Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2023 Vol. 9(1): 1–26
Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2023 Vol. 9(1): 1–26
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga
e-ISSN 2183-4938


ARTIGO ORIGINAL

Supervisão clínica em promoção e proteção de crianças e jovens: Uma revisão narrativa

Clinical supervision in the child welfare and protection services: A narrative review

Carolina Coelho 1

Dora Pereira 2

Madalena Alarcão 3

(1) Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais (CIERL-UMa), Portugal
(2) Universidade da Madeira, Faculdade de Artes e Humanidades, Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais (CIERL-UMa), Portugal
(3) Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Centro de Estudos Sociais (CES), Portugal


Recebido: 19/09/2022; Revisto: 07/11/2022; Aceite: 16/02/2023.


https://doi.org/10.31211/rpics.2023.9.1.280

Publicação em Acesso Aberto
© 2023. O(s) Autor(es). Este é um artigo de acesso aberto distribuído
sob a Licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição
e reprodução sem restrições em qualquer meio, desde que o trabalho original
seja devidamente citado.

Carolina Coelho
Universidade de Coimbra, UMa-CIERL
9020–105, Funchal, Portugal
Tel.: +351 925708097
E-mail: carolina_vanessag@hotmail.com


Resumo

Contexto: As especificidades dos sistemas de promoção e proteção de crianças e jovens exercem um grande impacto no profissional e, consequentemente, no trabalho com as famílias, pelo que a supervisão clínica se constitui como um forte aliado na promoção do bem-estar e proficiência dos profissionais. Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo principal realizar uma revisão da literatura sobre a adequabilidade dos modelos de supervisão às especificidades do contexto de promoção e proteção de crianças e jovens, tendo em conta as funções de supervisão, modelos de supervisão e desafios do contexto. Métodos: Foi realizada uma revisão narrativa através da pesquisa de palavras-chave, leitura dos resumos de artigos encontrados e posterior leitura na integra dos artigos que se adequaram ao tema definido. Foram analisados artigos sobre supervisão e supervisão clínica em contextos sociais e de promoção e proteção de crianças e jovens. Resultados: Predomina a utilização de um modelo de supervisão de abordagem única ou de modelos ecléticos com abordagens teóricas divergentes entre si e que não atendem à complexidade dos sistemas familiares sinalizados. Conclusões: Defende-se um modelo com um referencial de leitura integrativo, mas, fundamentalmente, apoiado numa visão ecossistémica do mal trato da criança e do funcionamento familiar, que tenha conhecimento dos procedimentos da instituição e que promova um apoio efetivo ao profissional. Mais estudos devem ser realizados tendo em vista avaliar a influência efetiva da supervisão na prática do profissional com as famílias e a identificação das caraterísticas dos modelos que os tornam eficazes em promoção e proteção.

Palavras-Chave: Complexidade; Promoção e Proteção de Crianças e Jovens; Supervisão Clínica; Revisão Narrativa.


Abstract

Background and Aim: The specificities of child welfare and protection systems have a major impact on professionals and, consequently, on the work with families. Clinical supervision is a strong ally in promoting the well-being and proficiency of professionals. Objective: The main purpose of this study was to conduct a literature review on the appropriateness of supervision models to the specificities of the context of welfare and protection of children and young people, considering the roles of supervision, the supervision models, and the challenges of the context. Method: A narrative review was conducted by searching for keywords, reading the abstracts of the articles found, and reading in full the articles that fit the defined theme. Articles on supervision and clinical supervision in social and child and youth promotion and protection contexts were analyzed. Results: A single-approach supervision model or eclectic models with divergent theoretical approaches that do not address the complexity of the family systems identified predominates. Conclusions: We advocate a model with an integrative reading frame but fundamentally supported by an eco-systemic view of child maltreatment and family functioning, which is aware of the institution's procedures and promotes effective support to the professional. Further studies should be conducted to evaluate the effective influence of supervision on the practice of professionals with families and to identify the characteristics of the models that make them effective in promotion and protection.

Keywords: Complexity; Child Welfare and Protection; Clinical Supervision; Narrative Review.

Introdução

Os serviços de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens (PPCJ) intervêm num ambiente de elevada complexidade e ameaça à segurança e desenvolvimento das crianças. Os profissionais que trabalham em PPCJ enfrentam vários desafios que colocam em causa o seu desempenho e bem-estar decorrentes da própria natureza do contexto bem como da cultura organizacional predominantemente tecnocrática (Munro, 2020). Algumas das adversidades reportadas na literatura são: a forte rotatividade dos profissionais e o apoio insuficiente por parte da organização (Dillenburger, 2004; Tham, 2006; Truter & Fouché, 2019); a pressão para a tomada de decisões em condições desfavoráveis (Taylor et al., 2008); o escrutínio social (Munro, 2011; Taylor et al., 2008; Tham, 2006; Truter & Fouché, 2019); trabalhar num ambiente de risco e incerteza (Munro, 2011; Tham, 2006; Truter & Fouché, 2019); a multiplicidade, complexidade e gravidade dos casos com uma dificuldade aumentada de implementação de verdadeiras mudanças; a elevada carga de trabalho (Baugerud et al., 2018; Tham, 2006; Truter & Fouché, 2019); e, as ameaças à sua segurança (Chung & Choo, 2019; Lamothe et al., 2018; Tham, 2006). Estas variáveis estão associadas à perceção de menor autoeficácia do profissional (Berlanda et al., 2017; Dias, 2013) e à manifestação de condições como o burnout (Anderson, 2000; Baugerud et al., 2018; Chung & Choo, 2019; Conrad & Kellar-Guenther, 2006; Molnar et al., 2020) e a fadiga por compaixão (Baugerud et al., 2018; Conrad & Kellar-Guenther, 2006; Molnar et al., 2020). A interação entre todos estes elementos dificulta o quotidiano dos profissionais que trabalham no sistema de PPCJ, podendo contribuir para a diminuição da qualidade da sua intervenção. Esta diminuição decorre, habitualmente, de uma menor disponibilidade e capacidade para construir uma relação com a família e de uma maior dificuldade em conduzir uma avaliação aprofundada (Chung & Choo, 2019). Por sua vez, a concetualização do caso e a definição de um plano de intervenção ajustado às reais necessidades da criança e da família poderão ficar afetados.

Atendendo aos desafios mencionados, a supervisão clínica em PPCJ poderá constituir um elemento-chave para o desenvolvimento de aptidões que permitam ao profissional ser crítico da sua prática e realizá-la com maior segurança (Munro, 2010, 2020), promovendo a qualidade dos serviços prestados em PPCJ.

Neste âmbito, o presente artigo apresenta uma revisão narrativa da literatura sobre supervisão nos serviços de promoção e proteção de crianças e jovens. O objetivo deste trabalho é caraterizar, e refletir, sobre as funções da supervisão, os modelos de supervisão existentes e os desafios que o trabalho nos sistemas de PPCJ traz a este processo. Esta revisão afigura-se pertinente na medida em que pode contribuir para a diferenciação da atividade de supervisão no contexto de promoção e proteção, explorando-se as potencialidades e limitações dos modelos atuais à luz dos desafios específicos que o mesmo coloca.

Método

Procedimentos

A revisão narrativa foi realizada tendo por base três questões de investigação:

  1. “Que modelos de supervisão existem em PPCJ?”;

  2. “Quais as funções da supervisão?”;

  3. “Quais os desafios que a supervisão em contexto de PPCJ deve considerar?”.

Foi efetuada uma pesquisa de literatura no EBSCO Discovery Service, Google Académico, JSTOR, RCAAP, e SCOPUS, tendo sido considerados artigos com revisão por pares e livros redigidos em língua inglesa e portuguesa, publicadas entre 1980 e 2021. Como palavras-chave foram utilizados os termos “supervisão”, “supervisão clínica” e “promoção e proteção de crianças e jovens”, tendo em vista identificar literatura importante sobre supervisão clínica no contexto de promoção e proteção de crianças e jovens. Um segundo momento implicou a leitura dos resumos dos artigos e das introduções dos livros encontrados para identificar a bibliografia adequada ao tema em análise. Posteriormente, foi realizada uma leitura e discussão crítica dessas fontes bibliográficas.

Resultados

Modelos de Supervisão Clínica

Kadushin e Harkness (2014) definem a supervisão como um serviço indireto entre o supervisor e o cliente, em que a interação com o supervisando1 tem como objetivos contribuir não só para a sua qualificação e desenvolvimento, mas, também, para aumentar a qualidade do apoio ao cliente. No entanto, e ainda que o seu principal objetivo seja aumentar a qualidade do serviço prestado pelo supervisionando, a supervisão pode, na sua concretização, ser orientada por diferentes modelos teóricos.

Segundo Bernard e Goodyear (2014), os modelos de supervisão clínica podem ser agrupados em modelos de primeira ou de segunda geração. Nos de primeira geração enquadram-se os modelos baseados em abordagens psicoterapêuticas, os modelos desenvolvimentais e os modelos do processo de supervisão. Os de segunda geração incluem modelos combinados, modelos centrados em questões específicas e modelos de fatores comuns.

