Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2023 Vol. 9(1): 1-10
Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2023 Vol. 9(1): 1-10
Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga
e-ISSN 2183-4938


ARTIGO ORIGINAL

Transição de cuidados em saúde: pontos-chave para a criação e implementação de um projeto

Health care transition: Key points for creating and implementing a project

Mónica Santos 1,2

Maria Inês Espírito Santo 1,3

Patrícia Nascimento 4

Patrícia Silva 5

Paula Rocha Saraiva 6

Paula Suarez Lopez 7

(1) Portuguese Association for Integrated Care (PAFIC), Portugal
(2) Unidade Local de Saúde Litoral Alentejano (ULSLA), Portugal
(3) Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL); Centro Hospitalar Universitário de Lisboa (CHULC), Portugal
(4) Hospital de Vila Franca de Xira (HVFX), Portugal
(5) Associação Mais Proximidade (AMP), Lisboa, Portugal
(6) Unidade Local de Saúde da Guarda (ULSG), Portugal
(7) Hospital de Oza, Espanha


Recebido: 24/01/2023; Revisto: 16/03/2023; Aceite: 11/04/2023.


https://doi.org/10.31211/rpics.2023.9.1.290

Publicação em Acesso Aberto
© 2023. O(s) Autor(es). Este é um artigo de acesso aberto distribuído
sob a Licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição
e reprodução sem restrições em qualquer meio, desde que o trabalho original
seja devidamente citado.

Mónica Santos
Bairro do Fidalgo, N.º 19
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E-mail: monicasgsantos@gmail.com


Resumo

Objetivo: A transição de cuidados (TC) do hospital para o domicílio é um indicador potencial para a avaliação dos cuidados integrados e centrados nas pessoas. Este estudo qualitativo, exploratório e descritivo, teve como objetivo identificar os princípios das boas práticas da TC na alta hospitalar, através da análise de conteúdo de experiências compartilhadas por profissionais em saúde num workshop. Métodos: O workshop envolveu duas moderadoras, quatro oradoras e 24 profissionais em saúde divididos em três grupos. As oradoras apresentaram boas práticas da TC em saúde e os grupos propuseram estratégias de TC, com base nas apresentações das oradoras e nas suas experiências e conhecimentos na área da saúde. As propostas foram registadas em áudio e analisadas em termos de conteúdo. Resultados: Segundo os participantes, a criação e implementação de um projeto de TC implica contextualizar e definir: o problema/necessidade, objetivos, população-alvo, intervenientes e as suas funções, elos, parcerias de saúde-sociais-comunitárias, redes de comunicação e indicadores de avaliação de processo e resultados. Conclusão: A importância da TC na alta hospitalar foi destacada, fornecendo-se insights para a criação e implementação de um projeto de TC bem-sucedido.

Palavras-Chave: Transição de Cuidados de Saúde; Cuidados Centrados nas Pessoas; Alta Hospitalar; Boas Práticas; Estudo qualitativo.


Abstract

Objective: Transitional care (TC) from hospital to home is a potential assessment indicator for the assessment of integrated and people-centered care. This qualitative exploratory-descriptive study aimed to identify principles of good practices in home-based TC after hospital discharge through content analysis of experiences shared by healthcare professionals in a workshop. Method: The workshop involved two moderators, four speakers, and 24 healthcare professionals divided into three groups. The speakers presented good practices in TC in healthcare, and the groups proposed TC strategies based on the speakers' presentations, their experiences, and their knowledge of healthcare. The proposals were recorded in audio and analyzed in terms of content. Results: According to the participants, the creation and implementation of a TC project involve contextualizing and defining the problem/need, objectives, target population, stakeholders and their roles, links, health-social-community partnerships, communication networks, and evaluation indicators of process and results. Conclusions: The importance of TC in hospital discharge was highlighted, providing insights for the creation and implementation of a successful TC project.

Keywords: Health Care Transition; People-Centered Care; Patient Discharge; Best Practices; Qualitative Study.

Introdução

O workshop Transição de Cuidados: (Re)Afirmar Percursos e Boas Práticas realizou-se em 24 de novembro de 2022 no âmbito do II Encontro Nacional de Integração de Cuidados, organizado pela Portuguese Association for Integrated Care (PAFIC). Este workshop teve como objetivo partilhar experiências de boas práticas de transição de cuidados (TC) (inter)nacionais, refletir e debater a sua importância na alta hospitalar para a continuidade e qualidade dos cuidados prestados e resultados em saúde. Adicionalmente, procurou-se identificar estratégias que pudessem constituir boas práticas para a criação e implementação de um projeto de TC integrado e centrado nas pessoas e as suas famílias/cuidadores, respeitando as suas necessidades e preferências.

