2015, Vol. 1(2): 15-30

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Reabilitação Neuropsicológica Grupal de idosos institucionalizados com Défice Cognitivo sem Demência

 

Artigo Original   

 

Giseli Fabiana Silva i, Helena Espírito Santo i , Marina Fernandes Costa i, Diana Catarina Marques Cardoso i, Filomena Vicente i, Sónia do Carmo Martins i, Laura Lemos i

 

https://doi.org/ 10.7342/ismt.rpics.2015.1.2.21

 

Recebido 19 abril 2014

Aceite 15 julho 2014

 

 

ÍNDICE

RESUMO

INTRODUÇÃO

MÉTODOS

RESULTADOS

DISCUSSÃO

REFERÊNCIAS

 

TOP

RESUMO

Contexto: O envelhecimento caracteriza-se frequentemente por alterações cognitivas que, por vezes, excedem o esperado para o envelhecimento normal. Estas alterações que não reúnem critérios de demência constituem o Défice Cognitivo sem Demência (DCSD) que, independente da etiologia, apresenta alta taxa de conversão para a demência.

Objetivos: Investigar o efeito de um Programa de Reabilitação Neuropsicológica Grupal (PRNG) no funcionamento cognitivo, executivo e emocional de idosos institucionalizados com DCSD.

Métodos: A amostra incluiu 24 idosos institucionalizados com DCSD, com idades entre os 67 e 92 anos. Doze idosos foram submetidos ao PRNG e doze idosos ficaram em lista de espera. O estudo teve um desenho quasi-experimental e cego na reavaliação. O PRNG decorreu em 10 sessões de 90 minutos cada, uma vez por semana. Avaliou-se pré e pós-intervenção através da Avaliação Cognitiva de Montreal, da Avaliação Breve do Estado Mental, da Bateria de Avaliação Frontal, da Escala da Depressão Geriátrica e da Escala da Solidão.

Resultados: As ANCOVAs mostraram um efeito relevante do PRNG na melhoria do funcionamento executivo (ƞ2 = 0,26) e dos sentimentos de solidão (ƞ2 = 0,77), ambos com diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) na comparação entre o antes e depois da implementação do PRNG. No funcionamento cognitivo e na sintomatologia depressiva foi manifesto o agravamento no grupo de comparação (p < 0,05), sugerindo que o PRNG impede esse agravamento, mas a ANCOVA só foi significativa para o funcionamento cognitivo (ɳ2 = 0,26).

Conclusões: O PRNG aplicado em idosos institucionalizados com DCSD oferece resultados promissores e evidencia eficácia na melhoria do funcionamento executivo e dos sentimentos de solidão. Impõe-se a replicação em amostras maiores e mais diversificadas e o estudo da generalização e manutenção dos resultados a longo prazo.

 

Palavras chave: Défice Cognitivo sem Demência; Reabilitação Neuropsicológica Grupal; Depressão; Solidão.

 

TOP

INTRODUÇÃO

 

O envelhecimento envolve, frequentemente, alterações em habilidades cognitivas e executivas específicas e declínio no desempenho motor (Brown, Robertson, & Press, 2009; Krampe, 2002; Parikh, Troyer, Maione, & Murphy, 2015; Pettigrew & Martin, 2014; Silver, Goodman, Gur, Gur, & Bilker, 2011) relacionados com mudanças em estruturas e volume cerebrais (Fama & Sullivan, 2015; Fjell & Walhovd, 2010; Ribeiro et al., 2013; Smith & Rush, 2006; Walhovd et al., 2005). No entanto, por vezes ocorrem mudanças cognitivas e executivas superiores ao esperado para a idade e que constituem uma fase transacional entre o envelhecimento normal e a demência. Essas mudanças acompanham-se de alterações no funcionamento psicológico e funcional, assim como na qualidade de vida (Albert et al., 2011; Gold, 2012; Gure, Langa, Fisher, Piette, & Plassman, 2013; Jekel et al., 2015; Lezak, Howieson, & Loring, 2004; Peters et al., 2013; Teng, Tassniyom, & Lu, 2012; Van der Linde et al., 2010; Winblad, Palmer, & Kivipelto, 2004). Para essas mudanças concorrem fatores vários, incluindo solidão (Buchman et al., 2010), idade avançada e pertença ao sexo feminino (Stein et al., 2012), baixa escolaridade (Fritsch, McClendon, Smyth, & Ogrocki, 2002; Stein et al., 2012), profissão prévia (Fritsch et al., 2002), sintomas depressivos e a depressão (Ganguli, Du, Dodge, Ratcliff, & Chang, 2006; Naismith, Longley, Scott, & Hickie, 2007), doenças neurológicas várias (Lopez, 2013; Poletti et al., 2013; Pustokhanova & Morozova, 2013), surdez (Lin et al., 2013) e doença cardíaca e/ou vascular (Roberts et al., 2013).

Alguns autores designam estas alterações patológicas por défice cognitivo leve (Lopez, 2013; Petersen et al., 2014; Reisberg et al., 1988), outros por défice cognitivo sem demência (Chertkow et al., 2007, 2008; Graham et al., 1997; Tuokko & Frerichs, 2000; Tuokko et al., 2003).

O conceito de défice cognitivo sem demência (DCSD) descreve o funcionamento cognitivo e executivo abaixo do normal para a idade e escolaridade, sem reunir os critérios de demência (Graham et al., 1997; Tuokko & Frerichs, 2000). Trata-se de um conceito abrangente, heterogéneo e unificador, sendo independente da etiologia subjacente (Smith & Rush, 2006). É uma condição de especial interesse por incluir pessoas em risco de desenvolver demência (Fei, Qu, Wang, Yin, Bai, & Ding, 2009; Peters et al., 2013; Tuokko & Frerichs, 2000; Tuokko et al., 2003). Alguns estudos têm mostrado que, independentemente das subcategorias diagnósticas subjacentes ao défice, as taxas de conversão do DCSD para a demência são altas (Lindsay, Sykes, McDowell, Verreault, & Laurin, 2004; Plassman et al., 2008; Tuokko & Frerichs, 2000; Tuokko et al., 2003).