Modelos de Primeira Geração

Os modelos de supervisão baseados em abordagens psicoterapêuticas englobam, segundo Bernard e Goodyear (2014), o psicodinâmico, o humanístico, o cognitivo-comportamental, o sistémico e o construtivista. Smith (2009) inclui ainda o modelo feminista. É neste grupo que se encontram os principais modelos habitualmente utilizados em contexto de PPCJ (Karpetis, 2019). Uma breve descrição destes modelos é realizada na Tabela 1. A principal vantagem da supervisão realizada segundo uma abordagem psicoterapêutica específica consiste em aumentar o domínio teórico do modelo e das estratégias e técnicas associadas, sendo que várias técnicas usadas em terapia são também usadas em supervisão (Bernard & Goodyear, 2014). A supervisão pode ser realizada de várias formas, ora incidindo sobre a discussão de caso e/ou simulação de uma sessão, trabalhando a avaliação diagnóstica e a definição e especificação do plano de intervenção, ora incindido sobre a reflexão de como o processo terapêutico se cruza com as vivências do próprio terapeuta (Bernard & Goodyear, 2014).

Os modelos desenvolvimentais, sintetizados na Tabela 2, são estruturados em torno das necessidades do profissional em supervisão, descrevendo um conjunto de fases progressivas com caraterísticas e aptidões específicas pelas quais o supervisando deve passar tendo em vista o seu desenvolvimento profissional. Estes modelos implicam uma avaliação mais explícita do nível desenvolvimental do profissional, nomeadamente quanto à sua experiência, estilo de aprendizagem e nível de competência (Haynes et al., 2003). Neste grupo, enquadram-se modelos como o de Loganbill et al. (1982), o Modelo Desenvolvimental Integrativo (Stoltenberg & McNeill, 2010), o Modelo de Supervisão Cognitivo-Desenvolvimental Sistémico (Rigazio-DiGilio et al., 1997), o Modelo Desenvolvimental Reflexivo (Young et al.,2011), e o Modelo Desenvolvimental do Ciclo de Vida de Rønnestad e Skovholt (2003). Como os modelos desenvolvimentais se focam no processo de aprendizagem do supervisando, exigem que o supervisor esteja atento às suas necessidades ao longo das diferentes fases e que o apoie tendo em conta a fase em que se encontra (Smith, 2009).

Ao contrário do que acontece na supervisão baseada em modelos psicoterapêuticos específicos, nos modelos desenvolvimentais de supervisão o supervisionando não fica teoricamente ligado a um modelo psicoterapêutico, especialmente quando se encontra numa fase precoce da sua carreira (Bernard & Goodyear, 2014).

Outro grande grupo identificado por Bernard e Goodyear (2014) engloba os modelos focados no processo da supervisão, em que a tónica é colocada na forma como a supervisão é desenvolvida. Estes modelos baseiam-se num ecletismo teórico e de técnicas, e são exemplos o Modelo Discriminativo (Bernard, 1979), o Modelo Centrado em Eventos (Ladany et al., 2005), o Modelo do Processo de Supervisão “Seven Eyed” (Hawkins & Shohet, 2006) e a Abordagem Sistémica ao Modelo de Supervisão de Holloway (Holloway, 1995, 2016). Uma breve caraterização destes modelos é realizada na Tabela 3. As vantagens mais evidentes dos modelos de supervisão focados no processo e conteúdo são a maior descrição do processo de supervisão, enunciando temas, fenómenos, funções, estratégias e/ou tarefas que devem ser atendidos ao longo da supervisão, e a possibilidade de serem aplicados à luz de qualquer orientação teórica psicoterapêutica e/ou desenvolvimental (Bernard & Goodyear, 2014).

Tabela 1

Breve caraterização dos modelos de supervisão baseados em abordagens psicoterapêuticas.

Modelo

Pressupostos teóricos

Aspetos fundamentais da supervisão

Psicodinâmico

O inconsciente motiva o comportamento.

A transferência e contratransferência são centrais na terapia (Turney & Ruch, 2015).

Centralidade da relação e aliança terapêutica (Karpetis, 2019; Turney & Ruch, 2015).

O supervisor tem um papel didático (Frawley-O’Dea & Sarnat, 2001).

Deve contemplar a exploração de resistências e ansiedades e identificar os mecanismos de defesa prejudiciais à relação terapêutica (Frawley-O’Dea & Sarnat, 2001; Karpetis, 2019). A análise da contratransferência assume um papel fundamental (Frawley-O’Dea & Sarnat, 2001).

Pode basear-se no autorrelato do profissional ou na análise da gravação da sessão (Karpetis, 2019).

Humanista

O ser humano tem uma tendência inata para a auto-atualização e a consciência experiencial é um catalisador de mudança (Farber, 2012). As pessoas atribuem significados às suas experiências através dos sentimentos que são usados enquanto feedback para compreender-se a si próprio e aos outros (Karpetis, 2017).

O supervisor apresenta uma postura não diretiva, promotora de uma relação de abertura e confiança com o profissional (Abrell, 1974; Haynes et al., 2003).

A supervisão deve estimular competências que promovam a consciência experiencial nos clientes e a análise de padrões de evitamento e resistência (Farber, 2012).

Pode basear-se na análise da gravação da sessão, em transcrições de entrevistas e/ou na leitura dos diários do profissional (Farber, 2012).

Cognitivo-Comportamental

Foco nas crenças e esquemas maladaptativos, no comportamento observável e na aprendizagem (Haynes et al., 2003; Smith, 2009).

Os comportamentos são aprendidos e mantêm-se pelas suas consequências (Bernard & Goodyear, 2014).

O supervisor assume uma posição de perito, assumindo um papel didático (Friedberg, 2018) e promovendo a descoberta guiada (Kattan, 2013).

No início da supervisão deve ser realizado um contrato com informações como o agendamento das sessões, objetivos e competências a desenvolver pelo supervisando (Schmidt, 1979).

Pode basear-se na análise da gravação em vídeo ou áudio da atuação do profissional. Utiliza técnicas como a prescrição de trabalhos de casa, role-playing, exploração colaborativa, modelação (Alfonsson et al., 2020; Friedberg, 2018; Liese & Beck, 1997); e análise pensamentos automáticos (Kattan, 2013).

Utiliza manuais de treino no desenvolvimento do supervisando e de instrumentos estandardizados para avaliação da supervisão e prática profissional (Kattan, 2013).

Construtivista

A realidade é uma construção subjetiva do observador com base nas interações sociais (Bernard & Goodyear, 2014).

O supervisor tem uma posição de igualdade e curiosidade, desempenhando também um papel de consultor.

A supervisão deve proporcionar um ambiente propício à descoberta e crescimento do profissional e auxilia-lo na construção da sua realidade e na compreensão da sua relatividade (Bernard & Goodyear, 2014).

Pode basear-se na visualização de vídeos, na análise de narrativas e/ou na observação da atuação do profissional em direto. Pode, ainda, introduzir equipas de reflexão (Whiting, 2007).

Sistémico

Foco na natureza dos sistemas e na interação entre as suas partes e destas com outros sistemas (Beck et al., 2008).

A família é perita da sua própria história e o profissional é perito na condução do processo.

O supervisor deve estimular a reflexão do supervisando sobre padrões interacionais (intrafamiliares e intersistémicos) (Ruch, 2007), não esquecendo de conceptualizar o funcionamento familiar e as suas dificuldades no ecossistema da própria família. A formulação de hipóteses sistémicas (Bostock et al., 2019) e o desenvolvimento de novas visões (e.g., através do questionamento circular (Bagge, 2017), do reenquadramento (Ruch, 2007), da equipa reflexiva assumem-se como fundamentais. A análise das ressonâncias pessoais é também objeto da supervisão (Bagge, 2017; Bingle & Middleton, 2019). Pode basear-se na análise da atuação do profissional ao vivo ou em vídeo.

Feminista

As experiências de um indivíduo refletem as atitudes e valores da sociedade, sendo a patologia consequência da rigidez e enviesamentos dos sistemas em que se insere (Brown, 2016).

O supervisor apresenta uma posição de igualdade e parceria com o profissional, adotando o pressuposto da ausência de conhecimento (Smith, 2009).

Deve promover a reflexão crítica do supervisando (Smith, 2009), ajudando-o a refletir sobre como a sua prática sustenta, ou contraria, as normas opressivas e a marginalização sistémica nos seus processos de psicoterapia e em contexto social (Brown, 2016).

Deve, também, possibilitar a análise de experiências opressivas do supervisando (Prouty et al., 2001) recorrendo a técnicas como o genograma e a inversão de papeis de género na discussão dos casos (Degges-White et al., 2012).

