Revista Portuguesa de Investigação Comportamental e Social 2024 Vol. 10(1): 1–22

Portuguese Journal of Behavioral and Social Research 2024 Vol. 10(1): 1–22

e-ISSN 2183-4938

Departamento de Investigação & Desenvolvimento • Instituto Superior Miguel Torga

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A influência das orientações educacionais dos professores* na coeducação em Educação Física

The influence of teachers' value orientations on coeducation in physical education

 

Catarina Rodrigues 1

Fábio Flôres 1,2

Fernando Vieira 1

1 Insight: Piaget Research Center for Ecological Human Development, Portugal

2 Research Center in Sports Performance, Recreation, Innovation and Technology (SPRINT), Portugal

 

* Os termos ‘professor’ e ‘aluno’ são usados neste artigo para referir-se a docentes e estudantes de ambos os sexos, refletindo o uso comum do termo.

Recebido: 18/01/2024; Revisto: 22/02/2024; Aceite: 29/02/2024.

 

https://doi.org/10.31211/rpics.2024.10.1.321

 

Resumo

Contexto: A influência das orientações educacionais dos professores de Educação Física (EF) nas práticas pedagógicas e na coeducação é vital para entender como o currículo e as metodologias de ensino podem ser otimizados para promover a igualdade de género. Objetivo: Este estudo visa explorar as interrelações entre as orientações educacionais dos professores de EF e a implementação de práticas coeducativas, pretendendo identificar desafios e oportunidades para a promoção da igualdade de género nas aulas de EF. Métodos: Utilizando uma metodologia de métodos mistos, o estudo envolveu 77 professores portugueses de EF (Midade = 47,69 ± 8,82 anos; 57,14% sexo masculino). Os dados quantitativos foram recolhidos através do Value Orientation Inventory – Short Form. Doze professores foram inquiridos recorrendo a entrevista semiestruturada para validação qualitativa das orientações educacionais. Resultados: Verificou-se uma correlação moderada entre a Mestria Disciplinar e outras orientações, com exceção do Processo de Aprendizagem. Professores mais jovens mostraram preferência pela Integração Ecológica, enquanto variações significativas foram notadas em função das características contratuais dos professores em relação ao Processo de Aprendizagem. Os resultados qualitativos reforçaram a complexidade das orientações educacionais, revelando que as preferências e práticas pedagógicas variam amplamente, influenciando significativamente a implementação de práticas coeducativas nas aulas de EF. Conclusões: O estudo conclui que, apesar dos esforços para promover práticas coeducativas, existem desequilíbrios curriculares que favorecem os rapazes. Recomenda-se uma revisão curricular para refletir melhor os interesses e necessidades de ambos os géneros, promovendo um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e equitativo.

Palavras-Chave: Coeducação; Educação Física; Orientações Educacionais; Professor; Investigação de Métodos Mistos.

Abstract

Background: The influence of physical education (PE) teachers' value orientations on pedagogical practices and coeducation is a vital to understand how the curriculum and teaching methodologies can be optimized to promote gender equality. Objective: This study aimed to explore the interrelationships between the educational orientations of PE teachers and the implementation of coeducational practices, intending to identify challenges and opportunities for promoting gender equality in PE classes. Methods: Using a mixed-methods approach, the study involved 77 Portuguese PE teachers (Mage = 47.69 ± 8.82 years; 57.14% male). Quantitative data were collected through the Value Orientation Inventory – Short Form. Twelve teachers were questioned using a semi-structured interview for qualitative validation of value orientations. Results: A moderate correlation was found between Disciplinary Mastery and other orientations, except for the Learning Process. Younger teachers showed a preference for Ecological Integration, while significant variations were noted based on the contractual characteristics of the teachers in relation to the Learning Process. The qualitative results reinforced the complexity of educational orientations, revealing that preferences and pedagogical practices vary widely, significantly influencing the implementation of coeducative practices in PE classes. Conclusions: The study concludes that, despite efforts to promote coeducative practices, curricular imbalances favor boys. A curriculum revision is recommended to better reflect the interests and needs of both genders, promoting a more inclusive and equitable learning environment.

Keywords: Coeducation; Physical Education; Teacher, Value Orientations; Mixed Methods Research. 