O envelhecimento cognitivo patológico, independentemente da etiologia, pode ser prevenido, ou estabilizado (Abrisqueta-Gomes et al., 2004; Clare & Woods, 2001; Fratiglioni, Paillard-Borg, & Winblad, 2004; Hertzog, Kramer, & Wilson, 2008; Scarmeas, Levy, Tang, Manly, & Stern, 2001; Wilson et al., 2002). A possibilidade de prevenir ou estabilizar envelhecimento cognitivo patológico deve-se à plasticidade cerebral que consiste no processo constante de renovação sináptica que otimiza o funcionamento das redes cerebrais (Duffau, 2006) e que pode ser induzida pelo treino e aprendizagem (Boyke, Driemeyer, Gaser, Buchel, & May, 2008) ou envolvimento consistente e continuado em atividades de estimulação cognitiva (Churchill et al., 2002; Krampe & Ericsson, 1996; Lövdén, Bäckman, Lindenberger, Schaefer, & Schmiedek, 2010; Noack, Lövdén, Schmiedek, & Lindenberger, 2009). Existe também um corpo considerável de literatura que documenta os efeitos relevantes e duradouros de programas de reabilitação ou treino no funcionamento cognitivo de idosos, mesmo em idades avançadas (citando somente as mais recentes: Ball et al., 2002; Baltes & Willis, 1982; Baltes & Smith, 2003; Calero & Navarro, 2007; Dahlin, Nyberg, Bäckman, & Neely, 2008; Fried et al., 2004; Gaitán et al., 2013; Noice & Noice, 2008; Noice, Noice, & Staines, 2004; Sutter, Zöllig, & Martin, 2013; Thompson & Foth, 2005; Unverzagt et al., 2007; Tranter & Koutstaal, 2008; Vance et al., 2007; Winocur et al., 2007; Zöllig, Mattli, Sutter, Aurelio, & Martin, 2012).

A reabilitação apresentada na literatura científica, não só é designada de forma diferente, mas é também entendida de forma diferente, pelo que é relevante distinguir conceptualmente entre as três designações mais comuns: intervenção ou reabilitação neuropsicológica, reabilitação cognitiva e treino cognitivo (Jean, Bergeron, Thivierge, & Simard, 2010).

A reabilitação neuropsicológica dirige-se aos aspetos cognitivos, emocionais, comportamentais e psicossociais que decorrem da lesão cerebral, incluindo entre as suas atividades, a psicoterapia, educação, estabelecimento de aliança de trabalho com o paciente e sua família, técnicas de estabelecimento de objetivos e reabilitação cognitiva (Clare & Woods, 2003; Christensen & Uzzell, 2000; Conrad, Doering, Rife, & Exner, 2010; Prigatano, 1997; Rajeswaran, 2013; Wilson, 2008; Wilson, Gracey, Evans, Bateman, 2009; Winocur et al., 2007). A reabilitação neuropsicológica pressupõe uma bem fundada avaliação neuropsicológica que inclua medidas de avaliação cognitiva, emocional, comportamental, do funcionamento social e qualidade de vida (Rajeswaran, 2013). Nesta avaliação, é essencial incluir medidas de rastreio de défice executivo (Kahokehr, Siegert, & Weatherall, 2004).

A reabilitação cognitiva dirige-se a pessoas com défice cognitivo no sentido de melhorar e compensar as funções cognitivas através de atividades de estimulação que podem ser realizadas em contexto social e grupal (Bernhardt et al., 2002; Clare et al., 2010). Nas abordagens mais recentes, a reabilitação cognitiva tem sido cada vez perspetivada de forma holística (Sohlberg & Mateer, 2001), confundindo-se com a reabilitação neuropsicológica.

Por sua vez, o treino cognitivo consiste na prática dirigida de um conjunto de tarefas que requerem o uso de função/ões cognitiva/s específica/s através técnicas específicas, esperando-se que tenha impacto cerebral e que a melhoria cognitiva se generalize a outros níveis de funcionamento (Ball et al., 2002; Baltes & Willis, 1982; Calero & Navarro, 2007; Clare & Woods, 2003; Dahlin et al., 2008; Gaitán et al., 2013; Jean et al., 2010; Sutter et al., 2013; Thompson & Foth, 2005; Unverzagt et al., 2007). Como se pode notar pelo diferente número de artigos citados, o treino cognitivo está entre as modalidades mais usadas na população geriátrica saudável (Jean et al., 2010).

A reabilitação neuropsicológica pode englobar então a reabilitação cognitiva e o treino cognitivo, o que alarga o seu âmbito, proporcionando não só a melhoria das funções cognitivas, mas também do bem-estar psicológico, de competências em atividades da vida diária e do relacionamento interpessoal (Clare & Woods, 2001; Kitwood, 1997) e do envolvimento ativo na própria reabilitação (Prigatano, 1997).

A reabilitação neuropsicológica pode incluir ainda, no domínio terapêutico, a terapia de orientação para a realidade e a terapia por reminiscências. A terapia de orientação para a realidade consiste em técnicas simples para auxiliar a identificar o tempo e o espaço, promovendo a orientação e evitando o declínio (Prolo, Fanto, Santoro, & Tisci, 2004). Já a terapia por reminiscências visa a revivenciação de acontecimentos agradáveis para estimular a memória e outros domínios cognitivos, fomentar sentimentos de mestria, prevenir a sintomatologia depressiva e aumentar a socialização (Bohlmeijer et al., 2005).

As pessoas com DCSD podem funcionar independente na vida quotidiana, mas deparam-se com várias dificuldades devidas às mudanças cognitivas. Essas dificuldades são fonte de stresse, sintomas depressivos e menos satisfação com a vida (Potvin, Hudon, Grenier, & Préville, 2010; St John & Montgomery, 2010). Assim, as intervenções de cariz neuropsicológico que se dirigem a estes aspetos ganham importância acrescida (Liesbeth et al., 2011).

Desta forma, perante o impacto do défice cognitivo e a importância da sua reabilitação na prevenção da demência, é nosso objetivo: verificar o efeito de um Programa de Reabilitação Neuropsicológica Grupal (PRNG), que engloba elementos da reabilitação cognitiva, treino cognitivo, terapia de orientação para a realidade e terapia por reminiscências, no funcionamento cognitivo, executivo e emocional de idosos institucionalizados.