Pode basear-se na visualização de gravações de vídeo ou áudio da atuação do profissional, ou incluir o cliente numa sessão de supervisão (Degges-White et al., 2012).

Tabela 2

Breve caraterização dos Modelos Desenvolvimentais de Supervisão.

Modelos

Pressupostos teóricos

Fases de Desenvolvimento (em supervisão)

Aspetos fundamentais da supervisão

Modelo de Loganbill et al. (1982)

Teorias do desenvolvimento infantil e adolescente de Erik Erikson e Margaret Mahler. Teoria do desenvolvimento de Arthur Chickering (Loganbill et al., 1982).

Considera 3 fases: 1. Estagnação, 2. Confusão, 3. Integração (Loganbill et al., 1982).

Implica que o supervisor acompanhe o desenvolvimento do supervisando ao longo de 24 posições desenvolvimentais diferentes (8 focos x 3 fases) (Bernard & Goodyear, 2014).

Identifica 8 domínios do supervisando que devem ser promovidos em supervisão: competência, autonomia, consciência emocional, identificação teórica, respeito pelas diferenças individuais, propósito e direção, motivação pessoal e ética profissional;

O modelo apresenta 5 categorias de intervenção do supervisor, em que uma das quais é mais focada no bem-estar do cliente (a prescritiva), e as restantes no desenvolvimento do profissional (a facilitadora, a confrontativa, a concetual e a catalítica).

O supervisor deve ser genuíno e otimista quanto ao desenvolvimento do supervisando, ter sentido de humor, ser capaz de estabelecer relações significativas com os outros, e ter abertura à fantasia e imagética (Loganbill et al., 1982).

Modelo Desenvolvimental Integrativo de Stoltenberg et al. (1998)

Integra o contributo das teorias da motivação e do:

i) Modelo de aprendizagem cognitiva;

ii) Modelo de influência interpessoal;

iii) Modelo de aprendizagem social;

iv) Modelos do desenvolvimento humano (Stoltenberg et al., 1998; Stoltenberg & McNeil, 2010).

Considera 3 níveis desenvolvimentais do supervisando:

Nível 1: Apresenta uma experiência muito limitada e a supervisão é mais focada no seu raciocínio e desempenho;

Nível 2: Transição de um estado de elevada dependência e imitação para um estado mais estruturado permite que a supervisão se foque no cliente; Nível 3: É mais autónomo e reflexivo, e a sua prática é mais personalizada, fazendo uso do self; Nível 3i (integrado): Faz a integração dos domínios de nível 3, generalizando conhecimentos e aptidões de um domínio para os outros, e aumentando a facilidade de transição entre os mesmos (Stoltenberg & McNeil, 2010).

Cada nível é caraterizado por mudanças em 3 domínios fixos: autoconsciência e consciência em relação aos outros, motivação e autonomia do supervisando (Stoltenberg et al., 2014).

Considera 8 domínios do desenvolvimento do supervisando: competências de intervenção, técnicas de avaliação, avaliação interpessoal, conceptualização, diferenças étnicas e culturais, orientação teórica, definição de objetivos e planeamento da intervenção, e ética profissional (Stoltenberg & McNeil, 2010).

O modelo disponibiliza 5 categorias de intervenção: facilitadora, prescritiva, concetual, catalítica e confrontativa. O supervisor deve explorar como o profissional desenvolve esquemas úteis para conduzir a terapia, e adaptar a sua intervenção ao nível do supervisando e ao domínio explorado. Pode, neste sentido, alternar entre uma postura autoritária e uma postura facilitadora (Stoltenberg et al., 2014).

Modelo de Supervisão Sistémico e Cognitivo- desenvolvimental de Rigazio-DiGilio, Daniels e Ivey (1997).

Integra o contributo de vários modelos:

i) Desenvolvimental Integrativo de Stoltenberg et al. (1998),

ii) De Supervisão Desenvolvimental ao longo do ciclo da vida de Rønnestad e Skovholt (2003)

iii) De Supervisão Sistémica (Carlson & Lambie, 2012).

Considera 4 orientações cognitivas do supervisando:

  1. Orientação sensoriomotora, em que é afetado emocionalmente pelas suas experiências e tendem a atuar com base no que sentem ser correto; 2. Orientação concreta, em que o analisa o mundo através de uma lente linear de causa-efeito, tentando prever o comportamento dos seus clientes; 3. Orientação formal, em que é reflexivo e analisa o mundo através de múltiplas perspetivas; 4. Orientação Dialética, em reflete sobre como raciocina, desafiando os seus próprios pressupostos que orientam a conceptualização de caso (Rigazio-DiGilio et al., 1997).

O supervisor deve ajudar o supervisando a expandir a forma como aprende e analisa a informação, contrariando a tendência para restringir-se à sua orientação cognitiva primária.

Neste âmbito, deve identificar a orientação cognitiva primária do supervisando e promover a flexibilidade na forma como este interpreta a realidade.

Pode alternar entre os estilos diretivo, semidiretivo e colaborativo e utilizar variadas técnicas (e.g., role-playing, escultura sistémica, e identificação de padrões).

Possibilita a supervisão ao vivo (Rigazio-DiGilio, 2014).

Modelo Desenvolvimental Reflexivo

(Young et al., 2011)

Baseado nos seguintes princípios:

i) a supervisão depende do contexto;

ii) o conhecimento é construído em conjunto;

iii) o conhecimento é adquirido através de experiências pessoais e profissionais;

iv) o conhecimento teórico testado na prática resulta em sabedoria clínica (Young et al., 2011).

Considera 3 níveis hierárquicos e sequenciais:

Nível 1: O supervisando apresenta uma capacidade limitada para formular questões e considerar outras perspetivas em relação aos pensamentos, emoções e ações dos clientes; focado na sua prática; apresenta-se ansioso e confuso; pouco flexível a mudanças.

Nível 2: Questiona ativamente os pensamentos, emoções e ações dos clientes, e é capaz de considerar outras perspetivas; focado na sua prática e no cliente; alterna entre estados de clareza e confusão, e confiança e dúvida; começa a resolver situações com que não está familiarizado.

Nível 3: Questiona ativamente os seus pensamentos, emoções e ações, bem como os dos clientes; focado no cliente, em processos pessoais de influência na sua prática e na interação entre estes dois; confiante, autónomo e empático; adapta a sua abordagem às necessidades do cliente.

Cada nível apresenta 3 categorias: a) reflexividade; b) qualidades afetivas; c) capacidade de adaptação (Young et al., 2011).

Distingue 5 processos de supervisão: relação de supervisão, avaliação do nível de desenvolvimento do supervisando, adaptação contextual, aquisição de aptidões e transição profissional.

O supervisor deve ouvir ativamente, refletir e questionar por forma a avaliar as 3 categorias propostas e identificar o nível do supervisando.

Deve facilitar processos reflexivos e explorar os pensamentos, ações e emoções do profissional.

Pode recorrer a atividades artísticas expressivas e à análise de múltiplas perspetivas, imagens e ações para reenquadrar um evento.

Deve alternar entre o papel de professor e o de consultor, equilibrando o desafio e o apoio que dá ao supervisando.

Deve ter em conta a contratransferência, a transferência e o processo paralelo (Young et al., 2011).

Modelo Desenvolvimental ao Longo do Ciclo da Vida de Rønnestad e Skovholt (2003)

O desenvolvimento profissional prolonga-se ao longo da vida (Rønnestad & Skovholt, 2003).

Considera 6 fases no desenvolvimento do supervisando: 1. Ajudante leigo, que identifica o problema e aconselha com base na sua própria experiência; 2. Estudante inicial, que se sente vulnerável e duvida da sua capacidade, procurando imitar profissionais experientes; 3. Estudante avançado, que adota um estilo conservador e cuidadoso; 4. Profissional iniciante, que integra progressivamente a sua personalidade na forma como realiza o seu trabalho; 5. Profissional experiente, que já desenvolveu um estilo profissional compatível com os seus valores, e compreende a importância da relação terapêutica na promoção da mudança do cliente; 6. Profissional sénior, que apresenta abordagens individualizadas e autênticas, é mais modesto quanto ao seu impacto nos clientes e tende a ser mais cuidadoso na integração de novidades na sua prática (Rønnestad & Skovholt, 2003).

Identifica 14 temas que caraterizam o desenvolvimento do supervisando.

O supervisor deve facilitar o autoconhecimento e o crescimento profissional do supervisando por forma a promover a integração pessoal e profissional de ordem superior.

Deve ser realizada a análise de esquemas de evitamento e/ou compensatórios, de resistências, do processo paralelo, e de transferências e contratransferências (Rønnestad & Skovholt, 2003).

Tabela 3

Breve caraterização dos Modelos do Processo e Conteúdo da Supervisão.