Esta temática é especialmente relevante num contexto em que os sistemas de saúde enfrentam a necessidade de garantir a qualidade da prestação de cuidados, enquanto controlam custos, obrigando as instituições de saúde a adotarem novos modelos de gestão e prestação de cuidados integrados e centrados nas pessoas. Esses modelos têm como objetivo melhorar progressivamente o nível de saúde das populações, a qualidade dos cuidados prestados e a eficiência na utilização dos recursos (Escoval et al., 2010).

A TC surge como resposta ao envelhecimento populacional, ao aumento da prevalência de doenças crónicas e multimorbilidades e à tendência atual de redução do tempo de internamento hospitalar, com primazia aos cuidados na comunidade (Hesselink et al., 2013). Segundo a Organização Mundial de Saúde, a qualidade da TC do hospital para o domicílio é um indicador potencial para a avaliação de cuidados integrados e centrados nas pessoas (World Health Organization [WHO], 2016). A TC é um processo que engloba um conjunto de intervenções projetadas para coordenar os cuidados e promover a continuidade dos mesmos durante a transferência da pessoa entre prestadores e/ou para o domicílio (Braet et al., 2016; Coleman et al., 2005). É um conceito mais amplo do que a transferência clínica, porque para além de englobar a transferência de cuidados, nela devem estar implicados outros fatores como as preferências, experiências e necessidades da pessoa e seus cuidadores (WHO, 2016).

A TC na alta hospitalar é um momento de especial vulnerabilidade para a pessoa com doença, caracterizado por diversas mudanças no quotidiano e envolve novas necessidades e responsabilidades na gestão da saúde/doença (Fleming & Haney, 2013; Flink & Ekstedt, 2017; Goldstein et al., 2016). Entre as ações realizadas no âmbito da TC na alta hospitalar incluem-se o planeamento de alta, a educação para a saúde, a capacitação da pessoa/cuidador, as orientações sobre as terapêuticas medicamentosa e não medicamentosa e a articulação, em tempo útil, com a rede de saúde, social e comunitária (Hirschman et al., 2015).

É importante destacar que a realização de uma TC eficiente e atempada na alta hospitalar traz diversos benefícios. Por exemplo, pode melhorar a qualidade dos resultados assistenciais e influenciar positivamente a qualidade de vida das pessoas (Fox et al., 2013; Trompeter et al., 2015); promover a gestão dos cuidados domiciliários e diminuir efeitos adversos (Hesselink et al., 2013) e erros com medicamentos (Flink & Ekstedt, 2017; Hesselink et al., 2013; Trompeter et al., 2015); além de evitar reinternamentos hospitalares desnecessários (Braet et al., 2016; Feigenbaum et al., 2012; Fox et al., 2013; Hesselink et al., 2013; Verhaegh et al., 2014). Além disso, a implementação de programas de TC oferece várias vantagens ao sistema de saúde, incluindo a melhoria da satisfação geral da pessoa, qualidade de vida, resultados clínicos e contenção de custos, nomeadamente através da redução das readmissões hospitalares potencialmente evitáveis (Braet et al., 2016; Brock et al., 2021; Fønss Rasmussen et al., 2021; Goldstein et al., 2016; Mixon et al., 2016; Peikes et al., 2012).

O investimento em trabalhos de investigação nesta área pode conduzir, num futuro a médio ou longo prazo, a conclusões importantes que poderão ter um papel fundamental na criação de projetos de TC.

De acordo com a revisão da literatura, a TC é um momento crítico no processo de prestação de cuidados de saúde, que pode afetar a qualidade dos resultados assistenciais e a qualidade de vida das pessoas após alta hospitalar. A TC do hospital para a comunidade tem sido objeto de estudo em várias áreas. No entanto, apesar dos esforços realizados em muitos países, a TC ainda enfrenta desafios significativos. Além disso, poucos estudos foram realizados em Portugal sobre a implementação e a efetividade dos programas de TC. Com base nesse contexto, o objetivo deste estudo qualitativo foi identificar os princípios das boas práticas (inter)nacionais da TC na alta hospitalar a partir das experiências compartilhadas por profissionais em saúde num workshop. Especificamente, procurou determinar-se a pertinência de um projeto de TC e identificar-se os pontos-chave para o sucesso da criação e implementação de um projeto de TC em saúde.