TOP

MÉTODOS

Delineamento da Investigação

Esta investigação consistiu num estudo quasi-experimental e cego na reavaliação, incluído no Projeto Trajetórias do Envelhecimento (PTE) do Instituto Superior Miguel Torga que se iniciou em 2010, no concelho de Coimbra, com o objetivo de realizar um rastreio cognitivo e emocional dos idosos institucionalizados, tendo em 2013 um total de 926 idosos avaliados.

Através do G*Power 3.1, estimou-se que o tamanho da amostra de 12 em cada grupo permitiria obter um poder de 80% (α = 0,05), dado o tamanho do efeito indicado pela revisão de Olazarán e colaboradores (2010) para estudos de reabilitação randomizados em que o resultado avaliado foi a cognição (d = 0,44; IC 100% = 0,20-0,69; Q = 4,09, p = 0,537).

Considerou-se como adesão ao programa (compliant) a participação em pelo menos sete sessões.

Participantes

Por motivos logísticos, selecionou-se a instituição IBSC que dá resposta social a idosos da freguesia de Santa Cruz de Coimbra para a implementação do PRNG.

Os critérios de seleção dos participantes foram: ter DCSD (pontuações no MoCA entre 8 e 20 pontos), mais de 65 anos, com alguma capacidade de comunicação expressiva e compreensiva (avaliada subjetivamente), e de ouvir e ver bem o suficiente para participar no programa.

Como critérios de exclusão definiu-se: pontuações no MoCA inferior a 7 pontos (défice cognitivo significativo) e superior a 21 pontos (sem défice cognitivo), demência, doença mental que comprometesse a participação no PRNG (e.g., depressão major, psicose, alcoolismo ou oligofrenia), alteração sensorial que comprometesse a participação no programa (e.g., cegueira, surdez), estado de saúde física que comprometesse a participação no programa (e.g., AVC, tumor cerebral), uso de medicação que afetasse com impacto o SNC (exceto inibidores da colinestérase e/ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina), recusa ou indisponibilidade.

Todos os idosos da IBSC que cumpriam os critérios de seleção e que aceitaram participar no estudo foram considerados elegíveis e aleatorizados, resultando numa amostra de 15 idosos desta instituição.

Uma vez que o PRNG foi delineado para grupos com 5 elementos, foram então constituídos três grupos para serem submetidos ao programa (Grupo Reabilitado/GR): GR1: n = 5; 33,3%; GR2: n = 5; 33,3%; GR3: n = 5; 33,3%, num total de 15 idosos. No decorrer do PRNG (2 e 3ª sessão) houve três saídas involuntárias por motivos de saúde e que envolveram internamento hospitalar (Figura 1).

Para obter o Grupo de Comparação/em Lista de Espera para ser reabilitado (GC), uma vez que só existiam dois idosos elegíveis na IBSC, recorreu-se aos restantes idosos avaliados no PTE. De seguida, selecionaram-se os idosos, respeitando os critérios de exclusão e emparelhando-os com os idosos do GR através dos dados sociodemográficos. No entanto, não se conseguiu emparelhar nem pelo tempo de institucionalização, nem pela patologia (exceto doença de Parkinson). Entre os idosos elegíveis, procedeu-se depois à seleção aleatória de igual número de idosos. Nenhum desses idosos se encontrava envolvido em atividades estruturadas de estimulação. Assim, o GC incluiu indivíduos de quatro instituições, de onde saiu um por motivo de internamento hospitalar, totalizando doze idosos. O fluxograma com a descrição detalhada encontra-se na Figura 1.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Total

N = 346

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1ª fase

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IBSC

N = 53

 

 

ISAO

N = 151

 

 

 

 

IASC

N = 16

 

IDCL

N = 126

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Debilidade n = 18

Internamº n = 18

Surdez n = 18 Recusa n = 18

 

 

 

Critérios exclusão e não-emparelhamento demográfico

n = 149

 

 

Critérios exclusão e não-emparelhamento

demográfico

n = 13

 

 

 

 

Critérios exclusão e não-emparelhamento

demográfico

n = 124

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DCSD n = 24

D. Parkinson n = 1

 

 

 

 

 

DCSD n = 12

D. Parkinson n = 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Demência n = 1

Oligofrenia n = 1 SCC n = 2

CCS n = 5

Recusa n = 3

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2ª fase

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GE1

n = 5

 

GE2

 

GE3

n = 5

 

 

 

IBSC

n = 3

 

ISAO

n = 5

 

IASC

n = 3

 

IDCL

n = 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Internamento

n = 4

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Grupo Experimental

n = 12

 

 

 

Grupo Comparação

n = 12

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3ª fase

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1. Fluxograma de recrutamento e seleção dos participantes para os grupos de reabilitação/experimental (GE) e em lista de espera/comparação e das fases para implementação do Programa de Reabilitação Neuropsicológico Grupal. IBSC = Instituição da Baixa de Sta. Cruz Coimbra; ISAO = Instituição de St. Ant. Olivais; IASC = Instituição da Alta de Sta. Cruz; IDCL = Instituição de Lousã (Coimbra). DCSD = Défice cognitivo sem demência; SCC = Sem comprometimento cognitivo; CCS = Comprometimento cognitivo significativo. 1ª fase = Início das Avaliações em 29-11-2013; 2ª fase = Início das Reabilitações em 6-2-2013; 3ª fase = Início das Reavaliações em 22-4-2013.

A amostra total englobou então 24 idosos institucionalizados (Tabela 1). A idade mínima no GR foi de 74 anos e a idade máxima de 92 anos. Já no GC, a idade mínima foi de 67 anos e a idade máxima de 89 anos. A diferença das idades não foi, no entanto, estatisticamente significativa (t = 0,14; p = 0,891) e a magnitude da diferença foi trivial (d de Cohen = 0,05). A proporção de mulheres (83,3%) foi superior à dos homens, e igual entre os grupos. O mesmo aconteceu relativamente à frequência de idosos sem companheiro (87,5%). Quanto à escolaridade, não houve diferença estatisticamente significativa e a magnitude foi pequena (GR: M ± DP = 3,33 ± 1,56 anos; GC: M ± DP = 2,67 ± 1,97 anos; d = 0,37). Os idosos do GR estavam em média institucionalizados há mais tempo (M ± DP = 78,42 ± 52,98 meses; p < 0,01; d = 1,24). Finalmente, todos os idosos frequentavam a valência de lar de idosos no GR, mas 41,7% dos idosos do GC era utente da valência de centro de dia. As atividades em ambas as valências limitavam-se ao visionamento de televisão, jogos de cartas e trabalhos artesanais repetitivos, à exceção de dois idosos do GC que contavam com rotinas de atividades mais dinâmicas, mas não estruturadas (dança ou música). De modo geral, a maioria apresentava dificuldades de mobilidade avaliadas subjetivamente (GR: 83,3; GC: 66,7%).

