as variáveis. Estudos longitudinais
são essenciais, no sentido de compreender melhor a trajetória desenvolvimental
da PBP, explorando os efeitos a longo prazo. A diferença no tamanho da amostra
de rapazes e raparigas para conduzir a análise de regressão deve ser
considerada e os resultados interpretados com cautela. Em estudos futuros as
diferenças entre rapazes e raparigas relativamente aos traços borderline
devem ser profundamente exploradas, com amostras proporcionais, procurando
compreender especificidades próprias de ambos os sexos. Também nos parece
essencial testar em Portugal a eficácia de programas de intervenção para
adolescentes, focados na autocompaixão, como antídoto do autocriticismo e
vivência negativa e aversiva com o próprio, promovendo maior autotranquilização (Gilbert, 2009),
no sentido de prevenir o agravamento e desenvolvimento de traços borderline.
Agradecimentos | Acknowledgements: Os autores agradecem a todos os Estabelecimentos de Ensino que
facilitaram a recolha da amostra, bem como a todos os/as jovens que aceitaram
participar na investigação. Os autores agradecem ainda à FCT, pelo
financiamento do trabalho.
Conflito de
interesses | Conflict of interest: Todos os procedimentos tiveram em conta os
padrões éticos do Ministério da Educação e da Comissão Nacional de Proteção de
Dados, bem como com a declaração de Helsínquia (1964).
Fontes de
financiamento | Funding sources: Este estudo tem o apoio
da Bolsa de Doutoramento (SFRH/BD/129985/2017) do primeiro autor, financiada
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Contributos: DC: Revisão da literatura, recolha, inserção e
tratamento de dados; redação do manuscrito. PC: Contributo na redação do
manuscrito e revisão do manuscrito. MC: Contributo na redação do
manuscrito e revisão do manuscrito
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