Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2019 Vol. 6 (1):
24-38
Portuguese Journal of
Behavioral and Social Research 2019 Vol. 6 (1): 24-38
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto
Superior Miguel Torga
ARTIGO ORIGINAL
Primeira
Ajuda em Saúde Mental: Contributo do programa para
o incremento da literacia em saúde mental dos estudantes do ensino superior
Mental Health First Aid: Contribution of the program to increase mental
health literacy in higher education students
Luís Manuel
Jesus Loureiro (1) Amorim
Gabriel Santos Rosa (1) Carla Marina Frajuca
Pimentel (2) Sandrina Ribeiro da Cunha (3) Lúcia
Valente da Costa (4) Susana Isabel Pereira Correia (2) Tânia
Manuela Moço Morgado (5) Ângela Dionísio Marques (1) Daniela
Maria Miranda Santos (6) Mariana João Jorge Albino (7)
(1) Escola
Superior de Enfermagem de Coimbra, UICISA: E ESEnfC,
Coimbra, Portugal
(2) Centro Hospitalar
e Universitário de Coimbra, Hospital de Sobral Cid, Coimbra, Portugal
(3) Escola
Superior de Enfermagem de Coimbra; Hospital Santo André – Hospital Distrital de
Leiria, Leiria, Portugal
(4) Centro
Hospitalar Baixo Vouga, Aveiro, Portugal
(5) Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra - Hospital Pediátrico, Coimbra, Portugal
(6) Instituto
das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Casa de Saúde Rainha Santa
Isabel, Coimbra, Portugal
(7) Centro
Cirúrgico de Coimbra, Coimbra, Portugal
Recebido: 21/07/2020; Revisto: 20/10/2020; Aceite: 02/11/2020.
https://doi.org/10.31211/rpics.2020.6.2.184
Contexto: O presente estudo tem como objetivo avaliar o
contributo em termos da efetividade do programa de Primeira Ajuda em Saúde
Mental na literacia em saúde mental acerca da depressão, a partir de uma
amostra de estudantes de Enfermagem aquando do ingresso e integração ao curso. Métodos: Utilizou-se um desenho pré-experimental com grupo único,
avaliação pré e pós intervenção. O Programa teve a duração de um dia (9 horas).
A amostra do estudo foi constituída por 100 estudantes do 1.º ano do curso de
Enfermagem (na integração ao curso), tendo sido selecionados de modo aleatório
simples com recurso ao software random.org. A média das idades foi de
18,54 anos (DP = 2,00 anos). Como
instrumentos de colheita de dados foram utilizados o Questionário de
Avaliação da Literacia em Saúde Mental, aplicado à depressão, a versão
breve do Inventário de Crenças acerca das Doenças Mentais e a Escala
de Avaliação do Estigma Pessoal. Recorreu-se às estatísticas resumo, aos
testes de McNemar e t de Student para grupos emparelhados e, como medidas de tamanho de
efeito, o g e o d respetivamente. Resultados: Observou-se com a intervenção um incremento da
literacia em saúde mental ao nível do reconhecimento da depressão e estratégias
comunicacionais de prestação de primeira ajuda (p < 0,05), especificamente na adequação e utilidade de valorizar
sintomas e não expressar julgamentos, assim como uma redução das atitudes
estigmatizantes acerca das doenças e doentes (p < 0,05). Conclusões:
Apesar das limitações relacionadas
com o desenho utilizado, nomeadamente a não existência de grupo de controlo, os
resultados indicam que a frequência do programa contribui para aumentar a
literacia em saúde mental e reduzir o estigma associado aos problemas de saúde
mental.
Palavras-Chave: Primeira ajuda; Literacia em saúde
mental; Depressão; Ensino superior; Quase-experiência.
Objective: The present study
aims to evaluate the contribution in terms of the Mental Health First Aid
program's effectiveness in mental health literacy about depression, based on a
sample of nursing students when entering and integrating into the course. Method: A pre-experimental
design with a single group design, pre- and post-intervention assessment was
used. The program lasted one day (9 hours). The study sample consisted of 100
students from the 1st year of the Nursing course (in the integration to the
course), having been selected in a simple random way using the software random.org. The average age was 18.54
years (SD = 2.00 years). For data collection, we used the Mental
Health Literacy Assessment Questionnaire, applied to depression, the short
version of the Beliefs about Mental Illnesses Inventory, and the Personal
Stigma Assessment Scale. We calculated summary statistics, McNemar and Student's t-tests for paired groups, and
measures of effect size, the g, and d, respectively. Results: An increase in mental
health literacy was observed with the recognition of depression and
communication strategies for providing first aid (p < .05),
specifically in the adequacy and usefulness of valuing symptoms and not
expressing judgments, as well as a reduction in stigmatizing attitudes about
disorders and patients (p < 0.05). Conclusions: Despite the
limitations related to the design used, namely the lack of a control group, the
results indicate that the frequency of the program contributes to increase
mental health literacy about depression and reduce the stigma associated with
mental health problems.
Keywords: First aid; Mental health literacy; Depression, Higher education; Quasi-experience.
A expressão Primeira Ajuda em Saúde Mental
(PASM) foi utilizada no contexto Português de forma pioneira, consistente e
estruturada em 2010, a partir dos trabalhos de uma equipa de investigadores da
Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra (Loureiro et al., 2012), no
âmbito de uma intervenção de educação e sensibilização para a saúde mental de
adolescentes e jovens. A intervenção assentou na criação de raiz de uma
plataforma web (https://felizmente.esenfc.pt/felizmente/),
sendo a expressão utilizada para nomear um dos separadores da plataforma
(“Primeira Ajuda em Saúde Mental – Ajudar um Amigo”), englobando, entre outros,
o algoritmo ANIPI (Loureiro et al., 2014),
resultado da tradução e adaptação do algoritmo ALGEE do programa original
australiano designado por Mental Health First Aid (MHFA®) (Kitchener & Jorm, 2002;
Loureiro et al., 2014). O que se
pretendia com a informação constante no separador era ensinar as estratégias e
ações para prestar PASM, ensinando adolescentes e jovens a prestar ajuda e
apoio a um amigo ou colega, que estivesse a desenvolver um problema relacionado
com a sua saúde mental no sentido de favorecer a procura de ajuda, e abrangia
diferentes cenários/situações de adoecer mental (Loureiro
& Sousa, 2019).