Modelos

Pressupostos teóricos

Aspetos Fundamentais da Supervisão

Modelo Discriminatório de Bernard (1979)

Considera que a supervisão deve ter em conta o desenvolvimento de aptidões do supervisando em 3 focos: 1. Processo/Intervenção (os comportamentos observáveis do supervisando); 2. Conceptualização (o entendimento clínico que o supervisando tem do cliente); 3. Personalização (como o supervisando integra o seu estilo individual no processo terapêutico enquanto evita a contaminação da sua prática por questões pessoais e processos de contratransferência).

O supervisor pode desempenhar, tendo em conta as aptidões do supervisando nos focos anteriores, 3 papeis: i. Professor, quando o supervisando precisa de uma intervenção estruturada, com instruções, feedback direto e modelação de aptidões; ii. Conselheiro, para a promoção da reflexividade sobre o impacto de questões pessoais do supervisando na sua prática; iii. Consultor, para estimular o supervisando a pensar e a agir autonomamente.

Neste sentido, o supervisor terá de alternar entre nove modos (3 focos x 3 papéis) entre sessões e ao longo de cada sessão de supervisão (Bernard, 1979).

O Modelo baseado em eventos de et al. (2005)

Baseia-se no pressuposto de que, em semelhança à terapia, a supervisão consiste em tarefas que devem ser realizadas ou dilemas que devem ser resolvidos (Ladany et al., 2005).

O supervisor deve atentar a marcadores que dão origem a um evento (e.g., silêncio prolongado ou faltas que sugiram conflito) e posteriormente identificar a tarefa relacionada (e.g., resolver o conflito) (Ladany et al., 2005).

Indica 7 eventos que ocorrem mais frequentemente: 1) remediação de dificuldades/competências; 2) aumento da consciência multicultural; 3) negociação de conflitos de papéis; 4) análise da contratransferência; 5) gestão da atração sexual supervisando-cliente; 6) esclarecimento de mal-entendidos relacionados com o género; e 7) exploração de pensamentos, sentimentos, comportamentos problemáticos (Bernard & Goodyear, 2014).

O supervisor deve intervir nos eventos que surgem através da análise de tarefas, contemplando três componentes: os marcadores, o ambiente da tarefa e a resolução (Ladany et al., 2005).

O Modelo do Processo de Supervisão “Seven Eyed” de Hawkins & Shohet (2006)

Integra conhecimentos das abordagens:

  1. Psicodinâmica

  2. Sistémica

(Bernard & Goodyear, 2014).

Define 7 fenómenos que a supervisão deve focar, no momento que for considerado mais adequado pelo supervisor: 1. no cliente, através da narrativa que o supervisando tem das sessões de terapia e de comportamentos verbais e não verbais do cliente; 2. na exploração de estratégias e intervenções que o supervisando fez uso; 3. na relação que o supervisando e o cliente constroem conjuntamente; 4. nos processos internos do supervisando, incluindo a contratransferência; 5. na relação de supervisão tendo em conta o processo paralelo; 6. nos processos internos do supervisor, inclusive processos de contratransferência; 6a. na relação supervisor – cliente e possíveis idealizações que ambas as partes possam ter; 7. no contexto em que estão inseridos o supervisor e profissional (Hawkins & Shohet, 2006; Scaife, 2019).

Considera ainda 5 fatores: i) o estilo e papel do supervisor; ii) o nível desenvolvimental do supervisando; iii) a orientação teórica do supervisor e do supervisando; iv) o contrato de supervisão; e v) o setting de supervisão (Hawkins & Shohet, 2006; Scaife, 2019). É um modelo de dupla matriz, em que atenta à matriz supervisando — cliente — e à matriz supervisando — cliente através da matriz supervisando — supervisor com recursos a técnicas focadas no momento/ imediato.

Utiliza técnicas como a análise da transferência e contratransferência, a identificação de padrões do funcionamento, a criação de metáforas representativas das relações e a exposição imaginária a situações (Scaife, 2019).

Abordagem Sistémica ao Modelo de Supervisão de Holloway (1995)

Integra conhecimentos das abordagens:

i) Sistémica (Bernard & Goodyear,2014);

ii) Relacionais de Miller (1976), Mueller e Kell (1972), Rabinowitz et al. (1986) e Scaife (2019).

Considera 7 dimensões a serem tidas em conta em supervisão: a relação de supervisão, o cliente, o supervisando, as tarefas de aprendizagem, as funções do supervisor, o supervisor e a organização.

Identifica cinco funções do supervisor e cinco tarefas de aprendizagem/ de competências do supervisando em que a supervisão se deve focar.

Funções do supervisor: aconselhar e instruir; apoiar e partilhar; consultoria; modelação; monitorização e avaliação;

Tarefas de aprendizagem: competências terapêuticas; conceptualização de caso; consciência intra e interpessoal; papel do profissional, incluindo questões éticas; autoavaliação (Holloway, 1995; 2016).

O supervisor deve promover a autorreflexão do supervisando em vez de dar a sua opinião quanto ao desempenho deste (Bernard & Goodyear, 2014; Holloway, 1995; Scaife, 2019).

Modelos de Segunda Geração

De acordo com Bernard e Goodyear (2014), os modelos de segunda geração resultam da integração de modelos da primeira geração ou da ênfase na exploração de questões específicas. Os autores dividem-nos em três categorias: modelos combinados, modelos centrados em questões específicas e modelos de fatores comuns.

Um modelo combinado resulta da integração de modelos distintos, nomeadamente de dois modelos psicoterapêuticos, de um modelo psicoterapêutico e de um modelo desenvolvimental, ou de um modelo desenvolvimental e outro de processo. Bernard e Goodyear (2014) dão como exemplo Pearson (2006) que estrutura um exemplo claro de um modelo combinado, articulando um modelo do processo de supervisão, o Modelo Discriminativo de Bernard, com diferentes modelos de supervisão psicoterapêuticos, nomeadamente o cognitivo comportamental.

Por sua vez, os modelos centrados em questões específicas agregam alguns aspetos de diferentes modelos para responder a uma determinada questão da supervisão. O Modelo Sinergético para Supervisão Multicultural inclui o Modelo da Taxonomia de Bloom (um modelo compreensivo da complexidade das tarefas cognitivas), o Modelo Heurístico de Desenvolvimento Interpessoal Não Opressivo (que se foca na aprendizagem sobre o multiculturalismo e aptidões relacionadas) e o Modelo de Competências de Aconselhamento Multicultural para promover o desenvolvimento de competências multiculturais nos supervisandos (Bernard & Goodyear, 2014). Incluem-se nesta categoria os modelos críticos que visam trabalhar, entre outros temas, a reflexão crítica do profissional quanto a desequilíbrios de poder na prática do profissional, mas também os modelos administrativos, que centram a sua atuação no cumprimento procedimental, e os modelos focados nas forças do cliente que têm ganho visibilidade em PPCJ (e.g., Lietz & Rounds, 2009; Lietz et al., 2014).

Os modelos de fatores comuns agregam aspetos transversais aos diversos modelos de supervisão existentes. A título de exemplo, Lampropoulos (2003) propõe os seguintes fatores comuns:

  1. A relação supervisor-supervisando;

  2. O apoio e alívio do stress e ansiedade;

  3. A promoção da esperança e elevação das expetativas;

  4. A autoexploração, alerta e insight;

  5. O racional teórico e metodologia;

  6. A exposição e confronto dos problemas;

  7. A aquisição e avaliação de novos conhecimentos;

  8. O domínio de novos conhecimentos.

Apesar da sua diversidade, os modelos de supervisão oferecem um quadro conceptual orientador do processo de supervisão e tendem a partilhar os objetivos de apoio, educação e desenvolvimento do profissional, tendo em vista ajudá-lo a alcançar a proficiência e, consequentemente, a proporcionar um melhor serviço ao cliente. Podem, como foi referido, diferir entre si quanto ao racional teórico subjacente, às técnicas e recursos utilizados, ao foco do supervisor (mais centrado no desenvolvimento do profissional, na resposta ao cliente ou na estrutura do processo) e ao exercício do poder (supervisor mais diretivo e autoritário ou mais colaborativo). Apesar da aplicação de técnicas comuns ao processo terapêutico (e.g., questionamento reflexivo, conotação positiva), da preocupação com o bem-estar do profissional e da exploração de ressonâncias pessoais do profissional, o processo de supervisão clínica não deve ser confundido com uma intervenção psicoterapêutica.

Atendendo à abundância de modelos, a escolha de um modelo de supervisão poderá assumir-se como um desafio, mas constitui um fator fundamental no apoio ao trabalho dos profissionais. A atenção às caraterísticas do contexto, ao tipo de clientes e suas problemáticas, às caraterísticas do supervisando e às evidências existentes, são aspetos que deverão sustentar esta decisão, especialmente quando se trata do contexto de promoção e proteção à infância.

