2015,
Vol. 1(2): 58-68
Validação
do Youth Quality of Life Instrument (YQOL-R) para a população portuguesa
Artigo Original
Sara Mendes i, Marina Cunha i ✉, Ana Xavier i, Margarida Couto i, Ana Galhardo i
https://doi.org/ 10.7342/ismt.rpics.2015.1.2.24
Recebido
23 abril 2015
Aceite
22 julho 2015
Objetivo: É incontornável o
estatuto que o conceito de qualidade de vida assume hoje na prática e políticas
de saúde pública. Na infância e adolescência é ainda escassa a investigação,
tornando-se crucial o desenvolvimento de instrumentos de qualidade vida
relacionada com a saúde validados para esta população. O presente trabalho tem
como objetivo fundamental analisar as qualidades psicométricas e validar a
versão portuguesa do Youth Quality of
Life (YQOL-R).
Métodos: A amostra é constituída por 507
adolescentes, com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos (M = 15,74; DP = 1,62), a frequentar o 3.º ciclo do ensino básio e ensino
secundário de escolas públicas do ensino regular. Para além do citado
instrumento a validar, os jovens preencheram também, para a análise da validade
convergente e divergente, o Kidscreen-27
e a Escala da Depressão, Ansiedade e Stresse (EADS-21).
Resultados: O YQOL-R
apresenta uma estrutura fatorial de quatro fatores, semelhantes à versão
original americana (individual, relações sociais, ambiente e qualidade de vida
em geral). Possui uma boa consistência interna e uma adequada estabilidade
temporal. Mostrou correlações significativas e no sentido esperado com as
variáveis em estudo. Foram igualmente encontradas diferenças entre sexos em
relação à qualidade de vida, sendo os rapazes a reportarem em média níveis mais
elevados de perceção da qualidade de vida, comparativamente às raparigas.
Conclusões: Futuros estudos
devem ser realizados em amostras clínicas para confirmação dos dados. Não
obstante esta limitação, o presente estudo contribuiu para a disponibilização
de um novo instrumento para avaliação da qualidade de vida em crianças e
adolescentes, o qual evidenciou boas propriedade psicométricas, apoiando, assim
empiricamente, a sua utilização nas práticas de saúde e investigação em
amostras da comunidade.
Palavras chave: Qualidade de vida relacionada com a saúde · Crianças ·
Adolescentes · YQOL-R · Estudo instrumental
O interesse pelo conceito de qualidade de vida na
área da saúde é relativamente recente e decorre dos novos paradigmas que têm
influenciado as práticas e políticas do sector da saúde nas últimas décadas (Gaspar & Matos, 2008).
No âmbito da saúde coletiva e das políticas públicas
é possível identificar um interesse crescente pela avaliação da qualidade de
vida, nomeadamente pela inclusão de informações sobre a qualidade de vida como
indicadores para a avaliação da eficácia, eficiência e impacto de tratamentos e
intervenções. Outro indicador de interesse por esse constructo é a produção de
conhecimento associada aos esforços de integração e de intercâmbio de
investigadores e profissionais interessados no tema (Seidl &
Zannon, 2004).
Na área da saúde verificam-se duas tendências quanto
à conceptualização do termo da qualidade de vida, enquanto um conceito mais
genérico e enquanto qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) (Wallander,
Schmitt, & Koot, 2001).
Esta última definição diz respeito à saúde percebida e é descrita como um
constructo que engloba as componentes do bem-estar e funções físicas,
emocionais, mentais, sociais e comportamentais, como são percebidos pelos
próprios e pelos outros (World Health Organization, 1998).
Dada a natureza holística deste conceito, coloca-se
uma razoável dúvida sobre a “melhor” definição, tornando-se difícil a sua
operacionalização através de um instrumento de avaliação (Gaspar
& Matos, 2008).
Segundo alguns autores (Harding,
2001; Pais-Ribeiro, 2003), o conceito de qualidade de vida pode ser definido
como um constructo multidimensional com aplicação e relevância para as pessoas
de todas as faixas etárias, de todas as culturas, estatuto socioeconómico ou
localização geográfica. Neste sentido, a qualidade de vida é um conceito mais
abrangente do que a saúde, relacionando-se com as experiências atuais e passadas
do indivíduo, com todos os aspetos do bem-estar da pessoa (físico, psicológico
e social) e incluindo ainda o seu ambiente.
Wallander, Schmitt e Koot (2001)
consideram que a qualidade de vida é a articulação entre a perceção de
bem-estar objetivo e subjetivo em diversos domínios da vida considerados
importantes numa determinada cultura e tempo, tendo em conta os níveis
universais dos direitos humanos. De acordo com os referidos autores, a
definição abrange os aspetos mais importantes indicados na literatura.
A definição de qualidade de vida segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS) é a mais citada e é descrita como a saúde
física, o estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais e
as relações do indivíduo com o contexto em que está inserido (World
Health Organization, 1997).
Deste modo, a OMS ilustra ainda a qualidade de vida como um conceito genérico,
como a perceção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da
cultura e dos sistemas de valores em que se insere e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Cummins (2005)
defende igualmente a concetualização de qualidade de vida como um constructo multidimensional
e influenciado por fatores pessoais, ambientais e pela interação entre ambos.
Tem componentes semelhantes para todas as pessoas, apresenta componentes
objetivos e subjetivos e é influenciada pela autodeterminação, pelos recursos,
pelo sentido da vida e pela perceção de pertença.