 

Introdução

Os professores de Educação Física desempenham um papel fulcral na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo-social infantil (Battaglia et al., 2019; Carreiro da Costa, 1996; Montesinos et al., 2021; Rolim, 2004; Silva & Lopes, 2015; Strahan, 2008;  Wawrzyniak et al., 2022). A sua prática é moldada pelos pensamentos interativos, decisões, planeamento (pré e pós-interação) e pelas suas teorias e crenças (Carreiro da Costa, 1996; Clark & Peterson, 1986; MacPhail et al., 2013; Sylvain et al., 2020; Viciana et al., 2015; Vieira, 2015). Estas teorias e crenças influenciam o modo como o conteúdo é lecionado, elaborado e avaliado ao longo do ano letivo (Matanin & Collier, 2003; Taylor et al., 2009; Vieira, 2015; Zach et al., 2012). Neste âmbito, as orientações educacionais dos professores de Educação Física são essenciais, pois direcionam a implementação do currículo e a abordagem pedagógica nas aulas.

As orientações educacionais podem ser descritas como um conjunto de crenças ou posição filosófica adotados pelo professor (Vieira, 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017) e que exercem um impacto significativo em diversos aspetos do ensino. A compreensão desta influência é importante para identificar as necessidades de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores ao longo das suas carreiras (Behets & Vergauwen, 2004; Chen et al., 2017; Ennis, 1992; Gillespie, 2003; Pasco et al., 2012; Vieira, 2007; 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

Vieira (2007) sugere que as conceções acerca da Educação Física se refletem nas orientações educacionais dos professores. Segundo o autor, estas orientações influenciam a leitura, interpretação e operacionalização do currículo, incluindo a coeducação no ensino da Educação Física (Vieira, 2015). As orientações educacionais podem ser categorizadas em cinco-seis áreas principais:

1.   Mestria Disciplinar: Ênfase no currículo, com priorização do domínio dos conteúdos fisiológicos e biomecânicos, científicos, técnicos e táticos (Gillespie, 2003; Jewett et al., 1995; Pasco et al., 2012).

2.  Processo de Aprendizagem: Foco na aprendizagem ativa, com promoção, entre os alunos, de tomada de decisões e resolução de problemas relacionados com os conteúdos. Aqueles que valorizam esta perspetiva argumentam que é impossível cobrir todo o conteúdo importante adequadamente e, portanto, é vital ensinar aos alunos habilidades que lhes permitam aprender por si mesmos (Ennis, 2003; Gillespie, 2003; Pasco et al., 2012).

3.  Autorrealização: Acredita-se que o currículo deve estar focado no desenvolvimento pessoal e, especificamente, no crescimento do aluno. A excelência individual é priorizada em detrimento dos objetivos socioculturais e do conteúdo disciplinar (Pasco et al., 2012; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

4.  Responsabilidade Social: Defende-se que as escolas eficazes enfatizam a realização de objetivos socioculturais. As escolas são vistas como veículos para a melhoria da sociedade e a mudança cultural é um objetivo primário (Pasco et al., 2012; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

5.  Integração Ecológica: Assunção de interação entre conteúdo, características do aluno e aspetos críticos do contexto social, postulando que o contexto determina que aspeto educacional é priorizado numa aula (Gillespie, 2003; Pasco et al., 2012; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

6.  Perfil Neutro: Orientação educacional adicional, caracterizada pela ausência de crenças fortes, representando uma combinação das cinco orientações educacionais anteriores (Vieira, 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

Complementando essa perspetiva, Constantino (2023) constatou que essas orientações educacionais influenciam diretamente o que os professores consideram ser a educação física ideal, evidenciando a valorização de características que definem um ‘aluno bem-educado’ de acordo com as suas próprias crenças. Por sua vez, Caetano (2023) verificou também que professores com diferentes orientações educacionais promovem a aptidão física na escola de formas distintas. Desta forma, a metodologia de ensino em aulas de educação física é condicionada pelos contextos educativos, sociais e psicológicos dos professores, que organizam as suas aulas baseadas nas suas crenças e na forma como valorizam a disciplina, podendo diferenciar o ensino por grupos de nível de aprendizagem ou por género (Gillespie, 2003).