Ainda na atualidade a mnemónica ANIPI
significa (Loureiro, 2014, p. 23):
A -
Aproximar-se da pessoa, observar e ajudar (incluindo situações de crise);
N - Não
julgar e escutar com atenção;
I - Informar
e apoiar;
P -
Procurar ajuda profissional especializada incentivando a pessoa a obtê-la;
I -
Incentivar o recurso a outros apoios.
Posteriormente a expressão veio a dar título
ao livro Primeira Ajuda em Saúde Mental de Loureiro (2014) cujo conteúdo comtempla as linhas orientadoras e
conteúdos do designado programa, em linha com o programa internacional MHFA® (Kitchener & Jorm, 2002).
Este trabalho, desenvolvido em torno do programa
e da plataforma web, teve como génese
o estudo acerca das representações sociais das doenças mentais e sua
importância para a promoção da saúde mental (Loureiro,
2008; Loureiro et al., 2008), surgindo
ancorado ao conceito de Literacia em Saúde Mental (LSM) (Jorm et al., 1997) e ao programa
MHFA® (Kitchener & Jorm,
2002).
Hodiernamente, o programa de PASM® contempla
uma estrutura modular cujos conteúdos se centram na educação e formação em
termos de todas as componentes da literacia em saúde mental (Jorm, 2019), destacando-se o ensino
da prestação de primeira ajuda interpares, apoio e suporte a alguém que esteja
a sofrer de um problema relacionado com a sua saúde mental, incluindo, na linha
do programa MHFA®, o ensino de primeiros socorros situações de crise em saúde
mental como são exemplo os ataques de pânico, ideação suicida, entre outras
situações.
Neste sentido a expressão PASM engloba, quer
o nome do programa no contexto português (PASM®), quer ainda a ação que
constitui um dos focos centrais do programa e que deriva da componente da LSM
designada de conhecimentos e competências para prestar primeira ajuda e
primeiros socorros aos outros Jorm,
2019). A ação de primeira ajuda compreende, entre outros aspetos, a
preparação da abordagem à pessoa, a aproximação e escolha do momento e local
adequados, a valorização dos sintomas e não expressão de julgamentos; a
expressão de preocupação e disponibilidade para ajudar com enfâse para as
atitudes comunicacionais, assim como o compromisso de ajuda (Loureiro, 2020).
Ainda que em termos de estrutura o programa
siga as linhas orientadoras do programa MHFA®, nomeadamente na conservação de
uma estrutura baseada em módulos e com carga horária total entre as nove e as
14 horas; no programa de PASM foram introduzidos conteúdos relativos a todas as
componentes da LSM, incluindo uma abordagem a outros problemas de saúde mental
(e.g., ansiedade às situações de exame/avaliação), o ensino de estratégias de
autoajuda que incluem por exemplo técnicas de relaxamento, assim como conteúdos
baseados na melhor evidência relativos à prevenção dos problemas de saúde
mental no quotidiano (e.g., alimentação, higiene do sono, exercício).
No contexto do ensino superior português, o
programa de PASM tem sido aplicado especificamente a estudantes de Enfermagem,
sendo alvo de diferentes avaliações de efetividade (Cunha,
2019; Loureiro & Costa, 2019; Loureiro & Freitas, 2020; Loureiro &
Sousa; 2019). A evidência produzida neste contexto, a exceção do estudo de
Loureiro e Sousa (2019) que reporta aos
resultados do estudo piloto, revelam que o programa contribui para o incremento
da LSM em termos de reconhecimentos dos problemas (depressão/ansiedade),
intenção de procura de ajuda em saúde mental e confiança para prestar primeira
ajuda. As medidas de tamanho efeito
utilizadas para comparar os resultados antes e depois das intervenções nos
estudos de Loureiro e Costa (2019), Cunha (2019) e Loureiro e Freitas (2020),
apontam para valores de moderados a elevados para todas as dimensões referidas.
É de salientar que todos os estudos seguem desenhos pré-experimentais com grupo
único, avaliação pré e pós intervenção, utilizando o QuALiSMental
(Loureiro, 2015) como instrumento de medida, sendo
estudadas amostras de estudantes de Enfermagem, com tamanhos que variam de n
= 36 (Cunha, 2019) a n = 219 (Loureiro & Freitas, 2020). No contexto
internacional os estudos realizados em ensino superior, especificadamente de
Enfermagem, são muito reduzidos, conforme referido por Loureiro e Freitas (2020).
Este estudo tem, assim, como objetivo avaliar
o contributo em termos de efetividade do programa de PASM na literacia em saúde
mental acerca da depressão, a partir de uma amostra de estudantes de Enfermagem
aquando do ingresso e integração no curso de licenciatura.
O presente estudo
teve natureza quantitativa, prosseguindo um desenho pré-experimental com grupo
único, avaliação pré e pós intervenção.
Hipótese de investigação
O programa de PASM®
contribui para o incremento da LSM dos estudantes do 1.º ano do curso de Enfermagem
nas componentes de reconhecimento da depressão, conhecimentos acerca da
prestação de primeira ajuda e redução das crenças e atitudes estigmatizantes
associadas.
Participantes
A amostra foi
constituída por 100 estudantes do primeiro ano do curso de Enfermagem, que
foram submetidos ao programa de PASM, sendo a maioria dos participantes do sexo
feminino (88,00%). A média das idades foi de 18,54 anos (DP = 2,00
anos), sendo a idade mínima observada de 17 anos e máxima de 30 anos.