As descrições objetivas e subjetivas são indicadores
válidos de qualidade de vida, pelo que devem ambos ser incluídos em qualquer
definição da mesma. Os aspetos objetivos podem ser observados e medidos a nível
do domínio público, através de medidas de quantidade e frequência. Os aspetos
subjetivos apenas existem na consciência privada do indivíduo pelo que são
avaliados através de questionários de autorresposta (Cummins, 2005). Assim, estes indicadores subjetivos resultam da
avaliação pessoal de cada um sobre as suas capacidades e funcionamento,
implicando que a qualidade de vida de duas pessoas com as mesmas capacidades
possa ser diferente, dependendo como cada uma lida com o contexto e com as
adversidades (Diener, 2000). Em geral, os indicadores
subjetivos e objetivos apresentam uma fraca correlação, o que sugere que ambos
contribuem de forma independente para estimar o constructo de qualidade de vida
(Cummins, 2000).
Vários autores concordam que a qualidade de vida
relacionada com a saúde (QVRS) é um constructo multidimensional e documentado
por diversos estudos nacionais e internacionais em populações adultas (Ravens-Sieberer
et al., 2001). Todavia,
quando a população em estudo são crianças e adolescentes a consonância é menor,
uma vez que existem dificuldades em descrever o conceito de QVRS na população
mais jovem. Essas dificuldades perpassam âmbitos como a capacidade das crianças
expressarem opiniões, atitudes e sentimentos sobre a sua QVRS, o seu domínio de
recursos para compreenderem o conceito em questão e a autoavaliação dos aspetos
da própria saúde e bem-estar ser determinada pela idade, maturidade e
desenvolvimento cognitivo. Salienta-se que as crianças e os adolescentes não
enfatizam as mesmas dimensões da QVRS que os adultos (Ravens-Sieberer
et al., 2001).
Tem sido reconhecido o papel importante que esta
faixa etária, infância/adolescência, desempenha na saúde pública global,
justificando, assim, uma abordagem centrada na qualidade de vida que permita
aumentar a compreensão e o conhecimento sobre a saúde nos jovens. Este
aprofundamento parece fundamental para alicerçar políticas promotoras de saúde
e de bem-estar nestas faixas etárias (Fuh, Wang, Lu, & Juang, 2005) e para promover práticas estimuladoras de
desenvolvimento positivo em todos os âmbitos da vida da criança e do adolescente,
nomeadamente nos contextos socializadores, como é o caso da família, dos pares,
da escola e da comunidade (Ferraz,
Tavares, & Zilberman, 2007).
Não obstante o crescente interesse por este tema,
quer em termos de investigação, quer no domínio dos cuidados e das políticas de
saúde, é ainda escassa a investigação em crianças com idades entre os 6 e os 12
anos. Apenas 9% dos estudos envolve a avaliação da própria criança sobre a sua
qualidade de vida (Wallander et al., 2001). Neste contexto, pode referir-se que existe um
número reduzido de questionários genéricos que avaliam a QVRS em crianças e
adolescentes (Gaspar
& Matos, 2008).
Segundo Hawthorne, Richardson e Osborne (1999)
são necessários instrumentos de medição da qualidade de vida de fácil
aplicação, que não impliquem grande sobrecarga para os respondentes e que
possam ser administrados em populações epidemiológicas e em populações
clínicas, em contextos genéricos e clínicos.
Apesar de existirem alguns instrumentos adaptados
para a população portuguesa que avaliam a qualidade de vida em crianças e
adolescentes, tais como o Kidscreen (Gaspar & Matos, 2008) e o inventário pediátrico de qualidade de vida
(PedsQL) (Lima, Guerra, & Lemos,
2009), não deixam de ser
necessários mais instrumentos de medida que possam contribuir para a avaliação
deste constructo tão relevante.
Neste sentido, a presente investigação possui como
principal objetivo a análise das qualidades psicométricas e validação de um
novo instrumento de medição da qualidade de vida para adolescentes, designado
por Youth Quality of Life (YQOL-R).
Optou-se por este instrumento pela sua fundamentação teórica, por ser
amplamente utilizado em investigações internacionais e por ter mostrado boas
propriedades psicométricas incentivadoras da sua aplicação.
O YQOL-R foi desenvolvido por Patrick, Edwards e
Topolski (2002) para colmatar a escassez de instrumentos de
avaliação da qualidade de vida focados nos aspetos positivos da adolescência,
baseados nas perspetivas e linguagem dos mesmos e aplicáveis tanto a populações
gerais como a amostras vulneráveis. Deste modo, através da realização de
entrevistas abertas a jovens dos 12 aos 18 anos, com e sem deficiência, bem
como, através da consulta de outros instrumentos existentes (e.g., National Longitudinal Adolescent Health
Survey) foi desenvolvido um modelo concetual de qualidade de vida que deu
origem ao referido questionário.
Após uma
sucessão de procedimentos, o YQOL-R resultou num instrumento de medida com
capacidade de avaliar a perceção da qualidade de vida, tendo em conta a
informação de quatro domínios específicos: individual (procura avaliar os
sentimentos do adolescente sobre si mesmo), relações sociais (incide nas
relações do adolescente com os outros), ambiente (avalia as oportunidades e
obstáculos no meio social e cultural) e qualidade de vida geral (examina o quão
satisfeito o adolescente se sente em relação à sua vida na generalidade).
Amostra
A amostra é constituída por 507 adolescentes, 287 do
sexo feminino (56,6%) e 220 do sexo masculino (43,4%), com idades compreendidas
entre os 12 e os 19 anos, sendo a média de idades de 15,74 anos (DP = 1,62). Estes jovens frequentam
entre o 7º e o 12º ano de escolaridade, com uma média de 10,28 (DP = 1,55).