 

 

TABELA 1

Caracterização Sociodemográfica da Amostra de Idosos Sob Resposta Social e Sua Divisão em Dois Subgrupos

 

 

 

 

Total

Reabilitado

Comparação

t / λ

p

 

 

N

%

M

DP

n

%

M

DP

n

%

M

DP

 

 

Idade

(Anos)

24

 

81,83

5,76

12

 

81,67

5,65

12

 

82

6,12

0,14t

0,891

 

 

Sexo

Masculino

4

16,7

 

 

2

16,6

 

 

2

16,6

 

 

0,00λ

1,000

 

 

Feminino

20

83,3

 

 

10

83,4

 

 

10

83,4

 

 

 

 

Estado Civil

S/ companheiro(a)

21

87,5

 

 

10

83,3

 

 

11

91,6

 

 

0,39λ

0,534

 

 

C/ companheiro(a)

3

12,5

 

 

2

16,7

 

 

1

8,4

 

 

 

 

Escolaridade

Analfabeto(a)

5

20,8

 

 

2

16,7

 

 

3

25,0

 

 

1,81λ

0,404

 

 

[1-4] anos

19

79,2

 

 

10

83,3

 

 

9

75,0

 

 

 

 

Profissão

Manual

24

100

 

 

12

50,0

 

 

12

50,0

 

 

0,00λ

1,000

 

 

Institucionalização

(Meses)

 

 

53,75

46,39

 

 

78,42

52,98

 

 

29,08

19,15

3,03t

0,009

 

 

Resposta Social

Centro de Dia

5

20,8

 

 

0

0

 

 

5

41,7

 

 

8,26 λ

0,004

 

 

Lar de Idosos

19

79,2

 

 

12

100

 

 

7

58,3

 

 

 

 

Nota. M = média; DP = desvio-padrão; p = significância estatística; t = teste t de Student para amostras independentes; λ = teste de Fisher.

 

 

Na Tabela 2 são apresentadas as características clínicas. Entre as doenças com impacto cognitivo contavam-se diabetes (GR: n = 3; GC: n = 2); doença de Parkinson (GR: n = 1; GC: n = 1); acidente vascular cerebral (GR: n = 3; GC: n = 1) e doença neurológica sem especificação (GR: n = 2; GC: n = 1). Todos os idosos da amostra (n = 24) apresentavam DCSD.

 

 

TABELA 2

Características Clínicas da Amostra de Idosos na Pré-Intervenção

 

 

 

Total

Grupo Reabilitado

Grupo de Comparação

 

 

N

%

n

%

M

DP

n

%

M

DP

 

 

Doença com impacto cognitivo

14

58,3

9

75,0

 

 

5

41,7

 

 

 

 

Saudável/doença sem impacto cognitivo

10

41,7

3

25,0

 

 

7

58,3

 

 

 

 

MoCA [7 - 20]

24

100

12

50,0

9,58

3,09

12

50,0

10,42

3,70

 

 

Nota. M = média; DP = desvio-padrão; p = significância estatística.

 

 

Instrumentos

Os idosos foram avaliados pré e pós-intervenção com os instrumentos de avaliação cognitiva, executiva e emocional.

Avaliação Cognitiva de Montreal (MoCA). A MoCA (Nasreddinne et al., 2005) serviu para determinar a presença/ausência de défice cognitivo. Este teste inclui oito tarefas (atenção/concentração, funções executivas, memória, linguagem, capacidades visuoconstrutivas, capacidade de abstração, cálculo e orientação). A pontuação total é de 30 pontos (atribui-se 1 ponto suplementar para os indivíduos com menos de 12 anos de escolaridade). Está validado para a população portuguesa, apresentando boas propriedades psicométricas (Freitas, Simões, Alves, & Santana, 2015). Como não há estudos normativos do MoCA para a população idosa institucionalizada, na amostra do PTE estratificaram-se as pontuações de acordo com a idade (6 grupos etários) e escolaridade (5 níveis) através de três pontos de corte correspondentes aos percentis 25, 50 e 75. Resultou deste processo a criação das categorias “défice cognitivo significativo (inferior ao percentil 25) e “sem défice cognitivo(superior ao percentil 75), que serviram para a exclusão de participantes, e a categoria DCSD (entre percentil 25 e 75) que corresponde a um dos critérios de inclusão.

Exame Breve do Estado Mental (MMSE). Usou-se o MMSE (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975) para o funcionamento cognitivo global (orientação espacial e temporal; atenção e cálculo; retenção e evocação das palavras; capacidade construtivo visual e linguagem). A pontuação máxima é de 30 pontos (melhor funcionamento cognitivo). Os valores de corte indicados para idosos portugueses são os seguintes: 22 para 0 a 2 anos de literacia; 24 para 3 a 6 anos e 27 para literacia igual ou superior a 7 anos. O MMSE está validado para a população portuguesa, apresentando boas propriedades psicométricas (Morgado, Rocha, Maruta, Guerreiro, & Martins, 2009).

Bateria de Avaliação Frontal (FAB). A FAB (Dubois, Slachevsky, Litvan, & Pillon, 2000) mede as funções executivas através de seis provas: semelhanças, fluência verbal/fonémica, série motora de Luria, sensibilidade à interferência, controlo inibitório e comportamento de preensão/independência ambiental. Em cada prova, a pontuação pode variar entre 0 (pior) e 3 (melhor), e o total entre 0 e 18 pontos. A pontuação de corte de 12 distingue entre prejuízo frontal de grau moderado e bom funcionamento frontal (Dubois et al., 2000). A FAB revelou também boas propriedades psicométricas na validação com uma amostra da população geriátrica portuguesa (Espirito Santo et al., 2015).