O coeficiente de variação
foi de 10,8% o que mostra que o grupo era homogéneo em termos da variável
idade. A rácio de variação da variável sexo indicou um
valor de 0,12, sugestivo de baixa dispersão, valor que é aceitável face à
natureza do curso de enfermagem, maioritariamente frequentado por estudantes do
sexo feminino.
Instrumentos
Questionário de Avaliação da Literacia em
Saúde Mental (QuaLiSMental)
O QuaLiSMental (Loureiro, 2015),
na versão reduzida para a depressão, inclui as questões para a componente de
reconhecimento dos problemas e perturbações mentais de modo a promover e
facilitar a procura de ajuda e uma grelha de expressões utilizadas no
quotidiano na abordagem à pessoa que está em sofrimento ou a desenvolver um
problema de saúde mental. O QuALiSmental apresenta
validade de construto e bons índices de consistência interna tal como referido
no estudo psicométrico do instrumento (Loureiro, 2015).
O questionário é
precedido por uma vinheta que relata um caso de depressão, de acordo com os
critérios de diagnóstico da DSM-5 (Associação Americana
de Psiquiatria, 2014), tal como se apresenta de seguida:
A Sofia é uma jovem
de 18 anos que se tem sentido invulgarmente triste durante as últimas semanas.
Sente-se sempre cansada e tem problemas para adormecer e manter o sono. Perdeu
o apetite e ultimamente tem vindo a perder peso. Tem dificuldade em
concentrar-se no estudo e as suas notas desceram. Mesmo as tarefas do dia-a-dia
lhe parecem muito difíceis, pelo que tem adiado algumas decisões. Os seus pais
e amigos estão muito preocupados com ela.
Inventário de Crenças acerca das Doenças
Mentais (ICDM)
A versão breve do
ICDM de Loureiro (2008) é constituída por 23 itens
em formato de resposta tipo Likert de 1 (discordo completamente) a 6 pontos
(concordo completamente) que se reportam às dimensões originais do instrumento,
nomeadamente incurabilidade, reconhecimento da doença, doença como causa de
estigma e descriminação, perigosidade, responsabilidade individual e doença
como condição médica. Os estudos em que esta versão foi aplicada apresentam
bons índices de consistência interna e uma estrutura fatorial em sintonia com a
derivação teórica e conceptual na qual assentou a sua construção (Loureiro, 2008).
Escala de Avaliação do Estigma Pessoal (EAEP)
A versão portuguesa
da EAEP (Loureiro & Abrantes, 2014) é
constituída por sete itens em formato de resposta Likert de 1 (discordo
completamente) a 5 (concordo completamente) pontos. A resposta aos itens é
precedida pela vinheta já referida no QuALiSMental. A
escala foi submetida a uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC) revelando uma
estrutura com dois fatores, nomeadamente: fraco-não doente e
perigosidade-imprevisibilidade. Esta escala apresenta boa qualidade
psicométrica (Loureiro & Abrantes, 2014).
Procedimentos
O projeto de intervenção foi previamente
submetido à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde:
Enfermagem (UICISA:E) da Escola Superior de Enfermagem
de Coimbra (N.º: P603-06/2019), tendo obtido parecer positivo.
Foi também apresentada a proposta de
realização da intervenção à diretora da instituição, tendo sido obtido parecer
favorável e autorizada a sua aplicação, em consonância
com o Conselho Pedagógico da instituição que incluiu o programa nas atividades
da semana de integração ao curso.
Todos os estudantes foram contactados e
convidados pela coordenadora do primeiro ano do curso de licenciatura para
participar voluntariamente no programa. Aquando do contacto, foram-lhe
explicados os objetivos e natureza do programa, assim como todos os aspetos e
questões relativas à sua participação. Os que manifestaram o seu interesse em
participar foram divididos aleatoriamente por grupos e distribuídos
aleatoriamente pela equipa de formadores do programa, sendo todos os formadores
especialistas em saúde mental. Todos os participantes leram e assinaram o
consentimento informado.
A intervenção, com a duração de nove horas,
foi composta por quatro sessões, três de duas horas e uma de três horas, e
decorreu em setembro de 2019.
A colheita de dados foi efetuada antes da
intervenção e após a intervenção. Os conteúdos abordados no programa de PASM
incluíram todas as componentes da LSM, destacando-se os conceitos de saúde e
problemas de saúde mental (e perturbações mentais), reconhecimento de sinais e
valorização de sintomas associados à depressão, fatores de risco associados, e
especificamente as estratégias do plano de ação conducentes à intervenção em
termos de primeira ajuda em saúde mental. No caso das situações de crise e que
implicam primeiros socorros, foi dado enfase às situações que envolvem ideação
suicida e respetivo plano de ação.
Análise Estatística
A análise foi
efetuada com recurso ao programa IBM SPSS, versão 24. Foram calculadas as
medidas estatísticas resumo adequadas, incluindo as distribuições absolutas e
percentuais. Como testes de hipótese estatísticos, foram aplicados o teste de McNemar e o teste t
de Student para grupos emparelhados. As medidas de tamanho de efeito calculadas
foram respetivamente o g (teste de McNemar) e
o d (t de Student) de Cohen (1988). Para a interpretação dos resultados destas
medidas, utilizaram-se como valores referência: pequeno se 0,05 < g
< 0,15; médio se 0,15 ≤ g < 0,25 e grande se g
≥ 0,25. Em termos do d, foram considerados pequenos se 0,20 ≤ d
< 0,50; médios se 0,50 ≤ d < 0,80 e grandes se d ≥
0,80.
Nos casos da
aplicação do teste de McNemar, e dado tratarem-se de
tabelas de 2 X 2, foram ainda determinadas e adicionadas as tabelas de resultados
as percentagens correspondentes à concordância (CD), tenho como base o
somatório dos casos nas células A e D da diagonal principal da matriz,
divididas pelo tamanho da amostra em que CD = (A + D) / n.