Funções da Supervisão: Administrativa, Educacional e de Apoio

A supervisão clínica constitui um forte aliado na promoção do bem-estar dos profissionais, no aumento da perceção de autoeficácia profissional (Collins-Camargo & Millar, 2010; Collins-Camargo & Royse, 2010; Gibbs, 2001; Molnar et al., 2020; Westbrook et al., 2006), na satisfação com o trabalho (Carpenter et al., 2013) e no aumento da sua perceção relativa ao apoio oferecido pela organização (Collins-Camargo & Millar, 2010), elementos críticos para evitar a saída dos profissionais dos serviços de PPCJ (Bostock et al., 2019; Carpenter et al., 2013; Chen & Scannapicio, 2010; Collins-Camargo & Royse, 2010; Molnar et al., 2020; Westbrook et al., 2006).

Apesar da supervisão pretender aumentar a qualidade do trabalho realizado com as famílias, a evidência de que tal objetivo é alcançado é escassa (Carpenter et al., 2013; O’Donoghue & Tsui, 2013), provavelmente pela dificuldade em definir indicadores que traduzam efetivamente o aumento da qualidade da prática do profissional. De entre os estudos existentes, o estudo de Harkness (1997) verificou uma associação entre a aplicação de estratégias de resolução de problemas em supervisão e a concretização, por parte do cliente, dos objetivos de mudança. O estudo de Burke (1997) reportou que mais casos de risco foram resolvidos quando o profissional teve quatro ou mais sessões de supervisão em comparação com profissionais que tiveram três ou menos sessões de supervisão. Uma breve caraterização dos estudos reportados no presente artigo pode ser consultada na Tabela 4.

No entanto, habitualmente a avaliação do impacto da supervisão é realizada com instrumentos preenchidos pelo supervisando, com base na sua perceção relativamente à melhoria de determinadas aptidões ou indicadores de bem-estar (e.g., Lietz, 2008), como demonstra a Tabela 4, o que por si só pode não se traduzir num aumento efetivo da qualidade do serviço prestado (Bostock et al., 2019).

Tabela 4

Síntese de estudos realizados sobre os resultados da supervisão em PPCJ dos artigos incluídos no presente estudo.

Estudo

Supervisores

Supervisandos

Caraterísticas da Supervisão

Método de Avaliação da Qualidade da Supervisão

Resultados da Avaliação da Qualidade Supervisão

Bostock et al. (2019)

Um supervisor com formação em serviço social apoiado por um clínico com formação em terapia familiar sistémica.

37 profissionais formados em serviço social, 14 profissionais especializados em PPCJ, 9 médicos, 14 coordenadores da unidade de PPCJ e 10 com outras formações académicas.

Supervisão sistémica.

Sessões semanais com duração entre 1h30m e 4h00.

Em média, grupos de 6 supervisandos por sessão (min. 5, max. 8).

Observação estruturada e emparelhada entre 14 sessões de supervisão e 18 sessões de intervenção com as famílias. A observação foi realizada com base em grelhas preparadas para este estudo.

Associação significativa entre a qualidade da discussão sistémica na supervisão e as conversas que os supervisandos têm com as famílias na sua prática profissional.

A qualidade da supervisão está positiva e moderadamente associada com a boa autoridade, i.e., com uma hierarquia horizontal, e fortemente associada ao desenvolvimento de aptidões relacionais e à capacidade de ser empático.

A qualidade da supervisão está associada a uma prática centrada na criança e mais bem articulada.

Burke (1997)

Sem informação.

Profissionais da área social que trabalham em PPCJ.

Duração de 1 ano.

Aplicação de um questionário que analisa decisões de intervenção relativas a 312 casos tendo em conta o número de sessões de supervisão por caso. Avalia variáveis do supervisando, a sua relação com o cliente e as decisões finais dos casos.

Quatro ou mais sessões de supervisão, por caso considerado de risco, resultaram um maior número de decisões bem-sucedidas.

Carpenter et al. (2013)

Sem informação.

Estudos cujos participantes são profissionais formados em serviço social e em promoção e proteção de crianças e jovens.

Apenas 1 estudo reporta informação sobre o modelo (reflexivo) e o tipo de supervisão realizada (em grupo).

Revisão Sistemática de 22 estudos.

Mais tempo de supervisão está associado a uma maior satisfação profissional do supervisando.

Um supervisor perspetivado como apoiante contribui para a satisfação do supervisando com o seu trabalho e contribui para que se sintam valorizados pela organização de PPCJ.

A supervisão auxilia a gestão de casos e a retenção de trabalhadores.

Há falta de evidência quanto ao impacto da supervisão na qualidade da prática do profissional.

Cearley (2004)

Sem informação.

91 profissionais de PPCJ selecionados aleatoriamente.

Sem informação.

Aplicação do seguinte protocolo a 91 supervisandos a trabalhar em PPCJ, recrutados aleatoriamente: i) Escala de apoio do Supervisor (Supervisor Help-giving Scale, Dunst et al., 1996); ii) Questionário do apoio organizacional percebido (Eisenberger et al., 1990); iii) Escala do empoderamento do trabalhador (Leslie et al., 1998).

Análise qualitativa de comentários livres sobre a afirmação “Os comportamentos do meu supervisor em relação a mim ajudam-me a sentir-me habilitado/empoderado''.

Supervisores colaborativos e que empoderam os supervisandos afetam a sua perceção pessoal de empoderamento e a sua capacidade para tomar decisões.

Chen e

Scannapicio

(2010)

Sem informação.

455 profissionais de serviço social.

Sem informação.

Aplicação de questionário que avalia seis dimensões através de uma escala Likert: disponibilidade do supervisor, recursos, ajuda na gestão da carga de trabalho, ajuda na resolução de problemas, ajuda na análise dos casos e apoio emocional.

A perceção de maior apoio por parte do supervisor está associada ao desejo de se manter na sua função em supervisandos que se autopercecionavam como menos eficazes.

Collins-Camargo & Millar (2010)

137 supervisores dos serviços de PPCJ.

Profissionais da área social especializados em PPCJ.

Supervisão integrativa que contempla contributos da teoria, da investigação e da prática.

Análise qualitativa da informação recolhida em 15 focus-group, de aproximadamente 1h30m cada. 80 supervisores distribuídos por 7 focus-groups numa primeira fase, e 57 supervisores distribuídos por 8 focus-groups na segunda fase.

A supervisão clínica: i) permitiu uma melhor avaliação das necessidades dos supervisandos e a maximização das suas forças; ii) colocou o foco no desenvolvimento do profissional em supervisão em detrimento da resposta a momentos de crise; iii) permite a modelagem de técnicas e ferramentas clínicas que o supervisando possa aplicar; iv) possibilita a modelagem de uma abordagem mais colaborativa do supervisando com as famílias; v) promove que os supervisandos tomem decisões de forma mais independente; vi) promove a utilização, por parte do supervisando, de uma linguagem menos hierárquica quando se refere às famílias com que trabalha; vii) aumenta a autoconfiança e empoderamento dos supervisandos; viii) contribui para o aumento do autocuidado por parte do supervisando; ix) contribui para aumentar a qualidade das declarações do supervisando em tribunal sobre o caso, aumentando a perceção de credibilidade da organização; x) promove um maior envolvimento do supervisando com as famílias.

Collins-Camargo & Royse (2010)

124 supervisores de serviço social.

752 profissionais da área social que trabalham em PPCJ.

Sem informação.

Aplicação do seguinte protocolo: i) Inquérito de Excelência Organizacional (The Survey of Organizational Excellence, Lauderdale, 1999); ii) Escala de Avaliação da Autoeficácia em Serviço Social (Self-Efficacy Assessment–Social Work Scale).

É maior a probabilidade de profissionais, com supervisão, percecionarem a cultura organizacional dos serviços de PPCJ enquanto promotora da prática baseada na evidência, o que diminui a sua intenção de abandonar as suas funções.

Profissionais inexperientes percecionam-se mais competentes quando têm supervisão.

Gibbs (2001)

Sem informação.

22 profissionais de PPCJ.

Supervisão focada nas tarefas e procedimentos, com instruções concretas para os supervisandos.

Realização de entrevistas estruturadas, gravadas e transcritas.

A supervisão segundo um modelo administrativo focado nas tarefas não atende às necessidades emocionais e de aprendizagem identificadas pelo supervisando, contribuindo para que este não se sinta apoiado pela organização e para a diminuição do seu bem-estar.

Atendendo às críticas formuladas, um estudo Delphi recomenda que a avaliação deste processo deixe de se basear apenas em instrumentos de autorrelato e que contemple a observação empírica e análise da supervisão, bem como a observação do trabalho dos profissionais com as famílias (Beddoe et al., 2016). Atendendo a estas sugestões, Bostock et al. (2019) realizaram um estudo que contemplou a observação estruturada da supervisão e da interação do supervisando com as famílias. Também Wilkins et al. (2018) conjugaram, na avaliação do seu estudo sobre supervisão, a observação da supervisão e da interação profissional-famílias com o preenchimento de um questionário sobre o caso em supervisão e com entrevistas à família em questão. Os resultados destes estudos sugerem que a qualidade da discussão na supervisão pode estar diretamente relacionada com a qualidade das conversas que os profissionais têm com os clientes. Bostock et al. (2019) referiram associações significativas entre a supervisão sistémica focada na prática e o desenvolvimento global de competências práticas, o desenvolvimento de aptidões de construção de relações de colaboração e empatia, a utilização de uma autoridade positiva por parte dos profissionais e uma prática promotora do sentido de autonomia/escolha dos clientes. No estudo de Wilkins et al. (2018) foi apurada também a associação entre a supervisão focada na prática do profissional e níveis mais elevados de envolvimento parental e acordo na definição de objetivos para a intervenção na prática.

