2016, Vol. 2(1): 1-2
Título
Português de artigo escrito em português
Editorial
https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2016.2.1.29
Recebido
29 fevereiro 2016
O número 1 deste segundo volume da RPICS integra cinco artigos
originais, contando com os trabalhos de autore(a)s do Instituto Superior Miguel
Torga, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra e do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
Ainda que,
aparentemente, se debrucem sobre temáticas díspares, podem ser referenciados
dois elementos agregadores para os cinco artigos deste número da RPICS. Por um
lado, todos os artigos apresentados refletem trabalhos de investigação
desenvolvidos junto de populações particularmente vulneráveis da nossa
sociedade: idosos, doentes com cancro do pulmão, jovens acolhidos em Lares de
Infância e Juventude e cuidadores informais de pessoas com deficiência. Por
outro prisma, há ainda a referir que todos estes manuscritos ilustram uma
preocupação comum, de estudar o papel de algumas varáveis protetoras no funcionamento
intra e interpessoal dos indivíduos. Deste modo, numa perspetiva muito próxima
à psicologia positiva, são estudados os benefícios das forças e virtudes
humanas para o bem-estar do indivíduo, assim como é empreendido um esforço
compreensivo sobre o papel mediador que algumas destas variáveis protetoras
podem desempenhar face a fatores de risco para a psicopatologia.
Os dois
primeiros artigos deste número têm em comum decorrerem de trabalhos de
investigação realizados com idosos. Esta temática sempre atual, face aos
desafios inerentes ao envelhecimento da população portuguesa, tem convidado os
investigadores a investirem em estudos que remetam para problemáticas
associadas a esta população específica. Assim, tanto é espelhada a necessidade
de investigar variáveis que promovam a saúde física e mental, bem como de
desenvolver instrumentos de avaliação psicológica adaptados a esta etapa do
ciclo vital.
O primeiro
artigo, “Escala de Autoeficácia para
a Atividade com Sentido: Encontrando sentido no envelhecimento ativo”,
apresenta um aprofundamento das qualidades psicométricas da Escala de
Autoeficácia para a Atividade com Sentido (EAASentido). Este estudo
psicométrico pretende avaliar em que medida os seniores se sentem confiantes
para, por si próprios, realizarem atividades com sentido. São confirmadas as
propriedades psicométricas da escala, nomeadamente ao nível da sua consistência
interna e validade de constructo, sendo proposta uma nova estrutura fatorial de
três dimensões. A nova versão da EAASentido é então composta por cinco itens,
divididos pelas dimensões atividades de desenvolvimento pessoal e participação
social, atividades instrumentais e atividades espirituais/religiosas (artigo 1:
Oliveira, Lima e Portugal).
Segue-se o
artigo intitulado “Relação entre a inteligência
espiritual e a saúde mental e física em idosos”, onde são analisados
os níveis de inteligência espiritual, bem-estar psicológico, sintomas
depressivos e ansiosos, saúde mental e física em idosos que frequentam
instituições (em Lar ou Centro de Dia). Os resultados sobre a prevalência da
saúde física e mental insatisfatória, de depressão e ansiedade junto dos idosos
vão em linha com a literatura existente na área do envelhecimento. Deste
trabalho, destaca-se como particularmente relevante que, de um modo geral,
valores mais elevados de inteligência espiritual associaram-se a níveis mais
elevados de bem-estar psicológico e a níveis menores de sintomatologia
depressiva e ansiosa. Importa sublinhar que os resultados deste trabalho parecerem
reforçar a eventual importância de promover a inteligência espiritual junto de
idosos institucionalizados (artigo 2: Pereira, Marques, Simões e Cunha).
Em terceiro
lugar, temos o manuscrito intitulado “Ajustamento mental ao cancro
do pulmão: O papel da autocompaixão e do suporte social”, que
explora em que medida as variáveis autocompaixão e suporte social são
preditores do ajustamento mental e de estados afetivos negativos em doentes com
cancro do pulmão. São descritas associações negativas entre o ajustamento
mental e a psicopatologia e associações positivas entre o ajustamento mental e
as variáveis autocompaixão e suporte social. Salienta-se, ainda, que o suporte
social e a autocompaixão emergiram como variáveis preditoras significativas do
ajustamento mental e da sintomatologia associada ao stresse. Portanto, os
resultados deste estudo sugerem que poderá ser muito benéfico para os doentes
oncológicos incluir nos programas terapêuticos de promoção de um melhor
ajustamento mental à sua condição, tanto a potenciação da qualidade das suas
redes sociais, como estratégias de autocompaixão (permitindo que aprendam a
relacionarem-se de modo distinto com as suas experiências emocionais) (artigo
3: Batista, Cunha, Galhardo e Couto).