Rapazes e raparigas não diferem
significativamente no que respeita à média de idades (t(443, 52) = 0,28;
p = 0,779) e anos de
escolaridade (t(450, 81) = 0,75; p = 0,451).
O
Youth Quality of Life Instrument-research
version (YQOL-R) desenvolvido
por Patrick, Edwards e Topolski (2002),
traduzido por instrumento de avaliação da qualidade de vida nos adolescentes, é
um questionário de autorresposta constituído por 41 itens, que avaliam a
qualidade de vida tendo em conta a informação de 4 domínios específicos:
individual, relações sociais, ambiente e qualidade de vida geral (Patrick et al., 2002). Para o seu preenchimento é pedido aos jovens para
assinalarem, numa escala de 0 a 10 pontos (onde 0 indica de modo nenhum e 10
indica completamente), o número que melhor se aplica ao que sente. Quanto mais
elevados forem os resultados, maiores são os níveis de qualidade de vida.
Os estudos realizados sobre a versão
original indicaram que o YQOL-R apresenta uma consistência interna adequada,
variando os alfas de Cronbach entre
0,77 e 0,96 (Patrick et
al., 2002).
Informação aprofundada sobre o
desenvolvimento deste instrumento e dos seus domínios encontra-se descrita na
secção anterior onde é apresentada uma revisão do mesmo. No presente estudo, os
valores da consistência interna serão posteriormente apresentados, uma vez que
este instrumento será objeto de análise detalhada.
O
Kidscreen, desenvolvido por Ravens-Sieberer e European KIDSCREEN Group (2005), (versão portuguesa de Gaspar & Matos, 2008) é um instrumento estandardizado que avalia a
qualidade de vida em crianças e adolescentes (Gaspar & Matos, 2008).
O instrumento Kidscreen-27 é uma versão reduzida do Kidscreen-52, onde foram selecionados 27 itens da versão original e
agrupados em 5 dimensões: bem-estar físico, bem-estar psicológico, autonomia e
relações com os pais, suporte social e grupo de pares, e ambiente escolar.
Este questionário é aplicável a crianças
e adolescentes entre os 8 e os 18 anos de idade e pode ser utilizado em estudos
epidemiológicos, e como instrumento complementar em pesquisas de monitorização
com crianças e adolescentes com doença crónica (Gaspar & Matos, 2008).
É um questionário de autopreenchimento,
no qual se pede ao sujeito que responda que afirmações se aplicaram a ele na
última semana. Relativamente à pontuação, um valor baixo neste instrumento
reflete sentimento de infelicidade, insatisfação e desadequação face aos
diversos contextos da vida da criança e adolescente, nomeadamente, família,
grupo de pares e escola. Uma cotação elevada revela uma sensação de felicidade,
perceção de adequação e satisfação com os seus contextos (Gaspar & Matos, 2008).
Na versão original, o Kidscreen-27 apresentou valores de alfa
de Cronbach que variam entre 0,80 e
0,84 para as diferentes subescalas que a constituem (Ravens-Sieberer
et al., 2007). Na versão
portuguesa foram obtidos níveis de consistência interna moderados a elevados
para a totalidade da escala (a = 0,89) (Gaspar & Matos, 2008). Na amostra da nossa investigação, o Kidscreen-27 mostrou ter uma
consistência interna razoável a boa (Pestana & Gageiro, 2008), oscilando os valores de alfas de Cronbach entre 0,71 (para a dimensão
ambiente escolar) e 0,87 (para a dimensão bem-estar psicológico).
A Escala
de Ansiedade, Depressão e Stresse
(EADS-21; Lovibond & Lovibond, 1995; Pais-Ribeiro,
Honrado, & Leal, 2004) é
um instrumento de autorresposta que pretende avaliar três constructos, a
depressão, a ansiedade e o stresse mediante um modelo tripartido (Pais-Ribeiro
et al., 2004).
No presente estudo foi utilizada a
versão reduzida de 21 itens (EADS-21), que propõe medir os mesmos constructos
do mesmo modo que a versão de 42 itens (Pais-Ribeiro et al., 2004).
A EADS organiza-se em três escalas:
depressão, ansiedade e stresse, incluindo cada uma delas sete itens, formando
no total 21 itens. Cada item consiste numa frase que remete para sintomas
emocionais negativos. Os sujeitos avaliam a extensão em que experimentaram cada
sintoma durante a última semana, numa escala de 4 pontos de gravidade ou
frequência: 1 - “não se aplicou nada a mim”, 2 - “aplicou-se a mim algumas
vezes”, 3 - “aplicou-se a mim muitas vezes” e 4 - “aplicou-se a mim a maior
parte das vezes” (Pais-Ribeiro et al., 2004). Os resultados de cada escala são
determinados pela soma dos resultados dos sete itens. A escala fornece três
notas, uma por cada escala, em que o mínimo é 0 e o máximo é 21. As notas mais
elevadas em cada escala correspondem a estados afetivos mais negativos (Pais-Ribeiro et al., 2004).
No que diz respeito à consistência
interna obtida na versão inglesa original da EADS, esta foi favorável, com
valores de alfa de Cronbach de 0,81 para a depressão, de 0,83 para a ansiedade
e de 0,81 para o stresse (Lovibond & Lovibond, 1995). Quanto à versão portuguesa, os valores da
consistência interna encontrados foram respetivamente de 0,85 para a escala da depressão,
de 0,74 para a de ansiedade e de 0,81 para a de stresse (Pais-Ribeiro et al., 2004). Na amostra do presente estudo, verificaram-se
também valores adequados de consistência interna (depressão: α = 0,88, ansiedade: α = 0,83 e stresse: α =
0,87). Como se pode constatar, os valores obtidos nesta amostra são semelhantes
aos obtidos no estudo original.