Indiretamente, o The Laming Report (Laming, 2003) e o Brandon Child Protection Review (Brandon et al., 2012) reportam que a supervisão que não atende aos aspetos legais ou regulamentares, ou, pelo contrário, aquela que se foca excessivamente em aspetos processuais e burocracias é um fator de influência no desfecho negativo dos casos, nomeadamente em relação à morte de crianças. Seja pelo não cumprimento procedimental recomendado pela organização, seja pelo excessivo foco em procedimentos burocráticos, a integração da complexidade do contexto em análise e a reflexão crítica são dificultadas. Por essa razão, e tendo também em conta os resultados de Wilkins et al. (2018), de Bostock et al. (2019), e de Chen e Scannapicio (2010), a supervisão deverá basear-se num modelo capaz de contemplar de forma equilibrada três funções distintas, mas complementares: a administrativa, a educacional e a de apoio (Kadushin & Harkness, 2014). Deverá, neste sentido, ajudar refletir sobre:

  1. Se as normas procedimentais são respeitadas na prática do profissional e sobre o significado de eventuais incumprimentos;

  2. A concetualização do caso e o planeamento da intervenção, promovendo o desenvolvimento de competências do profissional;

  3. O stress do profissional e a gestão da dimensão emocional associada (Munro, 2020).

Na função administrativa da supervisão, o objetivo principal é promover a eficiência da organização, sendo uma função habitualmente desempenhada por um supervisor interno, i.e., com vínculo laboral à instituição de PPCJ (Kadushin & Harkness, 2014). Neste âmbito, o supervisor realiza três tipos de tarefas:

1. Gestão de recursos humanos, através do recrutamento e seleção de profissionais, da integração de novos profissionais, do planeamento do trabalho, da distribuição de trabalho e delegação de tarefas, e da coordenação de tarefas;

2. Monitorização, revisão e avaliação do trabalho desempenhado;

3. Comunicação intra e interinstitucional, através da promoção da comunicação entre os profissionais e órgãos de poder superiores, da representação dos supervisandos dentro da organização, perante outras instituições e comunidade, da preservação da estabilidade da organização e enquanto agente de mudança e de ligação com a comunidade (Kadushin & Harkness, 2014).

A função educacional centra-se no desenvolvimento contínuo de competências do profissional e na transmissão de conhecimento, ajudando os supervisandos a integrar estes fatores na sua prática profissional (Hess et al., 2008; Kadushin & Harkness, 2014). Esta função pretende assegurar uma prática profissional consistente e baseada em evidência científica.

Na função de apoio, a supervisão foca-se na qualidade da relação entre o profissional e o contexto de trabalho, visando o bem-estar e satisfação no trabalho (Kadushin & Harkness, 2014) e a manutenção da motivação e compromisso com a organização e com os clientes (Brittain & Potter, 2009). Neste processo, o supervisor pode recorrer a estratégias como a universalização, em que é reforçado que a forma como o profissional se sente é comum a outros profissionais, diminuindo a tendência para individualizar e personalizar os problemas (Kadushin & Harkness, 2014). Pode ainda utilizar-se a análise das ressonâncias pessoais do profissional, i.e., analisar a ponte construída involuntariamente entre as vivências do profissional e as vivências ou caraterísticas das famílias, ajudando o supervisando a compreender como tais ressonâncias podem bloquear o seu trabalho de apoio à família ou, pelo contrário, podem ajudar a promover a mudança (Elkaim, 2008).

Porém, para que a supervisão seja profícua e não se afigure como mais um elemento stressor para o profissional, este processo deve orientar-se por um modelo assente numa relação colaborativa, atento às necessidades do profissional. e que seja capaz de integrar a complexidade dos sistemas de PPCJ, a necessidade de avaliação do potencial de mudança das famílias e a promoção da mudança num quadro de articulação e cooperação interssistémica.

Supervisão no Âmbito dos Sistemas de PPCJ

A supervisão clínica em PPCJ, embora possa ser realizada individualmente, i.e., apenas entre um supervisor e um supervisando, é mais frequentemente realizada em grupo, habitualmente com os elementos de uma ou mais equipas que trabalham na área da PPCJ. Integra, por isso, vários profissionais (Bernard & Goodyear, 2014; Ribeirinho, 2019), com formações diversas, considerando que estas equipes são, geralmente, multidisciplinares, associados a uma única instituição (e.g., no contexto português, uma Comissão de Proteção de Crianças e Jovens — CPCJ — ou uma Equipa de Assessoria ao Tribunal — EMAT) ou à rede de instituições que trabalham com o mesmo caso (e.g., CPCJ, instituição de acolhimento, caso haja crianças acolhidas, entidade com competência em matéria de infância e juventude, como escola ou unidade de saúde, que tenha um papel relevante no caso). O processo de supervisão é mais frequentemente orientado por um supervisor externo, que não pertence à instituição em que o(s) supervisando(s) trabalha/m (Beddoe, 2012) mas que é reconhecido pela qualidade da sua formação e pela sua experiência profissional. No entanto, a supervisão pode ser também realizada por um supervisor interno, quando este é um membro vinculado aos serviços de promoção e proteção, sendo, neste caso, mais frequentemente realizada no quadro das reuniões de equipa e assumindo um foco mais administrativo. Segundo Ribeirinho (2019), a supervisão externa tem sido privilegiada em contexto de PPCJ, por se considerar que o supervisor externo escolhido tem competência científica específica (função educacional) e que, por ser externo, tem uma equidistância relativamente aos diferentes supervisandos e à(s) própria(s) instituição(ões) que pode facilitar a função de apoio e a própria gestão da comunicação entre profissionais e equipes.

Habitualmente, este processo contempla a reflexão sobre a prática profissional dos supervisandos, a discussão de casos, para análise compreensiva ou conceptualização dos mesmos e reflexão sobre objetivos e modalidades de intervenção, e/ou a identificação de necessidades de formação (Karpetis, 2019), podendo, para o efeito, basear-se num único modelo teórico, ou num modelo integrativo que, como o próprio nome indica, combina diferentes quadros teóricos.

Na sua revisão, Karpetis (2019) reporta que, em PPCJ, os modelos teóricos mais utilizados são, implícita ou explicitamente, baseados em abordagens psicoterapêuticas (psicodinâmico, comportamental, sistémico, humanista) e nas perspetivas administrativa e crítica. Explicitam-se, de seguida, as suas limitações e o contributo fornecido pela teoria crítica.

Limitações das Abordagens Administrativa e Psicoterapêuticas

A abordagem administrativa não é exclusiva de PPCJ, mas tem uma longa história associada a este contexto: surge com base na crença de que uma abordagem tecnocrática, e com um poder verticalizado, diminuiria a probabilidade de erro e, consequentemente, a probabilidade de morte de uma criança (Bartoli & Kennedy, 2015; Munro, 2010), reforçando um pensamento linear e redutor da complexidade inerente às situações de maus-tratos. Os modelos administrativos mais recentes mantêm o foco na supervisão do cumprimento procedimental e das normas organizacionais, mas alargam o espectro da sua atuação também a outros aspetos menos burocráticos, como a exploração da subjetividade do profissional, a expressão de sentimentos, a discussão de problemas recorrendo a árvores de decisão e a reflexão acerca da perspetiva dos profissionais sobre o caso (Bartoli & Kennedy, 2015). Karpetis (2019), contudo, considera difícil a conjugação da dimensão educacional e de apoio ao profissional com os pressupostos mais tecnocráticos da abordagem administrativa, muito centrada nos aspetos processuais.

A supervisão administrativa em PPCJ é, habitualmente, desempenhada por um supervisor interno que, segundo Rankine (2019), se foca maioritariamente nas necessidades da organização e menos no desenvolvimento do profissional, na promoção da sua reflexão crítica e no desenvolvimento de estratégias alternativas de compreensão do caso e objetivos e modalidades de intervenção. Jarrett e Barlow (2014) propõem que, tendo em vista evitar ambiguidades no papel do supervisor, este deve ser externo à organização, o que irá, consequentemente, diminuir o foco administrativo da supervisão atendendo à menor influência de um profissional externo no funcionamento da instituição. Da mesma forma, Beddoe (2012) verificou que a supervisão conduzida por um supervisor externo diminui o foco nos procedimentos, é uma oportunidade de oferecer suporte emocional e constitui um espaço de reflexão livre de relações de poder. Em detrimento da polarização entre supervisão interna e externa, apoia-se a perspetiva de Beddoe (2012) que defende que estas devem ser compreendidas como complementares e promovida a articulação entre ambos os supervisores para a resolução de possíveis tensões e comunicação de aspetos importantes, evitando a triangulação do supervisando.