O quarto
título deste número, “Rede social pessoal de
jovens acolhidos em Lares de Infância e Juventude”, também ele nos
direciona para a análise de uma outra variável protetora para lidar com a
adversidade: a rede social pessoal dos sujeitos. Este estudo apresenta, então,
uma caracterização das redes sociais pessoais de jovens em regime de
acolhimento prolongado, sendo confirmada a importância da família para os
jovens em regime de acolhimento, apesar da distância, da frequência de
contactos e das razões inerentes ao acolhimento. Com base nestes resultados, os
autores concluem sobre a importância de saber, junto dos jovens, quais os
elementos significativos da sua rede social e integrar esta perceção em
diversos momentos decisórios do processo de acolhimento (e.g., na definição da
medida a aplicar, do projeto de vida e da intervenção a realizar). Assim
poder-se-ão proteger de modo mais eficaz os interesses e necessidades dos
jovens (artigo 4: Dias, Sequeira e Guadalupe).
O quinto e
último artigo intitula-se “Sentimentos face ao futuro,
necessidades percebidas e redes de suporte social de cuidadores informais de
pessoas com deficiência”. Ao longo deste trabalho, realizado com
cuidadores informais de adultos com deficiência (maioritariamente com paralisia
cerebral), caracterizam-se os seus sentimentos face ao futuro, as necessidades
de apoio e a sua rede de suporte social. Estes cuidadores formais são, na sua
maioria, do sexo feminino e com 65 anos ou mais. Aproximadamente um quinto
deixou de trabalhar para cuidar do seu familiar, sendo muitas vezes difícil a
conciliação entre trabalho e cuidar, percebendo na maioria dos casos uma
sobrecarga moderada ou elevada. Estes cuidadores referem que o apoio que mais
necessitam é o económico e anteveem, para o futuro, necessidade do apoio
residencial. O artigo encerra uma reflexão sobre as necessidades, dificuldades,
restrições no apoio e riscos de vulnerabilização dos cuidadores informais,
chamando a atenção para a importância de uma sincronização entre o providenciar
de uma rede de cuidadores formais e a mobilização dos cuidadores informais, que
muitas vezes não veem protegidos o seu bem-estar nem os seus direitos (artigo
5: Guadalupe, Costa e Daniel).
Ao logo
destas cinco contribuições científicas de autore(a)s do Instituto Superior
Miguel Torga, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra e do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, o
leitor é convidado a refletir sobre temas nem sempre suficientemente investidos
ou refletidos nas políticas sociais da atualidade. Relembre-se que o ponto de
partida e o ponto de chegada do trabalho de um investigador da área das
ciências comportamentais e sociais passa, em grande parte, por elencar as
contribuições do seu estudo para as práticas profissionais. Porque é através do
(re)conhecimento de uma determinada realidade que poderemos lançar esforços
para promover mudanças ao nível da intervenção dos atores sociais. Porque é da
reflexão que conjuga os quadros teóricos de referência e os resultados da
investigação no terreno que são propostas novas formas de intervenção. Porque é
através da leitura e interpretação dos dados que resultam dos estudos
realizados que é possível o nascimento de novas abordagens teóricas e práticas
e é feito o convite à sua integração em novas propostas de políticas sociais.
Assim,
neste número da RPICS são apresentadas sugestões muito enriquecedoras para o
trabalho a desenvolver junto de algumas populações vulneráveis da nossa
sociedade.
Neste
sentido, a investigação na área das ciências comportamentais e sociais aqui
apresentada cumpre o seu propósito de se interligar com as práticas
profissionais, lançando a ponte que convida a um reflexo nas políticas sociais,
com vista à resposta ativa e profícua aos desafios da nossa atualidade.