Escala da Depressão Geriátrica (GDS). A GDS (Yesavage et al., 1983) é constituída por 30 itens, com resposta sim/não referentes à última semana, que avaliam a sintomatologia depressiva. Cada item pode ser pontuado com 0/1, oscilando o total entre 0/30 pontos (mais sintomas). Às respostas afirmativas nos itens 2-4, 6, 8, 10-14, 16-18, 20, 22-26 e 28 atribui-se um ponto. Às respostas negativas nos itens 1, 5, 7, 9, 15, 19, 21, 27, 29 e 30 atribui-se igualmente um ponto. Strauss, Sherman e Spreen (2006) reportaram a seguinte classificação para depressão: 0-9 “normal,” 10-19 “leve,” e 20-30 “grave.” As propriedades psicométricas estão bem estabelecidas para a população portuguesa (Pocinho, Farate, Amaral Dias, Lee, & Yesavage, 2009).

Escala da Solidão (UCLA). A UCLA (Russell, Peplau, & Ferguson, 1978) inclui 20 itens que avaliam os sentimentos subjetivos de solidão ou isolamento social (16 itens na versão portuguesa), estando formulada em respostas categorizadas (nunca/raramente/algumas vezes/frequentemente). Todas as frases foram formuladas negativamente expressando a frequência dos sentimentos de solidão. A pontuação pode variar entre os 16 e os 64 pontos (mais solidão), com o ponto de corte situado nos 32 pontos. As propriedades psicométricas revelaram-se adequadas numa amostra de idosos da população portuguesa (Pocinho, Farate, & Dias, 2010).

Programa de Reabilitação Neuropsicológica Grupal (PRNG). O PRNG (Espírito-Santo e Lemos, 2012) integra atividades de dificuldade crescente relativas a domínios cognitivos (atenção, linguagem recetiva, gnosia, praxia, memória, funções executivas e linguagem expressiva) e emocionais.

Os exercícios seguem os pressupostos do treino cognitivo (alguns exercícios repetem-se, ainda que a dificuldade vá aumentando), da terapia orientada para a realidade e da terapia da reminiscência.

A sua implementação decorre num total de 10 sessões, com uma sessão semanal a demorar cerca de 90 minutos, com um intervalo de 15 minutos, em grupos de até cinco idosos.

Seguindo ainda as abordagens da terapia de orientação para a realidade e terapia por reminiscências, cada sessão inicia-se com um exercício orientado para a realidade e/ou reminiscência (p. e., partilha de histórias relativas à profissão prévia), seguem-se três tarefas de estimulação cognitiva/executiva (p. e., identificar a imagem de um fruto entre 36 imagens de alimentos; dizer qual o correspondente feminino de cinco palavras diferentes para cada sujeito; e copiar uma figura algo complexa e recordá-la 3 min. depois) e conclui com um exercício de memória e de orientação para a realidade (resposta a perguntas após leitura de notícia atual num jornal).

Uma vez que o PRNG se dirige a pessoas com DCSD e é realizado em grupo, o elemento de reabilitação cognitiva está também presente.

Procedimentos

Recrutamento e seleção. A IBSC foi contactada através de carta, com descrição do estudo. Os idosos voluntários elegíveis, antes do início do processo de avaliação, foram contactados individualmente e informados acerca dos objetivos do estudo, sendo assegurada a confidencialidade dos dados e garantida a possibilidade de parar a colaboração para a investigação em qualquer momento. Na sequência, foi lido o consentimento informado a cada idoso, recolhida a assinatura e as informações sociodemográficas. As informações clínicas foram recolhidas dos processos médicos existentes na instituição e confirmadas com a enfermeira responsável pelos idosos. O estudo foi aprovado pelo Departamento de Investigação & Desenvolvimento do Instituto Superior Miguel Torga e está registado no UMIN-CTR Clinical Trial com o número UMIN000013567.

Estratégia de Avaliação e Reabilitação. Entre 1 a 4 semanas antes da intervenção, todos os participantes foram avaliados individualmente por 4 psicólogas com prática mínima de 80 horas (AP, FF, MC, VV) no GC e pela mesma psicóloga que realizou a intervenção (FS). A maior parte das avaliações ocorreu em duas sessões de cerca de 60-90 minutos cada, estando previstas pausas em caso de fadiga ou interrupção em caso de perturbação emocional.

Depois, os idosos do GR foram submetidos ao PRNG com FS que teve formação teórica com HES e LL. Findas as dez sessões, cada participante foi avaliado por um psicólogo diferente desconhecedor do grupo a que o idoso pertencia e da sua avaliação prévia (DC, FV, SM).

Análise estatística

Analisámos os dados obtidos com o Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics, versão 20.0 para Macintosh Mavericks, SPSS, 2011).

Procedemos inicialmente a análises descritivas. Para comparar as frequências usámos a razão de probabilidades (likelihood ratio).

Para a decisão estatística, testou-se a normalidade da distribuição de frequências das pontuações médias iniciais e finais através do teste de Shapiro-Wilk e das medidas de achatamento e simetria.

Desta forma, para testar as diferenças entre os grupos, e tendo em consideração os aspetos anteriores, utilizou-se o teste t de Student ou o teste U de Mann Whitney para amostras independentes.

Para testar as diferenças entre as várias medidas pré e pós-intervenção por grupo, recorreu-se ao teste t de Student ou ao teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas conforme apropriado.

Procedeu-se à análise da covariância (ANCOVA) unifatorial, após a verificação dos seus pressupostos, para averiguar o efeito do PRNG em relação às alterações cognitivas e executivas.

Estabelecemos os níveis de significância num alfa de 0,05 como mínimo (p < 0,05).

Calcularam-se os tamanhos de efeito para os resultados do teste t de Student, utilizando a Fórmula de Cummings [(MinicialMfinal) / DPmédio em que DPmédio = √DP2inicial + DP2final / 2] (Field, 2009; Espirito Santo e Daniel, 2015) para amostras emparelhadas (medidas com distribuições normais); para os resultados do teste de Wilcoxon utilizou-se a fórmula de Field (Z / √N) para amostras emparelhadas (medidas com distribuições não normais). Para interpretar os tamanhos do efeito utilizámos o d de Cohen [trivial (d < 0,2); pequeno (d = 0,2), médio (d = 0,5) e grande (d = 0,8] e o ɳ2 (eta-quadrado) [pequeno (ɳ2 = 0,01), médio (ɳ2 = 0,09) grande (ɳ2 = 0,25); Cohen, 1988] para a ANCOVA.