No caso do ICDM e
da EAEP, optou-se por realizar a análise estatística item a item, no sentido
desta análise permitir escrutinar de forma mais abrangente os conteúdos e
principais mensagens vinculadas e abordados com o programa.
Relativamente à
componente de reconhecimento dos problemas e perturbações mentais de modo a
promover e facilitar a procura de ajuda (Tabela 1), observou-se com a formação,
um aumento com significado estatístico e tamanhos de efeito considerados
grandes nas percentagens com que foram assinalados os rótulos “depressão” (p < 0,001; g = 0,43), “doença mental” (2= 22,781; p < 0,001; g = 0,44).
Em sentido oposto,
constatou-se também uma diminuição, após a intervenção, nas percentagens com
que foram assinalados os rótulos “bulimia” (p
= 0,004; g = 0,50), “stresse” (2= 21,951; p < 0,001; g = 0,38), “esgotamento nervoso” (2 = 17,633; p < 0,001; g = 0,40), “problemas psicológicos/mentais/emocionais” (2 = 12,250; p < 0,001; g = 0,31) e “ansiedade” (2 = 12,595; p < 0,001; g = 0,29).
As percentagens de
concordância permitiram-nos verificar que as mudanças mais vincadas [usando
como medida o valor obtido de 1-CD, isto é, percentagens nas células que
indicam discordância (B e C)], ocorreram nos rótulos “stress”, “ansiedade”,
“problemas psicológicos/mentais/emocionais” e “doença mental”.
No que respeita à
valorização das expressões de uso corrente no quotidiano, perspetivando-as como
úteis ou prejudiciais, verificámos que previamente à intervenção, a utilização
e expressões como “és superior a isso, eu conheço-te bem!” (90,0%), “a seguir à
tempestade há sempre a bonança!” (86,0%), “estou preocupado contigo!” (66,0%),
“precisas colocar um sorriso nesses lábios!” (88,0%) ou então “tens que ser forte! Tu consegues... é tudo “força de vontade”
(79,0%), foram perspetivadas como úteis pela grande maioria dos participantes.
Em sentido oposto, as expressões “tens tudo, não tens motivo nenhum para
andares assim!”, “a forma como te tens comportado não é correta!” e “há tanta
gente com problemas piores que os teus!” foram vistas como prejudiciais para
dizer a alguém que está em sofrimento.
A comparação efetuada
antes e depois da intervenção revelou mudanças como significado estatístico em
84,0% dos itens. Contudo o incremento na perceção de utilidade apenas se
observou na frase “estou preocupado contigo!” (2 = 21,441; p < 0,001; g = 0,41), que passou de 66,0% para 94,0%. Nos restantes itens
diminuiu a perceção de utilidade das frases, sendo essas mudanças associadas a
tamanhos de efeito elevados, uma vez que todos os valores do g foram ≥ 0,25.
|
Tabela 1 Comparação das Distribuições Percentuais
dos Rótulos Referentes à Componente de Reconhecimento, Assinalados Antes e
Depois da Intervenção e Grelha de Frases. Inclui Teste De Mcnemar |
|
||||||
|
Itens |
Antes (%) |
Depois (%) |
CD |
2 |
p |
g |
|
|
1.Depressão |
82,0 |
95,0 |
0,85 |
(a) |
< 0,001 |
0,43 |
|
|
2. Esquizofrenia |
0,0 |
1,0 |
0,99 |
(a) |
0,500 |
— |
|
|
3 Psicose |
0,0 |
3,0 |
0,97 |
(a) |
0,125 |
— |
|
|
4 Doença mental |
11,0 |
39,0 |
0,68§ |
22,78 |
< 0,001 |
0,44 |
|
|
5 Bulimia |
9,0 |
1,0 |
0,92 |
(a) |
0,004 |
0,50 |
|
|
6. Stresse |
70,0 |
39,0 |
0,59§ |
21,95 |
< 0,001 |
0,38 |
|
|
7 Esgotamento nervoso |
38,0 |
14,0 |
0,70 |
17,63 |
< 0,001 |
0,40 |
|
|
8. Abuso substância |
2,0 |
1,0 |
0,97 |
(a) |
0,500 |
— |
|
|
9. Crise da idade |
6,0 |
1,0 |
0,93 |
(a) |
0,063 |
— |
|
|
10. Problemas psicológicos/mentais/emocionais |
62,0 |
40,0 |
0,64§ |
12,25 |
< 0,001 |
0,31 |
|
|
11. Anorexia |
12,0 |
8,0 |
0,84 |
(a) |
0,227 |
— |
|
|
12. Ansiedade |
66,0 |
42,0 |
0,58§ |
12,60 |
< 0,001 |
0,29 |
|
|
1. Todos temos dias assim, amanhã
vais sentir-te melhor! |
60,0 |
8,0 |
0,42§ |
44,85 |
< 0,001 |
0,45 |
|
|
2. A vida é injusta connosco, não
estás tão mal como pensas! |
6,0 |
1,0 |
0,93 |
(a) |
0,125 |
— |
|
|
3. Tens tudo, não tens motivo nenhum
para andares assim! |
5,0 |
0,0 |
0,95 |
(a) |
0,063 |
— |
|
|
4. És superior a isso, eu conheço-te
bem! |
90,0 |
37,0 |
0,43§ |
50,16 |
< 0,001 |
0,46 |
|
|
5. Tens que
aprender a lidar com os teus problemas! |
29,0 |
4,0 |
0,71 |
19,86 |
< 0,001 |
0,43 |
|
|
6. A forma como te tens comportado
não é correta! |
8,0 |
1,0 |
0,93 |
(a) |
0,016 |
0,50 |
|
|
7. É necessário andares com a vida
para a frente, a tua vida continua! |
64,0 |
12,0 |
0,46§ |
48,17 |
< 0,001 |
0,48 |
|
|
8. Também já passei por isso... já
estive no teu lugar! |
75,0 |
20,0 |
0,41§ |
49,42 |
< 0,001 |
0,47 |
|
|
9. Tenta
esquecer esses sentimentos, isso ainda é negativo e faz-te mal! |
57,0 |
14,0 |