Este estudo procurou assim preencher uma lacuna na literatura científica portuguesa sobre a implementação e efetividade dos programas de TC no processo de alta hospitalar. Os resultados deste estudo podem fornecer informações valiosas para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde e promover a continuidade do cuidado durante a transição de cuidados no contexto português.

Método

Desenho do estudo

O estudo seguiu uma abordagem qualitativa com um desenho transversal, exploratório e descritivo.

Participantes

O estudo contou com a participação de 2 moderadoras, 4 oradoras e 24 participantes que se inscreveram no workshop Transição de Cuidados: (Re)Afirmar Percursos e Boas Práticas. As moderadoras, uma especialista em enfermagem médico-cirúrgica e com especialização em Administração Hospitalar (MS) e uma assistente social e investigadora em Serviço Social (MIES), organizaram e moderaram a discussão da temática. As oradoras, que apresentaram experiências de boas práticas na TC, incluíram enfermeiras especialistas em saúde infantil e pediátrica (PN), saúde mental (PSL) e reabilitação (PRS) e uma gerontóloga (PS). Os participantes do workshop eram profissionais em saúde, nomeadamente médicos (n = 6), enfermeiros (n = 13), assistentes sociais (n = 2) e gestores em saúde (n = 3) que demonstraram interesse na temática da TC.

Antes do início do estudo, os participantes foram informados sobre o propósito e os objetivos da investigação. Foi enfatizado que a sua participação seria completamente voluntária, e que poderiam retirar-se a qualquer momento sem qualquer tipo de penalização. Todos os participantes deram o seu consentimento informado por escrito antes do início da investigação. Além disso, foi garantido aos participantes o anonimato dos seus dados e informações, e que a sua identidade não seria revelada em nenhuma circunstância. Para fins de registo e análise, foi solicitado aos participantes autorização para gravação áudio das informações partilhadas. As gravações foram utilizadas para efeitos de análise das opiniões/recomendações dos participantes e serviram apenas como material informativo sem referência às respostas de qualquer pessoa específica, sendo eliminadas posteriormente. Todos os procedimentos foram realizados segundo as normas éticas estabelecidas para investigações qualitativas.

Recolha de Dados

Os dados colhidos consistiram nas reflexões dos três grupos de participantes que, partindo das apresentações de experiências de boas práticas (inter)nacionais na TC pelas oradoras do workshop, foram desafiados a discutir sobre as estratégias necessárias para a criação e implementação de um projeto de TC. A discussão dos grupos foi gravada em áudio e posteriormente transcrita para análise. O processo de recolha de dados foi conduzido pelas moderadoras do workshop, que também foram responsáveis pela síntese de ideias e pontos-chave discutidos pelos participantes.

Procedimento

As moderadoras iniciaram o workshop, definindo os conceitos relevantes para a compreensão da temática e intrinsecamente relacionados nomeadamente, integração de cuidados, cuidados centrados nas pessoas e transição de cuidados hospital-domicílio/comunidade.

As oradoras partilharam quatro projetos/programas de boas práticas na TC através de apresentações em formato Power Point® (Tabela 1) que serviram de mote para os participantes refletirem sobre as condições necessárias para a criação e implementação de projetos de TC nos seus locais de trabalho/unidade ou serviços de saúde. A par com as experiências individuais de cada participante, constituíram o ponto de partida para a reflexão multidisciplinar.

Foram constituídos três grupos interdisciplinares (G1, G2, G3) com oito participantes cada, compostos por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e gestores em saúde. Esses participantes exerciam funções em instituições geograficamente distintas, de norte a sul de Portugal Continental. Os grupos foram estruturados pelas moderadoras do workshop com base nos critérios da interdisciplinaridade e diversidade contextual. Os grupos foram propostos na sessão e aceites por todos os participantes.

O desafio proposto aos grupos foi apresentado da seguinte forma: “Queremos implementar um projeto de TC na nossa Unidade de Saúde e precisamos das vossas orientações/conhecimento sobre como o podemos desenvolver”. Com base na sua experiência e conhecimento na área da saúde e nos projetos partilhados pelas oradoras, a cada grupo solicitou-se a identificação dos pontos-chave para o sucesso de um projeto de TC, pensando na sua Estrutura/Pertinência do projeto, Processo/Implementação e Resultados/Impacto. A dimensão Estrutura foi discutida pelo G3, o Processo pelo G2 e os Resultados pelo G1. Após aproximadamente 30 minutos de discussão em grupo, um porta-voz por grupo apresentou as suas conclusões.