 

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RESULTADOS

 

 

Comparação entre grupos nas provas cognitivas, executivas e emocionais pré-intervenção

Na Tabela 3 apresentamos as pontuações médias iniciais do GR e do GC antes da reabilitação. Os resultados obtidos demonstram que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (p > 0,05). De destacar que as pontuações no MMSE em ambos os grupos se revelam inferiores aos pontos de corte, confirmando a presença de défice cognitivo (Morgado et al., 2009). Na FAB, aconteceu o mesmo, com os idosos dos dois grupos com pontuações indiciadores de algum prejuízo frontal (Dubois et al., 2000). No GDS, as pontuações de ambos os grupos situam-se no nível de sintomatologia depressiva considerado leve (Strauss et al., 2006). Quanto às pontuações da UCLA, elas situam-se acima dos 32 pontos, indicando que os níveis de solidão são altos nos dois grupos.

 

 

TABELA 3

Comparação das Pontuações Médias Iniciais das Provas Cognitivas, Executivas e Emocionais de um Grupo Experimental (Submetido ao Programa de Reabilitação) e de um Grupo de Comparação (em Lista de Espera para Ser Reabilitado) (N = 24)

 

 

Avaliação

Áreas Avaliadas

Grupo Reabilitado

Grupo de Comparação

 t / U

 p

 

 

M

DP

M

DP

 

 

MMSE

Total

20,08

 3,89

17,92

 4,83

 1,21t

0,239

 

 

Orientação

 6,67

 1,56

 6,08

 2,84

 0,62t

0,541

 

 

Atenção

 2,33

 2,10

 0,83

 1,59

42,50U

0,068

 

 

Memória

 3,92

 0,79

 4,17

 1,75

57,50U

0,386

 

 

Linguagem

 7,00

 0,85

 6,58

 1,38

 0,89t

0,383

 

 

Habilidade construtiva

0,33

0,49

0,25

0,45

0,43t

0,670

 

 

FAB

Total

 8,08

 2,64

 8,33

 3,14

 1,05t

0,304

 

 

GDS

Total

15,25

 6,84

17,08

 6,21

 0,69t

0,499

 

 

UCLA

Total

36,83

10,11

35,00

13,03

 0,38t

0,704

 

 

Nota. MMSE = Mini Mental State Examination (Orientação integrou orientação espacial e temporal; Atenção incluiu a tarefa de cálculo; Memória incluiu as questões de retenção e evocação; Linguagem as questões de nomeação, repetição, compreensão de ordem verbal e escrita, escrita espontânea; Habilidade construtiva o desenho de 2 pentágonos sobrepostos); FAB = Frontal Assessment Battery; GDS = Geriatric Depression Scale; UCLA = Escala da Solidão; DP = desvio-padrão; t = teste t de Student para amostras independentes; U = teste U de Mann-Whitney para amostras independentes; p = significância estatística.

 

 

Comparação pré e pós-intervenção nas provas cognitivas, executivas e emocionais por grupos

As pontuações totais dos vários instrumentos para o GR e o GC e as diferenças entre a pré e pós reabilitação são apresentadas na Tabela 4. As diferenças estatisticamente significativas encontradas são assinaladas na própria tabela a negrito (p < 0,05).

Destacam-se as evoluções mais significativas nas pontuações da FAB e da UCLA no GR, com tamanhos do efeito entre o médio (d = 0,59) e o grande (d = 1,88). Em sentido inverso, no GC salientam-se a pioria significativa no MMSE total e GDS total, com tamanhos do efeito entre o trivial e o pequeno.

Nas restantes pontuações, cognitivas e emocional, as mudanças não são significativas e os tamanhos do efeito são baixos.

 

 

Tabela 4

Comparações Antes e Após Reabilitação Neuropsicológica Grupal das Pontuações do Mini Mental State Examination (MMSE); Frontal Assessment Battery (FAB); Geriatric Depression Scale (GDS) e Escala de Solidão (UCLA), Divididas pelo Grupo Reabilitado (GR) e Grupo de Comparação (CG)

 

 

Testes Neuro- psicológicos

Áreas

Avaliadas

Grupos

Avaliação Inicial

(n = 12)

Avaliação

Final

(n = 12)

t / Z

p

d

 

 

M

DP

M

DP

 

 

MMSE

Total

GR

20,08

3,89

21,83

5,78

1,46t

0,173

0,36††

 

 

GC

17,92

4,83

15,67

4,40

2,20t

0,050

-0,48††

 

 

Orientação

GR

 6,67

1,56

 7,25

3,11

1,11Z

0,265

0,22††

 

 

GC

 6,08

2,84

 5,25

2,42

1,70t

0,117

-0,31††

 

 

Atenção

GR

 2,33

2,10

 2,58

2,19

0,54Z

0,586

0,11

 

 

GC

 0,83

1,59

 0,36

1,20

1,13Z

0,257

-0,23††

 

 

Memória

GR

 3,92

0,79

 4,25

1,21

0,81Z

0,417

0,17

 

 

GC

 4,17

1,75

 3,41

0,99

1,64Z

0,101

-0,34††

 

 

Linguagem

GR

 7,00

 0,85

 7,75

1,21

2,02t

0,069

0,24††

 

 

GC

 6,58

 1,38

 6,67

1,07

0,19Z

0,857

-0,08

 

 

Construtiva

GR

0,33

0,49

0,17

0,39

1,48t

0,166

0,36††

 

 

GC

0,25

0,45

0,17

0,39

1,00t

0,339

0,19††

 

 

FAB

Total

GR

 8,08

2,64

10,16

4,26

2,41t

0,035

0,59†††

 

 

GC

 8,33

3,14

 7,33

2,90

1,48t

0,166

-0,33††

 

 

GDS

Total

GR

15,25

6,84

13,83

6,93

0,72t

0,488

0,21††

 

 

GC

17,08

6,21

18,00

6,20

2,24t

0,049

-0,15

 

 

UCLA

Total

GR

36,83

10,11

22,33

4,07

5,74t

0,000

1,88††††

 

 

GC

35,00

13,03

39,42

9,96

2,15t

0,054

-0,38††

 

 

Nota. MMSE = Mini Mental State Examination; FAB = Frontal Assessment Battery; GDS = Geriatric Depression Scale; UCLA = Escala da Solidão; M = média; DP = desvio-padrão; p = significância; d = tamanho do efeito; t = teste t de Student para amostras emparelhadas; Z = teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas.