0,47§ |
33,28 |
< 0,001 |
0,41 |
|
|
10. O
teu distanciamento vai-te fazer que as pessoas também se afastem! |
15,0 |
4,0 |
0,87 |
(a) |
0,003 |
0,42 |
|
|
11. Andas
triste, mas isso passa! Triste é que não se melhora, de certeza! |
21,0 |
3,0 |
0,78 |
(a) |
< 0,001 |
0,41 |
|
|
12. Preocupas-me, sabes? |
61,0 |
30,0 |
0,49§ |
17,65 |
< 0,001 |
0,30 |
|
|
13. A seguir à tempestade há sempre a
bonança! |
86,0 |
61,0 |
0,65 |
16,46 |
< 0,001 |
0,36 |
|
|
14. Não há mal que sempre dure! |
75,0 |
50,0 |
0,59§ |
14,05 |
< 0,001 |
0,30 |
|
|
15. Estou preocupado contigo! |
66,0 |
94,0 |
0,66 |
21,44 |
< 0,001 |
0,41 |
|
|
16. Não há rosas sem espinhos |
45,0 |
34,0 |
0,67 |
3,03 |
0,080 |
— |
|
|
17. Mete a tristeza para trás das
costas! |
60,0 |
7,0 |
0,45§ |
49,16 |
< 0,001 |
0,48 |
|
|
18. Há tanta gente com problemas
piores que os teus! |
5,0 |
0,0 |
0,95 |
(a) |
0,063 |
— |
|
|
19. Não tenhas pena de ti mesma(o)! |
28,0 |
5,0 |
0,75 |
(a) |
< 0,001 |
0,36 |
|
|
20. Se saíres de casa vais sentir-te
logo melhor! |
73,0 |
32,0 |
0,47§ |
30,19 |
< 0,001 |
0,39 |
|
|
21. Precisas colocar um sorriso
nesses lábios! |
88,0 |
40,0 |
0,50 |
44,18 |
< 0,001 |
0,48 |
|
|
22. Tens que
ser forte! Tu consegues... é tudo “força de vontade”! |
79,0 |
24,0 |
0,41§ |
52,16 |
< 0,001 |
0,47 |
|
|
23. Tens que
reagir... assim não melhoras! |
54,0 |
16,0 |
0,58§ |
32,60 |
< 0,001 |
0,45 |
|
|
24. Procura manter-te ocupada para
que não penses! |
74,0 |
38,0 |
0,56§ |
27,84 |
< 0,001 |
0,41 |
|
|
25. Passa à frente! |
33,0 |
5,0 |
0,68 |
22,78 |
< 0,001 |
0,44 |
|
|
Nota.
g = medida de tamanho de efeito de Hedges; CD = percentagem das células
concordantes da matriz, antes e depois, corresponde a (A + D) / N; 2 = Qui-quadrado do teste de McNemar. (a) Teste utilizando distribuição binomial. § Maiores mudanças observadas antes e
depois. |
|
Relativamente às crenças
e atitudes acerca das doenças e doentes mentais, a análise efetuada aos itens
do ICDM, antes e depois da intervenção (Tabela 2), permitiram verificar
mudanças com significado estatístico em 70,0% dos itens do inventário.
Como se pode
observar a partir das médias obtidas (antes e depois), a concordância diminuiu
nos itens “as doenças mentais são cíclicas (voltam de tempos a tempos)” (t = 1,80; p = 0,004; d = 0,18), “se
as pessoas tiverem cuidado com elas próprias, podem evitar as doenças mentais”
(t = 4,69; p < 0,001; d = 0,47),
“as doenças mentais das pessoas resultam da falta de cuidados” (t = 3,78; p < 0,001; d = 0,40),
“o comportamento de uma pessoa com doença mental é imprevisível” (t = 4,22; p < 0,001; d = 0,42),
“As doenças mentais requerem mais tempo para serem curadas do que as outras
doenças” (t = 1,77; p < 0,001; d = 0,18), “a pessoa com doença mental é mais propensa a tornar-se
criminosa” (t = 5,27; p < 0,001; d = 0,53), “se vier a sofrer de uma doença mental é porque não tive
o cuidado que devia ter” (t = 3,55; p < 0,001; d = 0,36), “os doentes mentais têm tendência a serem perigosos” (t = 5,39; p < 0,001; d = 0,54);
“tomar medicamentos ao longo da vida para as doenças mentais torna (…)
dependentes….” (t = 2,27; p = 0,007; d = 0,23), “os indivíduos que são diagnosticados como doentes
mentais, terão os sintomas …” (t = 2,52; p = 0,007; d = 0,25).
Nos itens
referidos, as medidas de tamanho de efeito variaram de d = 0,18 a d = 0,54,
sendo que apenas em dois itens foram elevados (“a pessoa com doença mental é
mais propensa a tornar-se criminosa” e “os doentes mentais têm tendência a
serem perigosos”), sendo pequenos nos restantes.
Os itens das
crenças em que se observou um acréscimo na concordância e cuja mudança se
revestiu de significado estatístico foram “as pessoas com doença mental estão
aptas para viver nas suas comunidades…” (t
= -2,94; p = 0,002; d = 0,29); “os atrasos nos tratamentos pioram o sucesso de cura das
doenças mentais” (t = -1,89; p = 0,030; d = 0,18); “o
tratamento inicial das doenças mentais requer o uso de medicamentos” (t = -3,23; p = 0,001; d = 0,32);
“posso vir a sofrer de uma doença mental independentemente do que fizer ou não
para isso” (t = -5,22; p = ,000; d = 0,52); “a reabilitação é eficaz no melhoramento das doenças
mentais” (t = -2,52; p = ,007; d = 0,20); “a medicação é eficaz na melhoria dos sintomas na doença
mental” (t = -2,79; p = ,003; d = 0,28). Neste caso, exceção para o item “posso vir a sofrer de uma
doença mental independentemente do que fizer ou não para isso”, em que se
observou um tamanho de efeito elevado (d
= 0,52), todos os outros indicaram tamanhos de efeito considerados
pequenos.