Procedimento
metodológico
Num primeiro momento, procedeu-se à recolha das
autorizações dos autores para a utilização dos questionários.
Após o consentimento e recomendações por
parte dos autores, o YQOL-R foi traduzido e adaptado para a língua portuguesa
segundo o método da tradução e retroversão (Hill & Hill,
2008), envolvendo
três especialistas na área de avaliação com domínio da língua inglesa e
portuguesa. Inicialmente o inventário foi traduzido por dois investigadores
fluentes na língua inglesa. Depois de comparadas as discrepâncias, uma versão
final foi gerada a qual foi submetida a retroversão por um nativo da língua
inglesa com sólidos conhecimentos e fluência na língua portuguesa. A
equivalência linguística e semântica foi analisada, de acordo com as
recomendações para este tipo de estudos (Hambleton, Merenda, &
Spielberger, 2005; International
Test Commission, 2010),
tendo-se verificado um elevado grau de semelhança entre ambas as versões.
De seguida foram contactadas as escolas
onde iriam ser recolhidos os dados, tendo sido previamente pedida a autorização
aos diretores dos referidos estabelecimentos de ensino. Posteriormente, foram
contactados os encarregados de educação dos alunos, bem como os alunos, com o
intuito de solicitar o consentimento informado. A participação no estudo foi
anónima e voluntária, tendo sido garantidos os princípios éticos de
investigação.
Procedimento
estatístico
A fim de analisar os dados recolhidos,
recorreu-se ao software estatístico Statistical
Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics, versão 19.0 para
Windows, SPSS, 2011)
Foi utilizada a estatística paramétrica
dado o tamanho da amostra o justificar. Explorou-se o pressuposto da
distribuição normal das variáveis, com recurso ao teste Kolmogorov-Smirnov e
ainda aos coeficientes de assimetria (Skewness) e de achatamento (Kurtosis),
uma vez que o teste de K-S é sensível ao tamanho da amostra. Os resultados
obtidos permitiram-nos concluir, de acordo com Kline (2005),
que os dados das variáveis em estudo seguem uma distribuição normal, já que SK < |3| e Ku < |10|, sugerindo que nenhuma variável apresentou valores
indicadores de violações na distribuição.
Com o intuito de examinar as diferenças
entre sexos para variáveis contínuas de interesse (idade, anos de escolaridade
e dimensões ou totais dos instrumentos de medida) foi realizado o teste t de Student para amostras
independentes. Para medir a dimensão do efeito (i.e., da magnitude das
diferenças encontradas entre os grupos em comparação) calculou-se o Eta2
interpretado de acordo com as diretrizes de Cohen (1992).
Na cotação do instrumento em estudo,
seguiu-se as recomendações dos autores da versão original da escala (Patrick et al., 2002). O YQOL-R fornece um perfil de qualidade de vida
dos adolescentes através de quatro domínios (individual, relações socais,
ambiente e qualidade de vida geral), permitindo ainda, uma pontuação total de
qualidade de vida. Cada item contribui equitativamente para cada subescala.
Primeiro, os itens que estão formulados na negativa são cotados inversamente
(itens 21 e 28) e, assim, os resultados elevados representam elevados níveis de
qualidade de vida. Segundo, todos os itens são transformados numa escala de 0 a
100 pontos, usando a seguinte fórmula (nota t):
t = (pontuação no item – pontuação mínima da escala de
resposta) / pontuação máxima da escala de resposta x 100
Esta transformação converte as
pontuações baixas e altas em 0 e 100, respetivamente. As pontuações obtidas
entre estes valores representam a percentagem da pontuação total possível
alcançada. Após obter a pontuação t
para cada item, calcula-se a média para cada domínio e para o total percetual
de qualidade de vida.
No estudo exploratório das dimensões do
YQOL-R, recorreu-se à análise de componentes principais com rotação varimax ortogonal que permitiu analisar
o agrupamento das variáveis em fatores.
A análise da consistência interna dos
vários instrumentos de autorresposta foi calculada através do alfa de Cronbach,
uma vez que é considerada a melhor estimativa de fidelidade de um teste (Pallant, 2010).
Foi utilizado o coeficiente de
correlação de Pearson no estudo da estabilidade temporal do YQOL-R, bem como na
análise da sua validade convergente e divergente, tendo sido considerada a
convenção de Pestana e Gageiro (2008) na determinação das magnitudes das associações.
Para a determinação da estabilidade temporal do YQoL, procedeu-se a uma segunda
administração deste instrumento com um intervalo de três semanas, recorrendo a
uma subamostra aleatória da amostra inicial constituída por 56 adolescentes.
Análise fatorial exploratória dos itens
À semelhança do
procedimento estatístico utilizado no estudo original (Patrick et al., 2002) procedeu-se a uma análise fatorial exploratória
para analisar a estrutura dimensional da versão portuguesa do YQOL-R.
Num primeiro momento
foi averiguada a indicação do número de fatores a reter, tendo em conta o
critério de Kaiser, valor próprio (eigenvalue) igual ou superior a 1 (Marôco, 2010), e perceber se o mesmo era coincidente com a proposta dos autores.
Os resultados desta
primeira solução indicaram 8 fatores a explicarem 63,88% da variância total. No
entanto, pela observação do scree test
de Cattell, apontado como o melhor
método para a extração de fatores, existe uma maior inflexão da curva entre o
terceiro e o quarto componente. Consequentemente foi repetida a análise,
forçando o número de fatores a 4 componentes, o que é consistente com a
indicação teórica do modelo segundo os autores desta escala, utilizando-se a
rotação varimax ortogonal para a solução
de 4 fatores. Os resultados mostraram uma adequação da matriz [Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,95; teste de esfericidade de
Bartlett χ²(820) = 12397,77; p < 0,001] a explicarem 52,48% da
variância total.