Embora as abordagens psicoterapêuticas sejam mais conhecidas e mais comuns na supervisão em PPCJ (Karpetis, 2019), não deixam de apresentar limitações, nomeadamente em contextos muito dinâmicos e complexos como é o da PPCJ. Bernard e Goodyear (2014) consideram que a supervisão segundo uma abordagem terapêutica poderá influenciar o profissional a restringir-se apenas a esse enquadramento teórico. Karpetis (2019), embora reconheça que o modelo psicodinâmico tem limitações (e.g., explica a agressão parental com base nas experiências abusivas infantis dos pais; considera o supervisor como perito), refere que o mesmo é, na sua opinião, o único que operacionaliza, com detalhe, a forma como o modelo pode ser utilizado nos sistemas de PPCJ. No entanto, o modelo de supervisão clínica segundo uma abordagem psicodinâmica não atende, na nossa opinião, à dimensão ecossistémica das problemáticas deste contexto. Deve ser privilegiado um modelo cujas funções e referenciais teóricos consigam dar resposta às especificidades e complexidade do contexto, o que poderá significar a necessidade de um modelo integrativo.

O Contributo e Limitações da Teoria Crítica

A abordagem da teoria crítica é integrada em alguns modelos de supervisão para promover a reflexão crítica do profissional sobre o impacto de estruturas socioculturais e sociopolíticas na sua prática e na dinâmica da família e para o ajudar a minimizar desequilíbrios de poder na relação com a família (Karpetis, 2019). Esta abordagem perspetiva, na prática, a parceria com os pais como um elemento crucial no trabalho do profissional. Neste sentido, e embora não seja o único elemento ativo no processo de supervisão, o supervisor deve ser responsável por promover a igualdade de poder entre os profissionais e as famílias durante o processo de tomada de decisão, não priorizando a perspetiva do profissional (Jarret & Barlow, 2014) e respeitando os conhecimentos dos pais relativamente aos filhos e à situação, bem como as suas experiências passadas (Karpetis, 2017). Consequentemente, o supervisor deve ser transparente quanto à sua posição e recorrer ao pensamento crítico nas conversas com os profissionais para promover a reflexão sobre procedimentos organizacionais, poder, autoridade e privilégio na prática do profissional. Estas reflexões têm o intuito de contribuir para o desenvolvimento de uma prática antiopressiva, focada nas qualidades e forças dos clientes e sensível às questões culturais (Hair & O’Donoghue, 2009). Embora permita trabalhar questões pertinentes na prática em PPCJ, Karpetis (2019) aponta múltiplas críticas a uma abordagem de supervisão assente exclusivamente na teoria crítica, nomeadamente a ausência de descrição e operacionalização de como a avaliação e intervenção com os pais deve acontecer. O autor aponta ainda que o pressuposto crítico de o supervisor não dever corrigir erros do profissional, por forma a evitar desequilíbrios de poder, pode colocar em causa o desenvolvimento do profissional e a segurança da criança ou jovem, da mesma forma que o foco exclusivo nas qualidades dos pais, por forma a evitar o burnout do profissional devido ao confronto constante com as problemáticas apresentadas pelas famílias, prioriza o bem-estar do profissional em detrimento de uma análise ponderada do caso (Karpetis, 2019).

Na defesa de um Modelo Integrativo de Supervisão

Atendendo à dimensão ecossistémica dos maus-tratos, as teorias sistémica e da complexidade poderão permitir uma leitura mais integrada dos casos. Apesar de em PPCJ o foco ser a segurança e o bem-estar da criança, e a forma como o subsistema parental pode ou não garanti-los, é impossível não tomar a família como referência, na sua articulação com diferentes sistemas integradores de múltiplos agentes que interagem entre si de variadas maneiras, ou esquecer que a família tem a capacidade de se auto-organizar espontaneamente através de um processo não linear (Stevens & Hassett, 2007). No entanto, talvez porque a ideia de previsibilidade tende a gerar maior segurança e porque o pensamento complexo é relativamente estranho ao modo de funcionar do ser humano, os sistemas de PPCJ tendem a privilegiar a causalidade linear, determinista, o reducionismo e o conhecimento objetivo na forma como avaliam o risco/perigo, a capacidade parental e o potencial de mudança (Stevens & Hassett, 2007). É, por isso, comum a concetualização dos maus-tratos infantis na perspetiva de um raciocínio linear e preditivo, o que não se coaduna com a realidade, visto que, mesmo tendo um conhecimento aprofundado dos fatores de risco, não é possível conseguir prever-se o acontecimento a ser desencadeado nem mesmo quando irá ocorrer.

Contemplada na supervisão clínica, a teoria da complexidade pode, com vantagem, ajudar a compreender a incerteza e imprevisibilidade do funcionamento dos sistemas dissipativos, uma vez que se foca na natureza e qualidade das interações entre sistemas e entre elementos do sistema (Munro, 2020). Tendo a família um funcionamento cuja mudança não é previsível, pois os sistemas dissipativos são caraterizados pela instabilidade e pelo seu potencial para mudanças rápidas, a teoria da complexidade assume um caráter indicativo, e não preditivo (Coveney & Highfield, 1995). Deve, assim, ajudar o profissional a compreender as famílias enquanto sistemas dissipativos, que se auto-organizam no quadro da multiplicidade de relações que estabelecem com o seu ecossistema, influenciadas pela interação de pequenos fenómenos que produzem padrões emergentes que, por sua vez, originam fenómenos maiores. Assim, e definindo emergência como o processo através do qual padrões ou estruturas de nível mais global surgem da interação de processos de nível mais local tendo em vista alcançar a ordem, a preocupação deve focar-se em perceber como a emergência pode ser facilitada, e não controlada, por forma a assegurar a segurança e desenvolvimento da criança (Cilliers, 2005; Stevens & Hassett, 2007). Consequentemente, uma das preocupações da supervisão clínica em PPCJ é ajudar a conceptualizar os maus-tratos tendo em conta o “todo” sistémico, em que o sistema pode ser afetado por uma qualquer série de fatores e pode resultar numa variedade de resultados, em detrimento da observação de “partes” e de comportamentos isolados (Stevens & Hasset, 2007). Neste sentido, deverá promover a reflexão do profissional para que este consiga identificar e compreender a qualidade das interações entre os componentes do(s) sistema(s), bem como compreender que ele próprio influencia o sistema adaptativo complexo que é a família (Stevens & Hassett, 2007; Ruch, 2007), em detrimento do estabelecimento de relações causais e preditivas.

Uma abordagem sistémica, nesta lógica de concetualização da família enquanto sistema complexo em interação, assume-se como fundamental na avaliação do risco e das capacidades parentais em PPCJ por pressupor a interligação com outros sistemas formais (e.g., escolares e médicos) e informais (e.g., família alargada e vizinhos), e por não centrar a avaliação apenas nos aspetos negativos da família, salientando a importância de se avaliarem também os recursos e as competências das famílias, procurando evitar a patologização (Munro, 2020). Embora existam vários instrumentos que auxiliam os profissionais na avaliação do caso, permanecem, regularmente, dificuldades em recolher informações de qualidade num período relativamente curto, sobretudo quando isso exige a articulação com outros profissionais e outros sistemas (Munro, 2010, 2020; Scourfield, 2006), e em organizar a informação recolhida num contexto de elevada ativação emocional (Munro, 2020). Da mesma forma, a relação entre os profissionais e a família é, regularmente, um tema delicado em PPCJ ser perspetivado pelos pais como ameaçador, especialmente se não for realizado numa ótica colaborativa (Donald & Jureidini, 2004; Roose et al., 2012). Esta perceção de ameaça diminui a adesão dos cuidadores ao trabalho dos profissionais (Gallagher et al., 2012; Roose et al., 2012) e dificulta a conjugação dos direitos dos pais e dos direitos da criança (Munro, 2020).

No entanto, reconhece-se que, atendendo ao habitual funcionamento organizacional, pode ser difícil para os profissionais evitarem o uso defensivo de uma relação verticalizada, apoiada numa visão do profissional como perito (Munro, 2011, 2020). Munro (2020) sublinha a importância de se promover uma cultura de aprendizagem, em detrimento da cultura defensiva e tecnocrática de gestão do risco, que assuma a influência de cadeias recursivas de causalidade que urge transformar tendo em conta a proteção e o bem-estar da criança, mas focada no respeito pela especificidade das famílias (Munro, 2020) e pela sua visão preferida de vida (Madsen, 2011). A abordagem centrada em procedimentos reforça o foco dos serviços na proteção da criança em detrimento de um trabalho colaborativo com a família e, eventualmente, com a sua rede primária de apoio social (McGregor & Devaney, 2020).