Relativamente aos
itens do estigma pessoal, verificámos que apesar da redução das médias em todos
os itens serem estatisticamente significativas, os itens cujas mudanças foram
maiores foram, “se a Sofia quisesse poderia sair desta situação por si” (t = 7,87; p < 0,001; d = 0,79) e
“a situação da Sofia é um sinal de fraqueza pessoal” (t = 5,44; p < 0,001; d = 0,54).
|
Tabela 2 Estatísticas Resumo e Comparações
Antes e Depois da Intervenção para os Itens do ICDM e EAEP (PASM) (N = 100) |
|
|||||
|
Itens do ICDM (a) |
Antes M (DP) |
Depois M (DP) |
t |
p |
d |
|
|
1. As doenças mentais são cíclicas
(voltam de tempos a tempos) |
3,55 (1,13) |
3,31 (1,41) |
1,80 |
0,004 |
0,18 |
|
|
2. Se as pessoas tiverem cuidado com
elas próprias, podem evitar as doenças mentais |
3,13 (1,33) |
2,53 (1,42) |
4,69 |
< 0,001 |
0,47 |
|
|
3. As pessoas com doença mental estão
aptas para viver nas suas comunidades… |
5,13 (1,14) |
5,47 (0,82) |
-2,94 |
0,002 |
0,29 |
|
|
4. As doenças mentais das pessoas
resultam da falta de cuidados |
2,47 (1,19) |
2,06 (1,19) |
3,78 |
< 0,001 |
0,40 |
|
|
5. Os atrasos nos tratamentos pioram
o sucesso de cura das doenças mentais |
4,86 (1,21) |
5,10 (1,07) |
-1,89 |
0,030 |
0,18 |
|
|
6. O tratamento inicial das doenças
mentais requer o uso de medicamentos |
2,83 (1,26) |
3,35 (1,63) |
-3,23 |
0,001 |
0,32 |
|
|
7. Os mal entendidos
sobre as doenças mentais fazem com que seja difícil … |
5,08 (1,08) |
5,16(1,18) |
-0,82 |
0,200 |
0,08 |
|
|
8. Uma pessoa com doença mental deve
ter um emprego que exija pouca responsabilidade |
2,53 (1,10) |
2,57 (1,33) |
-0,28 |
0,389 |
0,03 |
|
|
9. A doença mental é uma doença da
cabeça |
3,13 (1,50) |
2,96 (1,62) |
1,05 |
0,150 |
0,10 |
|
|
10. O comportamento de uma pessoa com
doença mental é imprevisível |
4,00 (0,94) |
3,43 (1,48) |
4,22 |
< 0,001 |
0,42 |
|
|
11. As doenças mentais requerem mais
tempo para serem curadas do que as outras doenças |
4,17 (1,15) |
3,93 (1,47) |
1,77 |
0,004 |
0,18 |
|
|
12. Posso vir a sofrer de uma doença mental
independentemente do que fizer ou não … |
4,42 (1,04) |
5,00 (1,14) |
-5,22 |
< 0,001 |
0,52 |
|
|
13. A reabilitação é eficaz no
melhoramento das doenças mentais |
4,54 (1,03) |
4,76 (1,21) |
-2,52 |
0,007 |
0,20 |
|
|
14. As pessoas que já receberam
tratamento para a doença mental uma … |
3,64 (1,15) |
3,43 (1,35) |
1,55 |
0,075 |
0,16 |
|
|
15. Deve ser difícil para as pessoas
com doença mental seguir regras sociais … |
2,68 (1,20) |
2,91 (1,63) |
-1,48 |
0,070 |
0,15 |
|
|
16. A medicação é eficaz na melhoria
dos sintomas na doença mental |
4,06 (1,20) |
4,45 (1,42) |
-2,79 |
0,003 |
0,28 |
|
|
17. A pessoa com doença mental é mais
propensa a tornar-se criminosa |
2,31 (1,04) |
1,68 (0,85) |
5,27 |
< 0,001 |
0,53 |
|
|
18. Se vier a sofrer de uma doença
mental é porque não tive o cuidado que devia ter |
2,03 (1,11) |
1,65 (1,03) |
3,55 |
< 0,001 |
0,36 |
|
|
19. Os doentes mentais têm tendência
a serem perigosos |
2,62 (1,00) |
1,96 (1,07) |
5,39 |
< 0,001 |
0,54 |
|
|
20. Tomar
medicamentos ao longo da vida para as doenças mentais torna (…) dependentes … |
4,14 (1,16) |
3,84 (1,56) |
2,27 |
0,007 |
0,23 |
|
|
21. As pessoas com doença mental têm
pouca capacidade para viver sozinhas … |
2,89 (1,08) |
2,69 (1,46) |
1,53 |
0,065 |
0,15 |
|
|
22. Os indivíduos que são
diagnosticados como doentes mentais, terão os sintomas … |
2,70 (1,18) |
2,37 (1,42) |
2,52 |
0,007 |
0,25 |
|
|
23. Se
os doentes mentais viverem no ambiente familiar e comunitário, isso tem
influência … |
5,35 (0,76) |
5,48 (0,96) |
-1,17 |
0,124 |
0,12 |
|
|
Itens da EAEP(b) |
|
|
|
|
|
|
|
1. Se a Sofia quisesse poderia sair
desta situação por si. |
2,63 (0,91) |
1,85 (0,99) |
7,87 |
< 0,001 |
0,79 |
|
|
2. A situação da Sofia é um sinal de
fraqueza pessoal. |
2,05 (1,09) |
1,57 (1,04) |
5,44 |
< 0,001 |
0,54 |
|
|
3. Esta situação não é uma doença
verdadeira. |
1,78 (1,13) |
1,33 (0,88) |
3,70 |
< 0,001 |
0,37 |
|
|
4. A Sofia é perigosa para os outros. |
1,55 (0,76) |
1,40 (0,77) |
1,99 |
0,049 |
0,17 |
|
|
5. A melhor forma de evitar
desenvolver uma situação como a da Sofia é afastar-me dela. |
1,34 (0,79) |
1,08 (0,31) |
3,11 |
0,002 |
0,31 |
|
|
6. A situação da Sofia torna-a uma
pessoa imprevisível. |
2,93 (1,11) |
2,55 (1,33) |
3,20 |
0,002 |
0,32 |
|
|
7. Nunca contaria a ninguém se
tivesse na situação da Sofia. |
2,13 (1,05) |
1,70 (0,86) |
4,60 |
< 0,001 |
0,46 |
|
|
Nota. ICDM
= Inventário de Crenças acerca das Doenças
Mentais; EAEP = Escala de Avaliação do Estigma Pessoal; PASM = Primeira Ajuda em Saúde
Mental; (a) formato de resposta de 1 (Discordo completamente) a 6