Para a análise dos
dados foi considerado um valor de saturação fatorial dos itens superior a 0,30,
a não existência de saturações duplas (crossloadings)
e a constituição de cada fator pelo mínimo de três itens (Costello &
Osborne, 2005).
Verificou-se que o
item 31 (“gosto da minha vizinhança”) apresentou uma saturação fatorial
inferior a 0,30 nos quatro domínios, revelando ainda uma baixa correlação com
os restantes itens da escala, razão pela qual foi excluído da matriz,
repetindo-se seguidamente o mesmo procedimento estatístico.
A solução de 4
fatores sem o item 31 passou a explicar 53,55% da variância total. Na Tabela 1 são apresentadas as saturações e
comunalidades dos quatro fatores do YQOL-R.
|
Saturações Fatoriais e Comunalidades (h2)
para a Estrutura Fatorial da Versão Portuguesa do YQOL-R (N = 507) |
|
|||||
|
Item |
Fatores |
|
|
|||
|
1 |
2 |
3 |
4 |
h2 |
|
|
|
1. Eu continuo a tentar, mesmo
que não seja bem-sucedido(a) à primeira. |
0,12 |
0,33 |
-0,04 |
0,56 |
0,48 |
|
|
2. Eu consigo lidar com a
maior parte das dificuldades que surgem no meu caminho. |
0,04 |
0,56 |
0,06 |
0,44 |
0,52 |
|
|
3. Sou capaz de fazer a maior
parte das coisas tão bem quanto eu queria. |
0,06 |
0,62 |
0,01 |
0,35 |
0,51 |
|
|
4. Sinto-me bem comigo
mesmo(a). |
0,16 |
0,76 |
0,31 |
0,09 |
0,71 |
|
|
5. Sinto que sou importante
para os outros. |
0,13 |
0,69 |
0,32 |
0,14 |
0,61 |
|
|
6.
Sinto-me confortável com os meus sentimentos e comportamentos enquanto
rapaz/rapariga. |
0,25 |
0,62 |
0,36 |
0,11 |
0,59 |
|
|
7. Sinto energia suficiente
para fazer as coisas que eu quero fazer. |
0,21 |
0,57 |
0,23 |
0,23 |
0,48 |
|
|
8. Estou satisfeito(a) com a
minha aparência. |
0,16 |
0,71 |
0,31 |
0,06 |
0,64 |
|
|
9. Sinto-me capaz de lidar com
a quantidade de stress na minha
vida. |
0,16 |
0,70 |
0,21 |
0,15 |
0,59 |
|
|
10. Sinto que não há problema
se eu cometer algum erro. |
0,09 |
0,53 |
0,06 |
0,01 |
0,30 |
|
|
11. Sinto que a minha vida tem
significado. |
0,30 |
0,59 |
0,27 |
0,07 |
0,52 |
|
|
12. Os meus valores pessoais
dão-me força. |
0,31 |
0,61 |
0,23 |
0,27 |
0,60 |
|
|
13. Sinto que a maior parte
dos adultos me trata honestamente. |
0,51 |
0,29 |
0,19 |
0,26 |
0,45 |
|
|
14. Sinto que tenho a devida
atenção por parte da minha família. |
0,82 |
0,19 |
0,15 |
0,10 |
0,74 |
|
|
15. Sinto-me compreendido/a
pelos meus pais ou encarregados de educação. |
0,79 |
0,28 |
0,11 |
0,00 |
0,72 |
|
|
16. Sinto-me útil e importante
para a minha família. |
0,77 |
0,38 |
0,17 |
0,11 |
0,77 |
|
|
17. Sinto que a minha família
se preocupa comigo. |
0,85 |
0,17 |
0,15 |
0,14 |
0,80 |
|
|
18. A minha família
encoraja-me a fazer o meu melhor. |
0,83 |
0,18 |
0,11 |
0,13 |
0,75 |
|
|
19. Sinto que me dou bem com
os meus pais ou encarregados de educação. |
0,85 |
0,12 |
0,12 |
0,13 |
0,76 |
|
|
20. Sinto
que os meus pais permitem que eu participe nas decisões importantes que me
envolvem/afetam. |
0,64 |
0,12 |
0,11 |
0,25 |
0,50 |
|
|
21. Sinto-me sozinho(a) na
vida. |
0,17 |
0,32 |
0,49 |
0,05 |
0,37 |
|
|
22. Eu tento ser um modelo
para os outros. |
-0,02 |
0,36 |
-0,24 |
0,44 |
0,38 |
|
|
23. Eu posso dizer aos meus
amigos aquilo que eu realmente sinto. |
0,09 |
0,27 |
0,51 |
0,21 |
0,39 |
|
|
24. Sinto-me satisfeito/a com
os amigos que tenho. |
0,06 |
0,15 |
0,77 |
0,17 |
0,64 |
|
|
25. Sinto-me satisfeito/a com
a minha vida social. |
0,17 |
0,32 |
0,69 |
0,17 |
0,64 |
|
|
26. Sinto que posso participar
nas mesmas atividades que os outros da minha idade. |
0,23 |
0,21 |
0,61 |
0,17 |
0,49 |
|
|
27. As pessoas da minha idade
tratam-me com respeito. |
0,19 |
0,24 |
0,60 |
0,19 |
0,49 |
|
|
28. Sinto-me posto/a de parte
por ser como sou. |
0,13 |
0,16 |
0,49 |
-0,01 |
0,29 |
|
|
29. Sinto que a minha vida
está cheia de coisas interessantes para fazer. |
0,29 |
0,49 |
0,32 |
0,18 |
0,46 |
|
|