Estas dificuldades em integrar a complexidade do contexto, em ajustar o juízo clínico à realidade da família e em adotar uma postura colaborativa poderão diminuir significativamente a qualidade do serviço prestado. A supervisão clínica que integre as abordagens sistémica e da complexidade pode promover o desenvolvimento de aptidões de avaliação e intervenção reflexivas e críticas (Munro, 2010, 2020; Wilkins et al., 2018) que aumentam não só a qualidade do juízo clínico como a qualidade da relação entre os profissionais e as famílias (Bostock et al., 2019; Wilkins et al., 2018). Se assente num modelo colaborativo, a supervisão poderá ser uma ferramenta facilitadora de uma posição de igualdade entre as famílias e os profissionais, oferecendo um modelo que poderá posteriormente ser replicado pelo profissional com o cliente (Jarrett & Barlow, 2014) e contribuindo para a diminuição da ansiedade do profissional no contexto de trabalho e de supervisão (McPherson et al., 2015). Quando o supervisor é perspetivado como apoiante e colaborativo, a intenção do supervisando em abandonar as suas funções na organização de PPCJ diminui (Chen & Scannapicio, 2010) e a sua capacidade para tomar decisões bem-sucedidas aumenta (Cearley, 2004). Por sua vez, uma relação de segurança com o supervisor poderá influenciar a regulação do sistema neuronal do profissional na resposta ao stress, diminuindo o seu impacto relativamente ao trauma vicariante e burnout e permitindo uma aprendizagem mais eficaz (Perry & Jackson, 2018). Atendendo à complexidade do contexto, à variedade das problemáticas familiares e aos demais desafios impostos aos profissionais de PPCJ, a literatura considera igualmente importante que a supervisão contemple também uma abordagem reflexiva que estimule o desenvolvimento do raciocínio crítico e reflexivo (Munro, 2020) e da complexidade cognitiva (Munro, 2020; Washburn, 2015). Por um lado, porque na supervisão sistémica a mudança é facilitada pelo encorajamento da reflexividade sobre como as crenças e padrões circulares do comportamento da família afetam os elementos e demais sistemas (Wilkins et al., 2018). Por outro, porque a supervisão pode constituir-se como um espaço de reflexão sobre o efeito de possíveis enviesamentos que o profissional pode desenvolver ao longo da sua prática e que influenciam o seu raciocínio de forma involuntária, entre os quais:

1. O efeito de recência, em que o profissional tenta predizer a probabilidade de eventos com base em casos recentes;

2. O enviesamento de confirmação, quando o profissional procura provas que confirmem pontos de vista pré-existentes;

3. O efeito da ordem, em que as informações obtidas mais tarde têm maior peso do que informações obtidas no início da investigação;

4. A tomada de decisões com base em informações de baixa qualidade. Estes enviesamentos têm, regularmente, uma maior influência no raciocínio do profissional do que o modelo teórico que o profissional adota e do que as evidências científicas (Platt & Turney, 2013). Por esta razão, e segundo Cross e colegas (2010), uma supervisão que promova a aprendizagem reflexiva melhora significativamente a concetualização de caso, a tomada de decisão e a interação do profissional com colegas e clientes. A supervisão em grupo poderá ser um elemento fundamental à reflexão crítica por permitir a partilha de um maior número de perspetivas (Bagge, 2017; Lietz, 2008).

Em síntese, a supervisão clínica em contexto de PPCJ tem sido apontada como tendo uma influência positiva no trabalho dos profissionais, promovendo o desenvolvimento do raciocínio crítico e reflexivo (Lietz, 2009) acerca de como as crenças e padrões circulares do comportamento dos elementos das famílias interagem entre si (Bostock et al., 2019; Dugmore et al., 2018; McGregor & Devaney, 2020; Munro, 2010, 2020), melhorando o julgamento profissional (Munro, 2011). Contribui, também, para aumentar a qualidade da concetualização de caso e do planeamento da intervenção (Burke, 1997; Collins-Camargo & Millar, 2010; Smith et al., 2007), bem como para o desenvolvimento de um modelo de trabalho baseado na colaboração e nos pontos fortes da família, através de um modelo de autoridade positiva (Bostock et al., 2019), que se reflete em níveis mais elevados de envolvimento parental na definição de objetivos de intervenção (Wilkins et al., 2018).

Conclui-se, no entanto, que para que seja bem-sucedida, a supervisão deve:

1. Orientar-se por um modelo colaborativo e reflexivo;

2. Atender às caraterísticas das famílias;

3. Atender às especificidades do contexto;

4. Seguir um modelo que permita a transferibilidade de conhecimentos e técnicas para o trabalho com as famílias.

Não obstante, parece não haver um modelo único de supervisão que consiga dar resposta às exigências do contexto e dos profissionais e que seja isento de limitações. A integração de diferentes modelos, desde que não sejam contraditórios entre si (Karpetis, 2019), pode resolver as lacunas de cada abordagem. McGregor & Devaney (2020) reforçam ser fundamental o desenvolvimento de modelos que combinem a teoria, a evidência científica e a sabedoria prática, e que reconheçam a complexidade e natureza sistémica das problemáticas e intervenção em PPCJ.

Conclusão

A presente revisão analisou a literatura sobre supervisão clínica, com um maior enfoque quanto à adequabilidade de alguns dos modelos existentes às especificidades do contexto de PPCJ.

Apesar da vasta literatura sobre promoção e proteção, esta tem privilegiado leituras lineares que, por serem de natureza contrária ao fenómeno em que se intervém, dificultam que as intervenções sejam consistentemente eficazes, sendo por isso importante a contínua aprendizagem e desenvolvimento do profissional. As instituições de PPCJ têm um papel muito importante na promoção e estruturação desta aprendizagem (Munro, 2010), seja através da disponibilização de formações, seja através da reformulação da cultura organizacional que se apresenta ainda muito tecnocrática. A prática organizacional defensiva resulta no aumento de hierarquia e num maior distanciamento entre os profissionais e os pais, pondo em causa o sucesso da intervenção.

A supervisão clínica, quando disponibilizada e incentivada por parte da instituição, poderá assumir-se como uma mais-valia para o bem-estar e desenvolvimento do profissional, mas, também, para a qualidade do trabalho a realizar com as famílias e as crianças, embora mais estudos sobre o impacto da supervisão para os clientes sejam necessários. A falta de evidência sobre os resultados da supervisão, seja para a confiança e bem-estar dos profissionais, seja para a qualidade da intervenção com as crianças e as suas famílias, dificulta a compreensão sobre que modelos e estratégias são efetivamente eficazes no aumento da qualidade dos serviços de PPCJ.

De igual forma, não se encontrou um modelo de supervisão clínica capaz de responder às diversas especificidades do contexto de PPCJ. A conceptualização das famílias enquanto sistemas complexos dissipativos desafia a abordagem focada em procedimentos por afirmar a multicausalidade e circularidade dos maus-tratos infantis e colocar a ênfase na importância da adoção de uma postura organizacional sistémica complexa, reflexiva e crítica para o reconhecimento e resposta a tensões existentes. Apesar do caráter organizador de uma abordagem burocrática, o rigoroso cumprimento dos procedimentos instituídos não garante a proteção da criança ou a eficácia da intervenção.

Neste sentido, considera-se útil ter um modelo de supervisão orientado por um referencial de leitura variado que tenha conhecimento do funcionamento da instituição, que promova o apoio ao profissional, que integre a influência de fatores biopsicossociais na concetualização dos maus-tratos no âmbito da teoria da complexidade, e que, na forma como se concretiza, possa utilizar um modelo isomórfico relativamente ao que o profissional deve fazer com a família. Por fim, os referenciais teóricos a serem incluídos no modelo devem ser operacionalizáveis, i.e., passíveis de serem aplicados na prática, e promoverem a capacidade de reflexão crítica do profissional, estimulando-o a utilizar a complexidade como uma ferramenta analítica.

Conflito de interesses | Conflict of interest: Sem conflitos de interesse a reportar | none.
Fontes de financiamento | Funding sources: Fundação Cecília Zino.
Contributos | Contributions: C.C. Papel na conceptualização e escrita. D.P. Papel na conceptualização, revisão e edição. M.A. Papel na conceptualização, revisão e edição.

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  1. Utiliza-se o termo “supervisando” para designar o profissional em processo de supervisão. Embora possa considerar-se mais correto o vocábulo supervisionado, prefere-se o termo supervisando, à semelhança de formando, ou de tutorando, uma vez que o mesmo nos remete para alguém que está num processo de supervisão, mais ou menos prolongado no tempo e co-construído entre supervisor e supervisando. Pelo contrário, o termo supervisionado remete-nos para uma relação mais hierárquica, com o supervisor a assumir uma posição one-up, e mais pontual.↩︎