Um valor menor nas médias da avaliação final indica redução dos sintomas.

Tamanho do efeito trivial; ††pequeno; †††médio; ††††grande.

 

 

 

O efeito do PRNG

O efeito do PRNG sobre as pontuações do MMSE e subescalas e do FAB (pós-reabilitação) foi avaliado separadamente por meio de ANCOVAs unifatoriais, usando as pontuações do MMSE e do FAB total (pré-reabilitação) como covariáveis respetivas.

As pontuações do MMSE sofreram efeito estatisticamente significativo do PRNG depois de contabilizar o efeito da pontuação do MMSE (pré-reabilitação) como covariável (F(1, 21) = 7,49; p < 0,05; ɳ2 = 0,26). Quanto às subescalas, houve efeito significativo na Atenção, Memória e Linguagem [respetivamente, F(1, 20) = 4,31; p < 0,05; ɳ2 = 0,17; F(1, 21) = 4,82; p < 0,05; ɳ2 = 0,19; F(1, 21) = 4,69; p < 0,05; ɳ2 = 0,18], mas não na Orientação [F(1, 21) = 2,83; p > 0,05; ɳ2 = 0,12].

As pontuações do FAB sofreram também efeito estatisticamente significativo do PRNG depois de contabilizar o efeito da pontuação do FAB (pré-reabilitação) como covariável [F(1, 21) = 7,53; p < 0,05; ɳ2 = 0,26].

Tal ocorreu também com a UCLA [F(1, 21) = 69,02; p < 0,001; ɳ2 = 0,77], mas não com a GDS [F(1, 20) = 2,16; p > 0,05; ɳ2 = 0,10].

 

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DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O nosso estudo consistiu na análise do efeito de um programa de reabilitação novo no panorama português, o PRNG. Esse programa foi delineado para se aplicar a grupos de 5 pessoas com défice cognitivo sem demência. Os exercícios seguem os pressupostos da reabilitação cognitiva, do treino cognitivo, da terapia orientada para a realidade e da terapia da reminiscência. Pretendia-se averiguar qual o seu efeito a nível cognitivo, executivo e emocional em idosos institucionalizados. Os resultados revelaram-se promissores.

Pontuações iniciais

Não se verificam diferenças iniciais significativas nas várias provas entre o GR e o GC na pré-intervenção. No entanto, há diferenças no tempo de institucionalização, no tipo de resposta social e no número de doenças. Como o GR se apresenta em piores condições à partida, entendemos que uma melhoria das pontuações neste grupo poderá ter mais significância clínica.

Pontuações pré e pós-intervenção

No funcionamento cognitivo verificam-se incrementos das pontuações no GR, mas estes não foram estatisticamente significativos. Em oposição, o GC sofreu um declínio estatisticamente significativo. Deste achado não decorre que o PRNG tenha efeito na melhoria do funcionamento cognitivo, mas potencialmente impedirá a pioria/declínio, o que poderá ser considerado um resultado de eficácia, pois o DCSD é uma condição degenerativa (Lindsay, Sykes, McDowell, Verreault, & Laurin, 2004; Plassman et al., 2008; Tuokko & Frerichs, 2000; Tuokko et al., 2003). O mesmo aconteceu no estudo de Alves (2012) incluído no PTE e que avaliou a eficácia da versão preliminar do PRNG com 12 idosos (GR: n = 6; GC: n = 6).

Estes resultados diferem dos obtidos em estudos similares. Por exemplo, num estudo português com idosos institucionalizados (Sousa, 2014) a magnitude padronizada da diferença nas pontuações obtidas no MoCA foi superior (d = 1,13; Z = 2,03; p < 0,05) à que obtivemos com o MMSE. Apesar deste estudo envolver somente uma amostra não-aleatorizada de 5 idosos, havendo, potencialmente, viés do investigador, há que destacar que a reabilitação foi realizada individualmente, o que poderá explicar as diferenças no tamanho do efeito. Tsolaki e colaboradores (2010) obtiveram também melhores resultados. Estes autores implementaram reabilitação cognitiva grupal em 176 idosos com DCL (GR: n = 104; GC: n = 72) com reavaliação após 6 meses. O GR apresentou benefícios a nível das funções executivas, da memória verbal, da praxia e da capacidade cognitiva, enquanto o GC demonstrou deterioração das atividades da vida diária, mantendo-se estável a nível cognitivo (ao contrário do presente estudo). No entanto, as diferenças de resultados podem explicar-se pela circunstância de os nossos idosos no GC apresentarem idade mais avançada, terem menos anos de escolaridade e estarem institucionalizados.

Saliente-se que, apesar de o MMSE e suas subescalas não apresentarem melhorias estatisticamente significativas e os tamanhos de efeito serem pequenos, o contexto institucional terá importância na interpretação desses efeitos (Ellis, 2010). Nesse sentido, se tivermos em consideração que os idosos apresentam mobilidade reduzida, patologias com impacto no funcionamento cognitivo, estão institucionalizados em valência de lar há vários anos, restringindo-se diariamente a rotinas não estimulantes, então os efeitos mesmo pequenos ressaltam como importantes.

Em relação ao funcionamento executivo, o GR já apresenta uma melhoria estatisticamente significativa, em contraste com o GC, que piora, embora não de forma estatisticamente significativa. Este resultado é uma replicação do obtido no estudo acima referido de Alves (2012). Com base neste resultado, o PRNG potencialmente terá mais impacto a nível executivo.

Quanto aos sentimentos de solidão, não só diminuem de forma estatisticamente significativa no GR, como aumentam de modo estatisticamente significativo no GC. Pelo papel que a solidão tem na deterioração da saúde mental a da satisfação com a vida (Costa et al., 2013; Vicente et al., 2014), este é um resultado revelador do potencial terapêutico do PRNG. Este resultado foi semelhante ao obtido por Alves (2012), o que levanta a questão de se são as reuniões que constituem um espaço de suporte social, facilitador da diminuição dos sentimentos de solidão, ou se é o conteúdo do PRNG que promove essa diminuição. Esta questão remete para a importância de replicar este estudo com uma amostra de comparação envolvida em atividades neutras de controlo, mantendo o carácter grupal e semanal (p. e., dinâmicas de grupo semi-estruturadas).