Estratégia Analítica

Neste estudo, a análise de conteúdo categorial das respostas ao desafio proposto aos grupos seguiu a metodologia de Bardin (2011), que envolveu três fases: pré-análise, exploração dos dados e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Durante a pré-análise, os dados foram preparados para a análise, incluindo a transcrição dos dados coletados. A exploração dos dados envolveu a identificação de categorias emergentes, e a fase final de inferência e interpretação envolveu a análise seletiva dos dados segundo a finalidade do estudo. A análise das respostas dos participantes foi realizada de forma independente por dois investigadores, com posterior validação por um terceiro investigador externo ao estudo para garantir a integridade metodológica do estudo.

Resultados

Pontos-chave para Criação e Implementação de um Projeto de TC

A transcrição de excertos das respostas foi organizada de forma a refletirem a Estrutura/Pertinência do projeto, Processo/Implementação e Resultados/Impacto de um projeto de TC (Figura 1) e que após análise refletiram os pontos-chave para a sua criação e implementação.

Figura 1

Pontos Chave para a Criação e Implementação de um Projeto de TC

Nota. Gi = Grupos de participantes (profissionais em saúde).

Tabela 1

Projetos de Boas Práticas Apresentadas pelas Oradoras do Workshop Transição de Cuidados: (Re)Afirmar Percursos e Boas Práticas.

Projeto/Programas Contexto/necessidades Objetivos Pontos chave para o sucesso

Programa socio-sanitário de saúde mental

Corunha

As necessidades não atendidas na saúde mental em residências na zona da Corunha são acentuadas pela pandemia de COVID-19. Garantir continuidade do atendimento em saúde mental em ambulatório (incluindo pessoas em situação de sem-abrigo).

Coordenação entre centros residenciais, unidades de saúde mental, serviço social e unidades de internamento, para garantir a continuidade do cuidado de utentes admitidos no hospital;

Trabalho em equipa multidisciplinar;

Metodologia de gestão de casos.

Otimização da transição segura hospital/comunidade na área da diabetes infantil

Hospital Vila Franca De Xira (HVFX)

ACES Estuário do Tejo

(ACES-ET)

Prevalência crescente da DM 1 em idades escolares;

Capacitação do cuidador e notificação precoce de situações de risco e vulnerabilidade infantil e juvenil são importantes no controlo metabólico da DM 1;

Lacunas identificadas entre níveis de cuidados no ACES-ET e HVFX.

Melhorar comunicação hospital/ACES/escolas;

Capacitar os familiares cuidadores e profissionais da rede escolar;

Aumentar a adesão ao regime terapêutico;

Diminuir os reinternamentos por descompensação metabólica;

Melhorar o controlo metabólico com consequente redução das complicações tardias.

Descrição da população-alvo (crianças com diabetes infantil seguidas em consulta no HVFX e crianças com diabetes inaugural admitidas em SU);

Trabalho em equipa multidisciplinar, nos diferentes contextos de cuidados;

Avaliação das necessidades individuais/formativas da criança e cuidador nos diversos momentos de contacto com o sistema;

Treino e capacitação (campanhas de sensibilização, protocolos, etc.);

Identificação de profissionais de referência/elos de ligação;

Formação contínua dos profissionais;

Instrumentos de suporte à decisão e avaliação (fluxogramas de referenciação, questionário de avaliação da auto perceção, follow-up telefónico no dia seguinte à alta);

Reuniões periódicas com o grupo de trabalho (a cada 6 meses);

Existência de indicadores de avaliação claros e mensuráveis.

"Habilitar"

ULS da Guarda

Dificuldades na recuperação da independência funcional após cirurgia, especialmente em ATAs e ATJs;

Necessidade de readaptação funcional em segurança.

Capacitar precocemente;

Maximizar o potencial funcional/independência;

Facilitar reintegração na sociedade;

Habilitar utente e cuidador informal para dar continuidade ao processo de reabilitação.

Articulação entre enfermeiros de internamento e cuidados de saúde primários;

Envolvimento do utente e cuidador informal;

Protocolos e consultas de follow-up pós-alta para ensino, instrução e treino do utente;

Existência de indicadores de avaliação claros e mensuráveis.

Regresso a casa

Associação Mais proximidade

Ausência de uma rede de suporte e apoio após a alta hospitalar;

Protelamento de alta hospitalar após resolução clínica.