(Concordo Completamente) pontos; (b) formato de resposta de 1 (Discordo
completamente) a 5 (Concordo Completamente) pontos; DP = desvio-padrão; d = medida
de tamanho de efeito de Cohen. |
|
Iniciamos a discussão pela referência às principais limitações e
fragilidades deste tudo, sobretudo decorrentes do desenho do estudo utilizado
(grupo único e avaliação pré e pós-intervenção). É de destacar a não existência
de um grupo de controlo, o que constitui uma ameaça à validade, dado que não
existe um termo de
comparação que permita avaliar o efeito do programa comparativamente a outro
tipo de intervenção concorrente, ou à ausência de uma intervenção. Ainda que o
desenho comporte uma avaliação pré e pós intervenção, julgamos que a não
existência de follow-up, é também ela uma limitação que não nos permite
avaliar a estabilidade do conhecimento adquirido pelos jovens estudantes ao
longo do tempo e neste sentido maximizar a análise da efetividade da intervenção.
É de salientar que os objetivos do programa são voltados para a ação em
prol da saúde mental do indivíduo e daqueles que o rodeiam e neste sentido não
se centram apenas no aumento do conhecimento e diminuição das crenças e
atitudes estigmatizantes, mas pretende capacitar os participantes para agirem
como prestadores de primeira ajuda em saúde mental, treinando por exemplo o
algoritmo de ação com recurso a role-play e a análises e discussão de
casos no sentido de promover a ajuda e incentivar a procura de ajuda em saúde
mental. Salienta-se também que o programa não ensina ou serve para fazer
diagnósticos em saúde mental, deixando claro nos conteúdos que as questões
diagnósticas estão associadas a profissionais de saúde com formação especifica
para esse efeito (e.g., psiquiatra) (Loureiro, 2014).
No que respeita aos resultados obtidos na componente de reconhecimento
dos problemas (e perturbações mentais) de modo a promover e facilitar a procura
de ajuda, os resultados são globalmente positivos, o que pode constatar-se pelo
perfil das mudanças nas frequências com que os rótulos são assinalados. Essas
mudanças, seja pelo aumento ou pela redução, configuram o reconhecimento dos
sinais e valorização dos sintomas, e indiciam a capacidade dos jovens em
problematizar a situação descrita na vinheta, atribuindo-lhe um significado
através do uso de um rótulo adequado (Loureiro, 2014). Neste sentido, é positivo verificar o
incremento nos rótulos “depressão” e “doença mental”, e o decréscimo no
assinalar dos rótulos “bulimia”, stress”, “ansiedade”, “problemas
psicológicos/mentais/emocionais” e “esgotamento nervoso”. Como se referiu, a
intenção não é apelar em qualquer momento ao diagnóstico em saúde mental, mas,
a partir de uma problematização adequada, potenciar a prestação de primeira
ajuda.
Estes resultados estão consonância com os encontrados noutros estudos
realizados no contexto Português (Cunha, 2019; Loureiro & Costa, 2019; Loureiro & Freitas, 2020; Loureiro
& Sousa, 2019) e mesmo
internacionais (Bond et al., 2015;
Burns et
al., 2017), em que se
observa um incremento dos rótulos ajustados para a descrição da situação
evocada (depressão) e uma diminuição naqueles que não configuram nem se ajustam
à situação.
No que respeita às frases que são comumente utilizadas como forma de
expressar preocupação, apoio e suporte à pessoa em situação de sofrimento
psicológico (associado à depressão), podemos verificar que no cômputo geral as
mudanças observadas também elas são positivas, em especial o incremento
observado na adequação do uso da expressão “Estou preocupado contigo!” (Loureiro, 2014).
Em simultâneo observa-se uma diminuição da perceção de utilidade de
frases que indiciam ou podem ser entendidas como uma forma de desvalorização ou
mesmo acusação e consequente julgamento do que a pessoa está a sentir, podendo
levar a pessoa a afastar-se e a recursar a ajuda. São exemplos, “és superior a
isso, eu conheço-te bem!”, “também já passei por isso... já estive no teu
lugar!”, “precisas colocar um sorriso nesses lábios!” e “tens que ser forte! Tu consegues... é tudo “força de vontade”.
Tal como expressado por Bond et al. (2019), estas expressões e outras (e.g., “mete a tristeza para trás das
costas!”, “se saíres de casa vais sentir-te logo melhor!” ou “passa à
frente!”), não se ajustam ao contexto, pois não expressam suporte e apoio; não
configuram respeito pelo que a pessoa está a sentir; nem são formas de exprimir
apoio emocional consistente e, por isso, não encorajam a pessoa a expressar os
seus sentimentos e a procurar ajuda em saúde mental (Loureiro et al., 2014).