Essas diferenças nas orientações educacionais, que moldam a abordagem individual dos professores à educação física, estabelecem um pano de fundo importante para se entender a implementação do ensino coeducativo (educação que envolve alunos de ambos os géneros nas mesmas atividades). À medida que os educadores aplicam as suas crenças pessoais na prática pedagógica, surgem oportunidades significativas para promover a igualdade de género através da coeducação, que desafia as normas tradicionais e fomenta uma interação equitativa entre todos os alunos.

A prática do ensino coeducativo, reconhecida como uma estratégia eficaz para promover a igualdade de género, facilita a colaboração entre todos os alunos em diversas atividades, sem hierarquias na seleção das tarefas (Kuppuswami & Ferreira, 2022; Vieira, 2015). Esta abordagem é facilitada pelas reflexões pedagógicas sobre género e cultura do corpo integradas nas aulas, promovendo uma vivência equitativa das atividades educacionais (Santos & Brito, 2023). A coeducação nas aulas de educação física revela-se fundamental no combate às desigualdades de género, oferecendo aos alunos oportunidades para partilharem experiências significativas potencializadas pelas diferenças individuais. Esta metodologia melhora a convivência e a socialização entre os géneros e contribui também para a diminuição da violência e a melhoria da organização das aulas (Fernandes et al., 2018; Fonseca et al., 2023; Louzada de Jesus & Devide, 2006). No entanto, estudos como o de Mckenzie et al. (2014) sugerem que as aulas exclusivas para o sexo feminino podem também ser benéficas, ao potenciar o desenvolvimento de habilidades motoras e desportivas frequentemente menos desenvolvidas nas raparigas. Adicionalmente, Lyu e Gill (2011) concluíram que estas aulas contribuíram para aumentar a competência física, o prazer e o esforço das raparigas em comparação com as aulas mistas. Por fim, Guerrero e Guerrero Puerta (2023) alertam para a persistência de discriminação e preconceito nas aulas de educação física, fenómenos estes influenciados pelas dinâmicas de género. Esta realidade sublinha a urgência de se explorar mais profundamente os processos de construção de estereótipos, como evidenciado por práticas educativas distintas em contextos de pré-escolaridade privada, onde, por exemplo, as aulas de balé são tipicamente destinadas para meninas e as de judo para meninos (Cairney et al., 2012).

Os professores de Educação Física são fundamentais no desenvolvimento cognitivo, motor e socioafetivo dos alunos. As práticas pedagógicas destes professores são profundamente influenciadas pelas suas orientações educacionais, abrangendo desde a Mestria Disciplinar à Integração Ecológica. Estas orientações moldam a forma como o conteúdo é lecionado e avaliado, impactando significativamente a qualidade e a abordagem da educação física nas escolas, particularmente em contextos de coeducação.

Assim, este estudo empregou uma metodologia de métodos mistos para explorar as relações entre as orientações educacionais dos professores e a implementação de práticas coeducativas nas aulas de Educação Física. Especificamente, o estudo visou:

1)  Investigar as interrelações entre diferentes orientações educacionais para entender como estas podem estar associadas entre si, proporcionando uma visão integrada das preferências pedagógicas dos professores.

2)  Explorar como as orientações educacionais variam em função de variáveis demográficas e profissionais dos professores.

3)  Perceber o discurso dos professores entrevistados de acordo com o perfil das suas orientações educacionais

4)  Aprofundar a compreensão sobre como os professores percebem e implementam as práticas pedagógicas e a coeducação no ensino da Educação Física.

Método

Participantes

A amostra consistiu em 77 professores de Educação Física exercendo em 22 escolas do concelho de Almada, Portugal, durante o ano letivo de 2022/2023. A maioria dos participantes tinha uma média de idade de 47,69 anos (DP = 8,82 anos), era do sexo masculino (57,1%), possuindo habilitações ao nível de licenciatura (57,1%), experiência profissional superior a cinco anos (84,4%) e integração no quadro permanente das escolas (48,1%). 

Os professores foram recrutados através de um processo de seleção que incluiu convites diretos enviados às escolas participantes. Todos os procedimentos foram rigorosamente alinhados com as normas éticas de investigação com seres humanos, incluindo a obtenção de consentimento informado dos participantes, conforme estipulado pela Declaração de Helsínquia.

Para o estudo qualitativo, foram selecionados e entrevistados 12 professores com as pontuações mais altas em cada orientação educacional específica, sendo considerados representativos das diferentes abordagens temáticas destacadas nas suas práticas. Dos entrevistados, 75,0% eram do sexo masculino, com uma média de idade de 47,00 anos (DP = 8,73) e uma média de 23,00 anos de experiência profissional (DP = 12,50), com dois professores representando cada uma das orientações educacionais identificadas.