30. Gosto de experimentar
coisas novas. |
0,09 |
0,04 |
0,37 |
0,54 |
0,44 |
|
|
32. Tenho expectativas
(esperanças) em relação ao futuro. |
0,21 |
0,22 |
0,27 |
0,53 |
0,45 |
|
|
33. A minha família tem
dinheiro suficiente para viver uma boa vida. |
0,31 |
0,19 |
-0,00 |
0,46 |
0,34 |
|
|
34. Sinto-me seguro(a) quando
estou em casa. |
0,47 |
0,05 |
0,17 |
0,42 |
0,43 |
|
|
35. Sinto que estou a ter uma
boa educação. |
0,62 |
-0,01 |
0,26 |
0,40 |
0,61 |
|
|
36. Eu sei como obter a
informação de que necessito. |
0,26 |
0,06 |
0,27 |
0,59 |
0,49 |
|
|
37. Gosto de aprender coisas
novas. |
0,16 |
0,13 |
0,32 |
0,65 |
0,56 |
|
|
38. Sinto-me seguro(a) quando
estou na escola. |
0,29 |
0,14 |
0,24 |
0,35 |
0,28 |
|
|
39. Gosto da vida. |
0,39 |
0,47 |
0,37 |
0,21 |
0,55 |
|
|
40. Sinto-me satisfeito(a) com
a minha vida tal como é agora. |
0,43 |
0,51 |
0,37 |
0,13 |
0,60 |
|
|
41. Sinto que a vida vale a
pena. |
0,40 |
0,49 |
0,32 |
0,20 |
0,55 |
|
|
Valor próprio |
14,67 |
3,13 |
1,88 |
1,74 |
|
|
|
Variância explicada |
36,66 |
7,83 |
4,70 |
4,35 |
|
|
|
|
|
Após a análise da Tabela 1
foi possível verificar que o Componente 1 parece corresponder ao domínio das
relações sociais com 10 itens, o que no estudo original é composto por 14. O
Componente 2 parece corresponder ao domínio individual com 15 itens (14 na
versão original). O Componente 3 parece corresponder ao domínio do ambiente com
7 itens (10 na versão original). Por fim, o Componente 4 parece corresponder ao
domínio da qualidade de vida geral com 8 itens (3 na versão original) (Tabela 2).
|
Itens do YQOL-R da Versão Original e da Versão
Portuguesa |
|
||
|
Domínio |
Itens da versão original |
Itens da versão portuguesa |
|
|
Individual |
1, 2,
3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 21 e 28 |
2, 3,
4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 29, 39, 40, 41 |
|
|
Relações
sociais |
13,
14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27 |
13,
14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 34, 35 |
|
|
Ambiente |
29,
30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 |
21,
23, 24, 25, 26, 27, 28 |
|
|
Qualidade
de vida geral |
39,
40, 41 |
1, 22,
30, 32, 33, 36, 37, 38 |
|
|
Total |
1-41 |
1-40 |
|
Análise dos itens e consistência interna
O YQOL-R revelou ter uma consistência
interna razoável a muito boa, com valores de alfa de Cronbach de 0,93 para o
domínio individual, de 0,93 para o domínio das relações sociais, de 0,81 para o
domínio do ambiente e de 0,74 para o domínio da qualidade
de vida geral (Pestana & Gageiro, 2008).
Através da análise dos itens (Tabela 3) foi possível certificar que todos
mostram correlações item-total superiores ou iguais a 0,41, exceto o item 22
(“eu tento ser um modelo para os outros”) que apresentou uma correlação de
0,29. Quando eliminado este item, o valor de alfa de Cronbach não foi alterado,
pelo que foi decidido mantê-lo na escala.
|
Médias,
Desvios-Padrão, Correlações Item-Total e Coeficientes de Consistência
Interna Para Cada Item do YQOL-R |
|
||||
|
Itens |
M |
DP |
r item-total |
α de Cronbach
se o item for removido |
|
|
2 |
66,73 |
19,02 |
0,52 |
0,93 |
|
|
3 |
60,39 |
18,79 |
0,55 |
0,93 |
|
|
4 |
67,26 |
24,25 |
0,78 |
0,92 |
|
|
5 |
61,44 |
22,47 |
0,70 |
0,92 |
|
|
6 |
71,70 |
21,72 |
0,70 |
0,92 |
|
|
7 |
73,31 |
21,63 |
0,64 |
0,93 |
|
|
8 |
64,20 |
25,14 |
0,72 |
0,92 |
|
|
9 |
61,32 |
23,52 |
0,70 |
0,92 |
|
|
10 |
50,67 |
25,84 |
0,43 |
0,93 |
|
|
11 |
70,28 |
25,65 |
0,67 |
0,93 |
|
|
12 |
73,61 |
20,47 |
0,73 |
0,92 |
|
|
29 |
70,75 |
24,13 |
0,64 |
0,93 |
|
|
39 |
80,97 |
22,24 |
0,70 |
0,92 |
|
|
40 |
71,70 |
24,60 |
0,72 |
0,92 |
|
|
41 |
79,84 |
23,82 |
0,70 |
0,92 |
|
|
Domínio individual |
1024,16 |
244,60 |
— |
0,93 |
|
|
13 |
76,67 |
18,75 |
0,60 |
0,93 |
|
|
14 |
80,24 |
21,18 |
0,82 |
0,92 |
|
|
15 |