Estes resultados podem ser entendidos no contexto dos conteúdos que são
privilegiados na intervenção, sobretudo em termos do ensino, treino e domínio
do plano de ação para primeira ajuda em saúde mental, com destaque para as duas
primeiras ações do plano ANIPI (“Aproximar-se da pessoa, observar e ajudar” e
“Não julgar e escutar com atenção”. A abordagem feita aos princípios de
comunicação eficaz para escutar sem fazer juízos de valor, prestando especial
atenção às atitudes (princípios de aceitação, honestidade e empatia) e o que
elas transmitem, assim como as habilidades da comunicação (verbais e não
verbais) (Loureiro,
2014) justificam em parte o
decréscimo observado no sentido de utilidade destas expressões no quotidiano.
No que concerne às crenças e atitudes estigmatizantes acerca das
doenças mentais, incluindo os resultados observados nos itens das duas escalas
(ICDM e EAEP), podemos verificar que ambos são positivos e mostram que o
programa de PASM pode ser utilizado como medida para combater as crenças e
atitudes estigmatizantes associadas às doenças e doentes mentais. Por um lado,
contribui para uma redução substancial nas médias dos itens que consubstanciam
uma visão estigmatizante e estereotipada das doenças, sendo mais vincada para o
caso da perigosidade (“a pessoa com doença mental é mais propensa a tornar-se
criminosa”, “os doentes mentais têm tendência a serem perigosos”),
imprevisibilidade (“o comportamento de uma pessoa com doença mental é imprevisível”)
e a doença como sinal de fraqueza pessoal (“a situação da Sofia é um sinal de
fraqueza pessoal”).
Os três estereótipos referidos são os que surgem com expressão mais
vincados na literatura (Loureiro, 2008; Loureiro
et al., 2008), sendo também
referidos como entraves à procura de ajuda em saúde mental. Estes resultados
estão em consonância com as análises efetuadas em revisões sistemáticas com
meta-análise acerca do efeito do programa no estigma social associados as
doenças e doentes mentais (Morgan et al., 2018).
Observa-se também um aumento substancial nas médias dos itens que
configuram uma visão realista das doenças, assente por exemplo na reabilitação
psicossocial como intervenção conducente à melhoria da situação de saúde das
pessoas com doenças mentais diagnosticadas, os psicofármacos como coadjuvante
nos tratamentos e, não menos importante, a responsabilidade individual pela
manutenção da saúde mental, no sentido de apelar para estilos de vida
saudáveis.
Estes resultados, em linha com outros estudos em que é aplicada a mesma
intervenção (Loureiro & Costa, 2019; Loureiro
& Freitas, 2020) mostram
resultados comparativamente mais positivos na mudança do estigma pessoal,
quando comparados com intervenções em que é privilegiado, por exemplo, o
contacto com pessoas com doença mental diagnosticada no âmbito dos ensinos
clínicos dos estudantes de Enfermagem (Gil et al., 2016).
Alguns itens das crenças apresentam resultados opostos ao que seria o
expectável com a frequência do programa, nomeadamente nos itens, “se as pessoas
tiverem cuidado com elas próprias, podem evitar as doenças mentais” e “posso
vir a sofrer de uma doença mental independentemente do que fizer ou não para
isso”. Estes resultados, podem dever-se ao entendimento que os participantes fazem
de algumas mensagens veiculadas no programa, nomeadamente a “universalidade e
democratização” dos problemas e perturbações mentais como uma realidade que
pode afetar qualquer um em qualquer momento das suas vidas (Loureiro, 2008).
Em termos globais com a intervenção podemos verificar um outro dado e
que decorre do próprio conceito de literacia em saúde mental, nomeadamente
porque envolve a constelação de crenças e conhecimentos acerca dos problemas e
perturbações mentais que ajudam no seu reconhecimento, gestão e prevenção (Jorm, 2019). Se
observarmos os resultados das medidas de tamanho de efeito calculadas no
computo das componentes sob estudo, podemos verificar que os valores são mais elevados
nas componentes relativas aos conhecimentos, comparativamente às crenças e
atitudes, ainda que em ambos os casos com significado estatístico. Este dado
está em consonância com aquele que é o reportório teórico e empírico que aponta
para a dificuldade em mudar crenças enraizadas social e culturalmente, e
inclusive comportamentos relacionados com a saúde mental (Loureiro et al., 2008).
Conclusão
Os resultados deste estudo permitem concluir que programa de PASM é uma
ferramenta psicoeducacional que pode ser utilizada
como medida conducente ao incremento da LSM acerca da depressão. Promove o
conhecimento em saúde mental ao nível do reconhecimento e valorização dos
problemas e perturbações mentais e capacita os estudantes para a prestação de
primeira ajuda em saúde mental interpares, sendo por isso voltada para a ação
em prol da saúde mental. Simultaneamente permite reduzir as crenças e atitudes
estigmatizantes e deste pode potenciar a procura de ajuda em saúde mental. O
plano de ação (ANIPI), especificamente nas estratégias de “Aproximar-se da
pessoa, observar e ajudar” e “Não julgar e escutar com atenção” são momentos
fundamentais na prestação de primeira ajuda e apoio. A utilização de expressões
adequadas e baseadas em atitudes comunicacionais eficazes são peças
fundamentais que favorecem a procura de uma solução para os problemas e a
recuperação da boa saúde mental. Neste sentido o programa promove a
consciencialização de que a procura de ajuda em saúde mental é uma resposta
adequada e possível nas situações que envolvem sofrimento e consequente adoecer
mental.
Associação Americana de Psiquiatria. (2014). DSM-5: Manual de diagnóstico
e estatística das perturbações (5ª ed.). Artmed Editora.
Bond, K. S., Jorm, A. F., Kitchener, B. A., & Reavley,
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3, Artigo 11. http://doi: 10.1186/ s40359-015-0069-0
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