Instrumentos e Procedimentos

Este estudo adotou uma metodologia mista, organizada em duas partes principais: uma parte extensiva (quantitativa) e uma parte intensiva (qualitativa).

Parte Extensiva

Questionário Sociodemográfico

Inicialmente, foi administrado um Questionário Sociodemográfico para recolher informações básicas sobre os participantes. Este questionário incluía variáveis como:

·   Sexo. Categorizado como masculino ou feminino.

·   Idade. Agrupada em intervalos conforme os padrões estabelecidos em estudos anteriores (28–41, 42–47, 48–52; Vieira, 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017) e os considerados pelo Gabinete de Estatística e Planeamento do Ministério da Educação (GEPE, 2009).

·   Anos de Serviço. Categorizados em intervalos (2–3, 4–6, 7–25 e 26–35 anos) baseados no modelo de Huberman (2007).

·   Categorias Profissionais. Categorização consistente com a definida pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Educação (Professor Contratado, Quadro de Escola/Agrupamento de Escolas, Quadro de Zona Pedagógica; GEPE, 2009).

·   Habilitações académicas. Categorização em licenciatura, mestrado e doutoramento.

·   Anos de Escolaridade. Especificação do número total de anos completados no sistema educacional português.

 

Value Orientation Inventory - Short Form (VOI-SF)

O VOI-SF (Ennis & Chen, 1993), versão portuguesa (Vieira, 2003), consiste em 50 itens desenvolvidos para avaliar as prioridades dos professores de Educação Física em relação às decisões curriculares. Este questionário é composto por dez subescalas, cada uma contendo cinco questões. As subescalas correspondem às orientações educacionais que os professores podem adotar:

· Mestria Disciplinar. Foco no domínio de conteúdos específicos, como habilidades de movimento, desportos e exercícios relacionados à saúde. A preocupação principal é a competência do aluno (e.g., "Planeio para que os alunos pratiquem habilidades, jogos ou tarefas de fitness.").

· Processo de Aprendizagem. Valorização do desenvolvimento de habilidades autónomas de aprendizagem nos alunos. A forma como os alunos aprendem é considerada tão importante quanto o que aprendem (e.g., "Ensino aos alunos como decompor tarefas de movimento, habilidade e fitness para enfatizar os componentes mais críticos para a aprendizagem.")

· Autorrealização. Foco no crescimento pessoal e na autonomia dos alunos. Priorização da excelência individual em detrimento de objetivos sociais e conteúdos curriculares (e.g., “Ensino aos alunos a assumir responsabilidade pelas suas próprias ações.”).

· Responsabilidade Social. Valorização de objetivos socioculturais, como a melhoria da sociedade através da educação (e.g., "Ensino aos alunos a trabalhar em conjunto para resolver problemas da turma.")

· Integração Ecológica. Destaque para importância de equilibrar o conhecimento, o aluno e o ambiente social (e.g., "Ensino aos alunos a experimentar novas atividades para descobrir as que gostam.")

Na versão portuguesa, os professores respondem às questões classificando as suas prioridades curriculares numa escala adaptada tipo Likert de cinco pontos (5 = prioridade mais alta; 1 = prioridade mais baixa). Para calcular o resultado de cada orientação educacional, somam-se os pontos de cada uma das cinco questões que compõem a subescala correspondente, variando entre 10 e 50 (pontuação mais alta para cada orientação educacional). Estudos anteriores encontraram valores de alfa de Cronbach para as subescalas que variaram entre 0,77–0,87 (Fernãte et al., 2022) e 0,67 e 0,83 (VOI-SF, Vieira, 2015).

 

Parte Intensiva

Dos 77 professores iniciais, 12 foram selecionados para entrevistas semiestruturadas com base na disponibilidade e consentimento para participar, bem como representação das pontuações máximas em cada orientação educacional do VOI-SF, garantindo uma amostragem abrangente das diferentes perspetivas pedagógicas.