75,01 |
24,20 |
0,77 |
0,92 |
|
|
16 |
77,04 |
23,49 |
0,81 |
0,92 |
|
|
17 |
84,16 |
19,33 |
0,85 |
0,92 |
|
|
18 |
83,77 |
20,84 |
0,81 |
0,92 |
|
|
19 |
84,54 |
20,71 |
0,82 |
0,92 |
|
|
20 |
78,60 |
20,79 |
0,64 |
0,93 |
|
|
34 |
85,11 |
17,86 |
0,52 |
0,93 |
|
|
35 |
86,47 |
16,89 |
0,65 |
0,93 |
|
|
Domínio
relações sociais |
811,60 |
160,84 |
— |
0,93 |
|
|
21 |
71,56 |
28,67 |
0,49 |
0,80 |
|
|
28 |
74,32 |
28,04 |
0,43 |
0,81 |
|
|
23 |
69,19 |
22,75 |
0,48 |
0,79 |
|
|
24 |
79,49 |
19,19 |
0,64 |
0,77 |
|
|
25 |
73,83 |
21,18 |
0,67 |
0,76 |
|
|
26 |
79,84 |
21,26 |
0,58 |
0,77 |
|
|
27 |
76,29 |
19,27 |
0,61 |
0,77 |
|
|
Domínio
ambiente |
524,52 |
110,18 |
— |
0,81 |
|
|
1 |
71,24 |
18,78 |
0,44 |
0,71 |
|
|
22 |
49,15 |
28,77 |
0,29 |
0,76 |
|
|
30 |
84,85 |
18,21 |
0,45 |
0,71 |
|
|
32 |
79,23 |
20,84 |
0,54 |
0,69 |
|
|
33 |
71,08 |
21,71 |
0,41 |
0,71 |
|
|
36 |
82,86 |
15,64 |
0,50 |
0,70 |
|
|
37 |
86,25 |
16,02 |
0,57 |
0,69 |
|
|
38 |
74,06 |
22,45 |
0,41 |
0,72 |
|
|
Domínio
qualidade de vida geral |
598,74 |
98,12 |
— |
0,74 |
|
|
Nota. M
= Média; DP = Desvio padrão; r = correlação. |
|
Fidelidade
teste-reteste
A fim de analisar a estabilidade temporal, o YQOL-R foi
novamente administrado, três semanas mais tarde a um grupo de 56 adolescentes.
Os
resultados mostraram uma boa estabilidade temporal do instrumento para os
vários domínios, nomeadamente para o domínio individual (r = 0,87; p < 0,001), relações sociais (r = 0,79; p < 0,001), ambiente (r
= 0,76; p < 0,001), qualidade de
vida geral (r = 0,78; p < 0,001) e para o total do
questionário (r = 0,87; p < 0,001) (Pestana
& Gageiro, 2008).
Validade convergente e
divergente
Para
estudar a validade convergente e divergente do YQOL-R foi analisada,
respetivamente, a sua associação com o Kidscreen-27
e com a Escala da depressão, ansiedade e stresse (EADS-21).
Todas as dimensões do YQOL-R
(individual, relações sociais, ambiente e qualidade de vida em geral) estão
significativa e positivamente associadas a todas as dimensões da qualidade de
vida avaliadas pelo Kidscreen-27
(bem-estar físico, bem-estar psicológico, autonomia, grupo de pares e ambiente
escolar). Se tivermos em conta apenas o total do YOQL-R, verifica-se a
existência de uma associação positiva moderada a elevada com as dimensões do Kidscreen, o que atesta a sua validade
convergente (Tabela 4).
Quanto
à validade divergente, verifica-se que todas as dimensões da qualidade de vida
(YOQL-R) apresentam uma correlação significativa e negativa com a ansiedade,
depressão e stresse. Relativamente aos valores totais do YOQL-R, salienta-se
uma associação negativa alta com a depressão (r = -0,62), e moderada com o stresse (r = -0,46) e com a ansiedade (r
= -0,41). Por outras palavras, os adolescentes que percecionam níveis mais
elevados de qualidade de vida, demonstram menores níveis de depressão, stresse e ansiedade (ver Tabela 4).
Influência
do sexo, idade e ano de escolaridade
A
idade e os anos de escolaridade não se mostraram significativamente
correlacionados com os domínios da qualidade de vida (YQOL-R), ou seja, estas
variáveis parecem não ter um impacto na perceção da qualidade de vida nos
jovens.
Já em
relação à variável sexo, os resultados evidenciaram diferenças estatisticamente
significativas, à exceção dos domínios de relações sociais e qualidade de vida
geral, onde os valores médios não se distinguiram. Verificaram-se, por sua vez,
diferenças estatisticamente significativas em função do sexo para os domínios
individual (t = -5,40; p < 0,001), ambiente (t = -2,10; p = 0,036) e qualidade de vida total (t = -2,46; p = 0,014). Em
qualquer destes domínios os rapazes evidenciaram médias mais elevadas que as
raparigas (ver Tabela 5). De acordo com Cohen (1992), os valores de Eta2
revelam um tamanho do efeito insignificante ou pequeno.