Facilitar o processo de alta;

Evitar o protelamento de alta;

Garantir o acompanhamento técnico de pessoas idosas em situação de isolamento e solidão;

Reintegrar a pessoa na comunidade.

Identificação da população alvo (idosos isolados e solitários);

Planeamento de alta integrado com as equipas do internamento, serviço social e equipa do projeto;

Articulação com os parceiros da comunidade;

Plano de intervenção individual adaptado às necessidades de cada pessoa;

Estratégias de cuidado promotoras de continuidade dos cuidados (visitas domiciliárias, acompanhamento a consultas e exames, apoio na gestão da medicação, suporte na aquisição de ajudas técnicas e adaptação da habitação).

Nota. ACES = Agrupamento de Centros de Saúde; DM = Diabetes mellitus; ATA = Atroplastia total da anca; ATJ = Atroplastia total do joelho; SU = Serviço de urgência.

O G3 discutiu a Estrutura do projeto de TC quanto à sua relevância. Estes participantes destacaram a necessidade de contextualizar a problemática subjacente ao projeto, definir a população-alvo, delinear os objetivos, definir os intervenientes e atribuir responsabilidades a cada um dos stakeholders envolvidos.

Quanto ao G2, cuja discussão se centrou no Processo/Implementação (instrumentos de apoio e estratégias de transição de cuidados), os participantes destacaram a importância de estabelecer parcerias com aqueles que continuarão a prestar cuidados e/ou acompanharão os utentes e cuidadores ao longo do seu percurso, bem como a necessidade de identificar elos em rede que garantam a coordenação e continuidade dos cuidados. Além disso, o grupo identificou a aferição de indicadores de avaliação como um fator-chave para criar e implementar um projeto de TC.

No G1, foram discutidos os Resultados/Impacto de um projeto de TC, bem como a forma de potenciá-los. Os participantes destacaram indicadores de avaliação e desempenho relacionados com o nível de dependência do utente/cuidador, a capacitação da pessoa/cuidador, a qualidade de vida, as readmissões hospitalares em 30 dias e os dias de internamento por causas não clínicas. Na perspetiva dos participantes, a criação e implementação de projetos de TC parecem ter um impacto positivo nessas áreas. Os resultados indicam que existem fatores-chave para o sucesso da implementação de projetos de TC numa organização ou unidade/serviço.

Discussão

A TC na alta hospitalar é um momento crítico no processo de prestação de cuidados de saúde, que pode afetar significativamente a qualidade dos resultados assistenciais e a qualidade de vida das pessoas. No entanto, apesar dos esforços realizados em muitos países, a TC ainda enfrenta desafios significativos. Poucos estudos foram realizados em Portugal sobre a implementação e efetividade de programas de TC na alta hospitalar. Portanto, o objetivo deste estudo qualitativo foi identificar os princípios de boas práticas de TC na alta hospitalar a partir das experiências e reflexões compartilhadas por profissionais em saúde num workshop.

Os resultados deste estudo indicam que os pontos-chave para a criação e implementação de um projeto de TC envolvem a consideração de indicadores de estrutura, processo e resultados (Donabedian, 1988). Os participantes destacaram a importância da consideração desses indicadores, os quais incluem a contextualização do projeto, definição da população-alvo, delinear os objetivos, definir os intervenientes e atribuir responsabilidades a cada um dos stakeholders envolvidos. Esses pontos-chave estão em linha com a recomendação de Ng e Colombani (2015) que afirmam que a implementação de melhores práticas deve atender a critérios como relevância para as necessidades e ambiente da comunidade, participação da comunidade, colaboração das partes envolvidas, eficácia e eficiência, sustentabilidade e solidez ética.