A entrevista consistiu em dez questões abertas (Tabela 1), estruturadas para explorar duas categorias temáticas:

1. Validação das Orientações Educacionais. Os professores foram questionados sobre o que constitui uma educação física ideal, incluindo características de boas aulas e aspetos a melhorar no ensino. Este segmento da entrevista visou validar as orientações educacionais previamente identificadas através do VOI-SF.

2. Coeducação. As questões abordaram as atitudes dos professores quanto à coeducação, desafios de género, preferências de atividades dos alunos e sugestões para ajustes curriculares promovendo a igualdade de género.

O conjunto de perguntas foi previamente validado por um painel de especialistas e por um grupo de professores de Educação Física não pertencentes à amostra em estudo.

A duração média das entrevistas foi aproximadamente de 24 minutos, sendo que a mais curta foi de nove minutos e a mais longa durou 57 minutos.

 

 

Tabela 1

Categorias Temáticas e Questões da Entrevista Estruturada

Validação das Orientações Educacionais

1. O que considera ser uma Educação Física ideal?

2. O que é para si uma boa aula de Educação Física? Que características deve ter?

3. O que lhe parece que pode ser melhorado na Educação Física?

4. O que é para si um bom professor de Educação Física?

5. O que é para si um aluno competente em Educação Física?

Coeducação

6. Concorda com a coeducação? Porquê?

7. Como trabalha a questão do género nas suas aulas?

8. Quais são, de acordo com a sua opinião, as maiores dificuldades das raparigas e dos rapazes em Educação Física?

9. O que acha que as raparigas e os rapazes gostam mais de fazer em relação às matérias de Educação Física? O que acha que mais os motiva?

10. O que modificaria no currículo de Educação Física no sentido de melhorar a coeducação?

 

 

Estratégia Analítica

 

Parte Extensiva

Utilizámos o Software Statistical Package for Social Sciences versão 29.0 (IBM Corporation) para todas as análises estatísticas.

Inicialmente, realizou-se estatística descritiva, incluindo média e desvio-padrão, para caracterizar os dados. Recorremos aos testes de Kolmogorov-Smirnov e de Levene para verificar a normalidade e a homogeneidade das variâncias. Os resultados desses testes indicaram que as suposições foram atendidas, permitindo a aplicação de análises paramétricas (p = 0,02).

De seguida, realizámos a análise de correlação de correlação de Pearson para explorar as interrelações entre as subescalas da VOI-SF. Os coeficientes de correlação < 0,30 foram considerados fracos, entre 0,30 e 0,70 foram considerados moderados e coeficientes > 0,70 foram considerados fortes (Field, 2013). 

O teste t de Student foi utilizado para determinar a presença de diferenças significativas entre as categorias das variáveis dicotómicas.

A ANOVA One-way foi utilizada para avaliar as diferenças entre os grupos, utilizando variáveis sociodemográficas dos professores (faixas etárias, categorias de anos de serviço e categorização profissional) como variáveis independentes, e as pontuações das subescalas do VOI-SF como a variável dependente. Para avaliar a magnitude das diferenças entre os grupos, foi calculado o tamanho do efeito para a ANOVA, utilizando o eta-quadrado (h2). O teste post-hoc de LSD foi aplicado para identificar eventuais diferenças significativas entre os grupos.

O nível alfa de significância foi estabelecido em 0,05.

 

Parte Intensiva

O procedimento de análise temática foi adotado para examinar em profundidade as respostas das entrevistas dos participantes. Este método foi escolhido devido à sua capacidade de identificar padrões e temas emergentes nos dados qualitativos. As seguintes etapas foram seguidas para conduzir a análise temática:

1.   Categorização das Respostas das Entrevistas. As respostas das entrevistas foram transcritas e examinadas para identificar padrões, temas e conceitos relevantes relacionados às orientações educacionais e à coeducação. Cada resposta foi categorizada de acordo com as orientações educacionais específicas (Mestria Disciplinar, Processo de Aprendizagem, Responsabilidade Social, Autorrealização, Integração Ecológica, Perfil Neutro) e dimensões da coeducação mencionadas nas questões da entrevista.

2.  Identificação de Códigos e Subcategorias. Foram identificados códigos e subcategorias para representar os temas emergentes nas respostas dos participantes. Esses códigos foram atribuídos com base nas palavras-chave, conceitos e ideias presentes nas respostas. Os códigos foram agrupados em subcategorias com base em sua similaridade e relevância para os temas em estudo.