|
Médias, Desvios-padrão
e Teste t de Student (Amostras Independentes) para a Verificação
das Diferenças de Género. |
|
|||||||
|
|
Rapazes (n
= 220) |
Raparigas (n
= 283) |
t |
p |
Eta2 |
|
||
|
YQOL-R |
M |
DP |
M |
DP |
|
|||
|
Individual |
72,53 |
14,32 |
65,02 |
16,99 |
-5,40 |
< 0,001 |
0,052 |
|
|
Relações sociais |
81,64 |
15,67 |
80,79 |
16,41 |
-0,59 |
0,553 |
|
|
|
Ambiente |
76,59 |
15,12 |
73,66 |
16,11 |
-2,10 |
0,036 |
0,009 |
|
|
Qualidade de vida geral |
74,64 |
12,42 |
75,00 |
12,16 |
0,32 |
0,749 |
|
|
|
YQOL total |
76,35 |
12,27 |
73,62 |
12,59 |
-2,46 |
0,014 |
0,012 |
|
|
Nota. YQOL-R = Youth Quality of Life Instrument-Research
Version. |
|
O presente estudo teve como objetivo
primordial a análise das qualidades psicométricas e validação do Youth Quality of Life (YQOL-R) para a
população portuguesa. Neste sentido, procedeu-se à análise da sua estrutura
fatorial, consistência interna, seguindo-se a avaliação da estabilidade
temporal e validade convergente e divergente.
A fim de testar a estrutura fatorial da
versão portuguesa do YQOL-R recorreu-se a uma análise fatorial confirmatória,
tendo, numa primeira fase, identificado o item 31 (“gosto da minha vizinhança”)
como apresentando uma saturação fatorial inferior a 0,30 nos quatro domínios (individual, relações sociais, ambiente e
qualidade de vida geral), revelando ainda uma baixa correlação com os
restantes itens da escala. Por este motivo, o referido item foi excluído da
matriz, repetindo-se seguidamente o mesmo procedimento estatístico. A solução
de 4 fatores sem o item 31 passou a explicar 54% da variância total.
Acrescenta-se ainda que a estrutura
fatorial da versão em estudo apresentou resultados variados comparativamente
com o estudo original, no entanto, estes são similares ao do estudo realizado
no Brasil sobre a adaptação do YQOL-R para a população brasileira (Salum, Patrick, Isolan, Manfro, & Fleck, 2012).
O facto de alguns itens terem migrado
para outros domínios pode ser justificado pelo conteúdo dos próprios itens. Por
exemplo, na análise exploratória do presente estudo, os itens alusivos à
amizade apresentaram cargas mais elevadas no domínio do ambiente do que no
domínio das relações sociais. Isto porque o domínio do ambiente apresenta vários
itens relacionados com o ambiente escolar (e.g., “sinto que posso participar
nas mesmas atividades que os outros da minha idade” e “as pessoas da minha
idade tratam-me com respeito”). Além disso, torna-se importante destacar que no
estudo original existem itens que saturam em mais do que um fator e os autores
optaram por mantê-los nos domínios formulados teoricamente. Este facto pode
comprometer as análises em outras amostras, e em especial noutros países,
devido a questões culturais e linguísticas.
Relativamente à análise dos itens e à
sua consistência interna, verificou-se que o YQOL-R apresenta uma boa qualidade
dos mesmos, não obstante a existência de um item (22) com um baixo valor de
correlação com o total da escala. Optou-se por não o retirar, uma vez que não
alterava a consistência interna da escala avaliada pela determinação do alfa de
Cronbach. À semelhança dos resultados obtidos no estudo original (Patrick et al., 2002), a versão portuguesa do YQOL-R obteve valores elevados
de consistência interna, sendo assim indicador de uma boa fidelidade deste
instrumento.
Quanto à estabilidade temporal, esta foi
avaliada com três semanas de intervalo, evidenciando os resultados uma boa estabilidade deste instrumento para
os vários domínios.
Foram obtidas correlações significativas
e no sentido esperado, quer com as subescalas do KidScreen (qualidade de vida), quer com as subescalas de depressão,
ansiedade e stresse, o que abona em favor da validade convergente e divergente
do YQOL-R.
Por último, quando analisada as
diferenças entre sexos em relação à perceção da qualidade de vida, verificou-se
que os rapazes evidenciaram médias mais elevadas relativamente às raparigas,
não obstante o referido efeito ser de tamanho pequeno. O mesmo resultado foi
encontrado no estudo de Gaspar e Matos (2008).
Apesar de os resultados das qualidades
psicométricas do YQOL-R na versão portuguesa serem adequados, o facto de se
tratar de um questionário de autorresposta baseado apenas nos relatos dos
adolescentes, pode ser uma limitação. Estudos futuros podem beneficiar de
entrevistas semiestruturadas e/ou multi-informadores para complementar a
avaliação da perceção de qualidade de vida nesta faixa etária.
Uma vez que na versão em estudo, vários
itens migram para outros componentes, o mesmo acontecendo no estudo brasileiro,
torna-se importante continuar a explorar e estudar os itens do YQOL-R em outras
amostras de adolescentes e em outros países.
Salienta-se ainda que os resultados não
podem ser generalizados para populações clínicas, pelo que estudos futuros
devem usar amostras clínicas.
Não obstante as referidas recomendações,
o presente estudo contribuiu para a disponibilização de um novo instrumento
para avaliação da qualidade de vida em crianças e adolescentes, o qual
evidenciou boas propriedades psicométricas, apoiando empiricamente a sua
utilização nas práticas de saúde e investigação em amostras da comunidade.
Deste modo é possível avaliar e comparar a qualidade de vida de grupos de
adolescentes vulneráveis (como por exemplo aqueles com disfunções ou cuidados
especiais de saúde) com grupos da população geral (Patrick et al., 2002), monitorizar a qualidade de vida relacionada com a
saúde, identificar as populações de risco, promover a saúde (Gaspar & Matos, 2008) e ainda, mensurar a satisfação de uma determinada
população relativamente ao sistema de saúde (Salum et al., 2012).
Conflito
de interesses: nenhum.
Fontes
de financiamento: nenhuma.
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