A implementação de mudanças e práticas no sistema é crucial para melhorar a segurança da TC, a qual ocorre num contexto de múltiplos relacionamentos, incluindo a pessoa, seus familiares/cuidadores e os profissionais de saúde envolvidos no processo (Geary & Schumacher, 2012). Conforme evidenciado nas experiências relatadas pelas oradoras no workshop e pela opinião dos participantes, a definição clara do contexto geográfico e do grupo-alvo de intervenção é essencial para a criação de um projeto de TC bem-sucedido. Isso é essencialmente importante, dada a heterogeneidade da população, limitações dos processos de implementação e os contextos específicos (Rennke et al., 2013). As estratégias propostas pelos participantes para a implementação de um projeto de TC convergem na necessidade de assegurar a integração, coordenação e continuidade dos cuidados de saúde entre diferentes contextos ou níveis de cuidados. Essas estratégias devem considerar as relações interprofissionais e interorganizacionais relacionadas com os movimentos de cuidados em todos os contextos, centrados nas pessoas, comunicativos e colaborativos, baseados na competência e na capacidade de assegurar a interação entre as pessoas com doença/cuidadores e os prestadores de cuidados, sejam eles de saúde ou sociais (Aase & Waring, 2020). Os participantes do workshop destacaram ainda a importância de identificar os recursos existentes e garantir a articulação entre eles. Para tal, é fulcral o envolvimento de todos os stakeholders na criação e implementação das estratégias de TC, por forma a garantir a qualidade e a segurança dos cuidados (WHO, 2016). Como mencionado pelos participantes, isso também inclui a necessidade de identificar e avaliar continuamente os indicadores de avaliação e desempenho para garantir que o projeto de TC alcance os seus objetivos e melhore a qualidade de vida das pessoas após alta hospitalar.

Para o sucesso de um projeto de TC, é também fundamental estabelecer estratégias integradas na sua criação e implementação, sustentadas na concertação de parcerias e elos em rede. Essas estratégias devem envolver não apenas o âmbito intra e interinstitucional, mas também o intersectorial (Altfeld et al., 2012). No mesmo sentido, Kripalani et al. (2007) destacaram que a colaboração entre prestadores de cuidados de saúde é um fator crítico para a melhoria da TC.

A implementação de melhores práticas deve ainda ter em conta os custos, a capacidade dos profissionais de saúde para realizar a intervenção, e o contexto social, político e ambiental (Ng & de Colombani, 2015).

Para melhorar os resultados, é ainda necessária uma abordagem ativa e sistemática (Kampstra et al., 2018). A identificação de instrumentos de avaliação quanto à eficácia, eficiência e resultados é fulcral. A medição do progresso envolve determinar, aferir e monitorizar as atividades do projeto. Os indicadores de avaliação apresentados pelos participantes, refletem indicadores já considerados na literatura. Estudos demonstram uma associação positiva entre a TC e a qualidade de vida, e resultados negativos relativos à utilização inadequada dos serviços de urgência e readmissões potencialmente evitáveis, quando não são desenvolvidas estratégicas estruturadas de TC (Alqenae et al., 2020; Opper et al., 2019; Sarmento et al., 2022).

Para melhorar o valor em saúde, é essencial definir indicadores para obtenção de resultados que sustentem melhores práticas e apoiem os políticos, gestores e equipas na compreensão da eficiência e dos desafios da implementação de intervenções no âmbito do processo de TC. A definição e monitorização desses indicadores são fundamentais para avaliar a efetividade e a eficiência das intervenções em TC, permitindo a identificação de áreas de melhoria e a tomada de decisão baseada em evidências (Kampstra et al., 2018; Sarmento et al., 2022). A utilização desses indicadores também pode contribuir para a avaliação da sustentabilidade e dos custos das intervenções em TC, garantindo a alocação eficiente dos recursos em saúde (Ng & de Colombani, 2015).

Conclusão

A implementação de projetos de TC requer a consideração de vários fatores de sucesso, como a definição clara do contexto geográfico e do grupo-alvo de intervenção, a comunicação interdisciplinar, a transferência de informação, o envolvimento de parceiros e da pessoa com doença e seus cuidadores, a implementação de estratégias e a definição e monitorização do processo e resultados. Os resultados deste estudo são relevantes para a criação de projetos de TC em diversos contextos de atuação. O investimento em estudos nesta área poderá conduzir a conclusões importantes que poderão ter um papel fundamental na criação de percursos assistenciais integrados e otimização dos cuidados de saúde em Portugal. É importante salientar que este estudo apresenta algumas limitações, como a amostra reduzida e a ausência de validação externa dos resultados, o que sugere que mais investigação nesta área é necessária para consolidar os achados.

Agradecimentos | Acknowledgements: As autoras agradecem a todos os participantes do workshop pelos conhecimentos, partilha e experiências que permitiram esta reflexão.
Conflito de interesses | Conflict of interest: não existem conflito de interesses.
Fontes de financiamento | Funding sources: Não se aplica.
Contributos | Contributions: MS: Conceptualização; Metodologia; Análise; Escrita; Revisão e edição da redação final do manuscrito. MIES: Análises; Escrita; Revisão e edição da redação final do manuscrito. PN, PS, PRS, PSL: Oradoras no workshop; Partilha das comunicações; Revisão e edição da redação final do manuscrito.

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