3.  Organização dos Dados. Os dados foram organizados de acordo com as categorias identificadas durante a análise. Cada resposta foi atribuída a uma ou mais categorias, dependendo do conteúdo e contexto da resposta.

4.  Interpretação e Elaboração de Temas. Os dados organizados foram interpretados para identificar padrões recorrentes, tendências e insights significativos relacionados às orientações educacionais e à coeducação. Com base nessa interpretação, temas principais foram elaborados para representar as perceções dos participantes sobre os temas em estudo.

5.  Verificação da Consistência e Validade. A consistência e validade dos temas identificados foram verificadas através de revisão iterativa dos dados, discussões entre os pesquisadores e comparação com a literatura relevante. Qualquer ambiguidade ou discordância na interpretação dos dados foi abordada por meio de discussão e consenso entre os membros da equipa de pesquisa.

Posteriormente, as respostas das entrevistas foram categorizadas de forma ordinal após uma análise de conteúdo detalhada. Os critérios pré-definidos para a atribuição de valores numéricos envolveram escalas de relevância e concordância, determinadas por aspetos como a intensidade da opinião, a especificidade da resposta, e a alinhamento com as orientações educacionais exploradas.

A fidedignidade deste sistema de categorização foi aferida através dos índices de fidelidade intra e inter observador, utilizando a fórmula de Bellack para calcular a estabilidade e confiabilidade das categorizações: .

Para o índice de fidelidade intra observador, os acordos e desacordos foram calculados em dois momentos distintos de análise, separados por 10 dias, realizados pela investigadora principal. Quanto ao índice de fidelidade inter observador, os acordos e desacordos resultaram da análise independente realizada por dois investigadores deste estudo.

 

Resultados

 

Parte Extensiva

Quanto às interrelações entre diferentes orientações educacionais, a análise de correlação entre as orientações educacionais do VOI-SF (Tabela 2) mostrou correlações negativas moderadas entre a Mestria Disciplinar e as outras subescalas com exceção do Processo de Aprendizagem.

O Processo de Aprendizagem também se correlacionou de forma moderada e negativa com as restantes subescalas.

As restantes orientações pedagógicas mostraram correlações positivas fracas entre si.

 

Tabela 2

Correlações de Pearson entre as Orientações Educacionais (VOI-SF)

Orientações Educacionais

1

2

3

4

5

1. Mestria Disciplinar

 

 

 

 

2. Processo de Aprendizagem

0,27*

 

 

 

3. Responsabilidade Social

-0,63***

-0,56***

 

 

4. Autorrealização

-0,66***

-0,50***

0,32***

 

5. Integração Ecológica

-0,49***

-0,47***

0,15

0,21

Nota. N = 77. VOI-SF = Value Orientation Inventory - Short Form.

*p < 0,05. **p < 0,01. ***p < 0,001.

 

 

A Tabela 3 apresenta os valores médios das orientações educacionais dos professores em relação à idade, anos de serviço e categoria profissional. Os resultados indicam que, de forma geral, não existem diferenças significativas entre as orientações educacionais dos professores para nenhuma das variáveis estudadas (MD: F(3, 116) = 0,58, p = 0,63, η² = 0,02; PA: F(3, 116) = 0,81, p = 0,49, η² = 0,03; AR: F(3, 116) = 0,37, p = 0,77, η² = 0,02; IE: F(3, 116) = 2,39, p = 0,07, η² = 0,09; RS: F(3, 116) = 0,42, p = 0,74, η² = 0,02).

Apesar disso, ao analisar individualmente cada categoria, observou-se que os professores mais jovens e com menos experiência docente manifestaram maior preferência pela IE comparativamente aos professores relativamente mais velhos e mais experientes (28–41 vs. 42–47; p < 0,02; 28–41 vs. 48–52; p < 0,03).

Em relação aos anos de serviço, foram observadas diferenças estatisticamente significativas apenas na IE (2–3 vs. 26–35; p < 0,04).

Relativamente à categoria profissional foram observadas diferenças estatisticamente significativas no PA entre o PC e o QZP (p = 0,01) e o QE/QA e o QZP (p = 0,03), no AR entre o QE/QA e o QZP (p = 0,03), e na IE entre o PC e o QE/QA (p = 0,05) e o PC e o QZP (p = 0,04).