Em relação à sintomatologia depressiva, o GR apresenta uma diminuição estatisticamente não significativa de pequena magnitude e o GC apresenta um aumento estatisticamente significativo. Mais uma vez, apesar de não se poder concluir que o PRNG tenha efeito na melhoria do humor, ele poderá ter um papel no evitamento de acentuação da sintomatologia depressiva, o que também poderá ser considerado um resultado promissor, pois a depressão no idoso é fator de risco para outras patologias, incluindo défice cognitivo e demência (Al Hazzouri et al., 2014), défice físico e várias condições médicas comórbidas (Byers et al., 2012) e morte (Bogner, Morales, Reynolds III, Cary, & Bruce, 2012). O mesmo grau de diminuição da sintomatologia depressiva foi observado no estudo preliminar de Alves (2012), mas foi inferior ao encontrado por Sousa (2014; d = 0,79; Z = 2,03; p < 0,05). Como não dispomos de elementos suficientes sobre o programa de reabilitação de Sousa (2014), a não ser o facto de aquele ser aplicado individualmente, então em estudos futuros há que testar a eficácia do PRNG em moldes diferentes.

Efeito do PRNG no funcionamento cognitivo, executivo e emocional

Através da ANCOVA paramétrica unifatorial aumenta-se a confiança de que as diferenças finais entre o GR e o GC nas medidas do funcionamento cognitivo e executivo se devem ao PRNG e assegura-se que não são as diferenças iniciais entre os dois grupos que explicam as diferenças finais. No entanto, a ausência de diferenças estatisticamente significativas entre o antes e após a implementação do PRNG no funcionamento cognitivo e os pequenos tamanhos do efeito das diferenças indicam a necessidade de replicação da investigação.  

Se compararmos com o estudo prévio de Alves (2012), os tamanhos do efeito das ANCOVAS são superiores (cognitivo: ɳ2 = 0,53; executivo: ɳ2 = 0,89), mas tal poderá dever-se ao ritmo das sessões que ocorriam bissemanalmente. O mesmo aconteceu na pesquisa de Rozzini e colaboradores (2007; cognitivo: ɳ2 = 0,90) e que envolveu 59 idosos com défice cognitivo leve num programa de reabilitação cognitiva combinado com tratamento farmacológico de inibição colinesterásica. Neste caso, o maior tamanho do efeito pode ser explicado por os seus idosos serem mais novos (63-78 anos), serem tratados farmacologicamente e por viverem na comunidade (sem informação sobre escolaridade e profissão). Verificou-se também um tamanho do efeito superior no estudo de Tsolaki e colaboradores (2010; cognitivo: ɳ2 = 0,98), mas o nível de escolaridade da sua amostra geriátrica era muito superior (8-9 anos), os sujeitos eram mais novos (66-78 anos) e viviam na comunidade. Decorre daqui a importância de replicar o presente estudo com amostras mais diversificadas.

O PRNG mostrou o seu efeito mais relevante (ɳ2 = 0,77) nos sentimentos de solidão, dando robustez à ideia de que tem potencial terapêutico relevante.

Limitações

Existem limitações no nosso estudo que são relevantes de salientar para pesquisas posteriores. Apesar do nosso estudo estar potencialmente exposto ao enviesamento do investigador, pois foi cego somente na reavaliação (delineamento muito comum noutros estudos; Jean et al., 2010), e assim os resultados poderem refletir mais um empenho da psicóloga terapeuta do que da eficácia do PRNG, consideramos que o potencial viés fica esbatido quando se trabalha com grupos de pessoas. Há ainda que reconhecer que, mesmo que um psicólogo desconhecesse a avaliação prévia, bastaria uma ou duas sessões para se aperceber de que havia idosos com mais dificuldades, não ficando assim impedido de haver enviesamento dos resultados. Mesmo que os grupos fossem homogéneos, não seria fácil de impedir ligações preferenciais participante-terapeuta.

Outro aspeto a considerar é a necessidade de proceder a avaliação de seguimento, pois o DCSD é uma condição com taxas altas de conversão para a demência (Lindsay, Sykes, McDowell, Verreault, & Laurin, 2004; Plassman et al., 2008; Tuokko & Frerichs, 2000; Tuokko et al., 2003). Acresce que o adiamento dessa conversão seria uma forma de revelar outra dimensão de eficácia do PRNG (Jean et al., 2010).

Seria também importante perceber se os potenciais efeitos positivos do PRNG no funcionamento executivo e efeito estabilizador do funcionamento cognitivo se devem à melhoria dos sentimentos de solidão. Para tal, exigem-se amostras de dimensão maior para reunir os pré-requisitos para análises estatísticas robustas. Uma vez que o DCSD é uma condição abrangente e heterogénea, o uso de amostras maiores é uma mais-valia para assegurar a validade externa dos resultados (Jean et al., 2010).

Em contraste, foi uma mais-valia da pesquisa a aleatorização dos participantes, pois a validade interna dos resultados fica assegurada (Jean et al., 2010).

Conclusões

Os resultados desta investigação indicam que o PRNG tem o potencial de melhorar o funcionamento executivo e os sentimentos de solidão. É também promissor o seu poder de suster o declínio do funcionamento cognitivo e de evitar o agravamento da sintomatologia depressiva.

O PRNG revelou eficácia em promover a estabilização ao nível das funções cognitivas (atenção, memória e linguagem) em idosos institucionalizados com DCSD. Esses resultados sugerem que alguma plasticidade cognitiva está presente nesta população idosa, apesar das vulnerabilidades. Embora não fosse o nosso objetivo principal, podemos ainda verificar que houve melhorias a nível da sintomatologia depressiva e dos sentimentos de solidão. Desta forma, este estudo confirma a importância da implementação do PRNG em Lar de Idosos, uma vez que através da sua aplicação é possível estabilizar as capacidades cognitivas e executivas, bem como reduzir os sentimentos de solidão.

Conflito de interesses: Nenhum.

Fontes de financiamento: Nenhuma.

Agradecimentos: Agradecemos o contributo de Ana Lídia Pinto (AP), Filipa Ferreira (FF), Sara Moitinho (SM) e Vanessa Vigário (VV) na avaliação neuropsicológica.

 

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REFERÊNCIAS

 

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