Por fim, não foram encontradas diferenças nas pontuações da VOI-SF entre as categorias de habilitações académicas (MD: F(3, 74) = 0,35; p = 0,84; η² = 0,02; A: F(3, 74) = 0,59; p = 0,67; η² = 0,03; AR: F(3, 74) = 0,49; p = 0,75, η² = 0,03; IE: F(3, 74) = 1,15; p = 0,34; η² = 0,06; RS: F(3, 74) = 0,49; p = 0,75; η² = 0,03).

 

 

Tabela 3

Estatísticas Descritivas das Orientações Educacionais (VOI-SF) por Grupo

Variáveis

MD

PA

RS

AR

IE

M

DP

M

DP

M

DP

M

DP

M

DP

Idade a,b

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

28–41

33,32

5,70

30,63

5,80

29,21

5,08

26,79

5,18

30,05

5,06

42–47

31,06

7,00

29,39

5,10

28,67

4,24

30,17

4,23

30,72

5,38

48–52

31,50

8,15

28,55

6,66

29,20

5,92

29,80

3,89

30,95

6,00

≥ 53

33,58

7,57

31,11

4,95

27,74

4,40

28,47

3,75

29,11

5,85

Anos de serviço

2–3

31,75

4,57

32,25

6,50

28,75

6,40

25,00

2,71

32,25

5,85

4–6

30,38

3,93

31,25

5,52

31,00

4,60

28,13

5,57

29,25

4,86

7–25

32,39

7,61

30,02

5,28

28,41

4,46

28,76

4,56

30,41

5,61

26–35

32,63

7,21

28,47

6,92

28,53

5,66

30,00

3,54

30,37

5,71

≥ 36

35,50

10,15

30,50

2,52

28,00

6,38

28,75

4,99

27,25

6,24

Categoria profissional

PC

33,67

6,55

31,81

5,68

28,38

5,06

26,86

5,14

29,29

4,42

QE/QA

33,34

7,17

30,49

5,73

27,43

4,14

29,17

3,54

29,57

6,09

QZP

30,15

8,04

26,46

4,91

30,92

6,30

30,00

3,98

32,46

5,87

Nota. VOI-SF = Value Orientation Inventory - Short Form. MD = Mestria Disciplinar; PA = Processo de Aprendizagem; RS = Responsabilidade Social; AR = Autorrealização; IE = Integração Ecológica; PC = Professor Contratado; QE/QA = Quadro de Escola /Quadro de Agrupamento; QZP = Quadro de Zona Pedagógica.

a Diferença significativa na IE entre 28–41 e 42–47 anos.

b Diferença significativa na IE entre 28–41 e 48–52 anos.

 

 

Parte Intensiva

Os índices de fidelidade intra e inter observador para a dimensão de Validação das Orientações Educacionais foram de 91,2% e 92,5%, respetivamente, indicando uma alta consistência na avaliação. Para a dimensão de Coeducação, os índices foram de 84,5% para intra observador e 91,0% para inter observador, refletindo igualmente uma boa fidelidade na codificação e análise das respostas.

Quanto à validação das orientações educacionais avaliadas pelo VOI-SF, a Tabela 4 proporciona uma análise temática das respostas das entrevistas estruturadas, categorizadas de acordo com as suas orientações educacionais. A síntese desta análise revela padrões específicos em relação à validação das orientações educacionais e à dimensão da coeducação.

 

Tabela 4

Análise Temática das Respostas das Entrevistas Categorizadas Segundo as Orientações Educacionais

Questões

 

MD

PA

RS

AR

IE

PN

Validação das Orientações Educacionais

Q1

 

EMV/ensino básico; contextos; especialização/secundário; saúde; currículo/conteúdo.

Níveis de aprendizagem; inclusão; currículo/conteúdo; adaptação currículo; instalações.

Saúde; aprendizagens essenciais; PASEO.

Motivação alunos; desenvolvimento da criança.

Saúde; experimentação/importância; valores; especialização/básico

Contextos; necessidades do aluno; capacidades motoras; tempo potencial de aprendizagem; instrução/feedback.

Q2

 

Contextos; turmas; estruturada; empenho dos alunos; motivação dos alunos; objetivos atingidos; objetivos/currículo; bom ambiente.

Estruturada; politemática; diferentes grupos, alunos disponíveis.

Objetivos atingidos; bom ambiente; tempo de prática; períodos de espera; fluída; professor afetuoso; feedbacks; avaliação sistemática alunos.

Turmas; estruturada; politemática; dinâmica; períodos de espera.

Dinâmica; períodos de espera; feedbacks; movimentação e bem-estar; evolução dos alunos.

Turmas; estruturada; objetivos atingidos; bom ambiente; politemática; evolução dos alunos; exercício vigoroso; professor feliz e satisfeito; respeito dos alunos; alunos felizes e contentes.

Q3

 

Equipamentos; instalações; melhorar contextos aluno; adaptação programa

Aptidão física; estilos de vida saudáveis

Adaptação programa; contexto professor/ alunos; mais aulas/semana

Equipamentos; adaptação programa; atividades comunidade escolar

Equipamentos; instalações;

mais aulas/semana;

importância desporto escolar; abrangência/especialização programa.

Equipamentos; instalações; mais aulas/semana; abrangência/especialização programa.

Dimensão da Coeducação

Q6

 

Alguma distinção.

Concordância – capacidades; igualdade.

Concordância – relações sociais; não concordância, mas existem características físicas.

Concordância – igualdade; valores.

Concordância – capacidades.

Concordância – igualdade.

Q7

 

Grupos mistos; escolha dos alunos; distinção esporádica; grupos de nível

Grupos mistos; grupos de nível.

Distinção esporádica; grupos de nível.

Grupos mistos; grupos de nível.

Grupos de nível.

Grupos mistos; distinção esporádica; grupos de nível.

Q8

 

Raparigas – intervenção desportos coletivos; força; futebol; Rapazes – flexibilidade.

Raparigas –futebol; atletismo; ginástica de aparelhos; basquetebol; Rapazes – ginástica, dança e comportamento; Ambos – motivação.

Ambos – contexto turmas e timidez.

Raparigas – futebol e basquetebol; Rapazes – ginástica, expressões e patinagem; Ambos – desportivos coletivos e ginástica.

Raparigas – analfabetismo desportivo; Rapazes – dança e presunção.

Raparigas – foco e falta de motivação; Rapazes – comportamental.

Q9

 

Raparigas – sem confronto físico e voleibol; Rapazes – competição/confronto; Ambos – conhecimentos desportos.

Raparigas –voleibol; basquetebol e dança; Rapazes – futebol e basquetebol; Ambos – desportos coletivos.

Raparigas – dança; atividade rítmicas e expressivas, desportos individuais e ginástica; Rapazes – competição/confronto; futebol; futsal e desportos coletivos.

Raparigas – voleibol; Rapazes – futebol e testes Fit Escola; Ambos – futebol; basquetebol e badminton.

Raparigas – voleibol, basquetebol; dança; desportos individuais; ginástica; atletismo; badminton; ténis, pré-desportivos e patinagem; Rapazes – futebol; basquetebol e desportos coletivos.

Raparigas –badminton e patinagem

Rapazes – futebol e ginástica de aparelhos

Ambos – futebol.

Q10

 

Ginástica mais precoce;

Não alteração.

Mais disciplinas femininas; Não alteração.

Turmas equilibradas; Retirar futsal.

Não alteração.

Não alteração.

Não alteração.

Nota. N = 12. Qi = Questão de Entrevista Estruturada. MD = Mestria Disciplinar; PA = Processo de Aprendizagem; RS = Responsabilidade Social; AR = Autorrealização; IE = Integração Ecológica; PN = Perfil Neutro.

 

Por fim, para explorar as perceções dos professores sobre práticas pedagógicas ideais e coeducação nas aulas de Educação Física, apresenta-se a seguir uma síntese organizada das respostas obtidas através das entrevistas, categorizadas conforme as questões específicas abordadas.

 

 Questão 1.        Em relação ao ideal de Educação Física, quatro professores destacaram a saúde como objetivo primordial, enfatizando a criação de hábitos de prática desportiva e a importância da atividade física.

 Questão 2.        Quanto às características de uma boa aula de Educação Física, quatro professores mencionaram que a estrutura era essencial, incluindo aquecimento, atividade principal e retorno à calma e depende das especificidades das turmas.

 Questão 3.        Sobre melhorias na Educação Física, quatro professores apontaram a necessidade de melhorar equipamentos e instalações, além de sugerirem um aumento na frequência das aulas para três blocos semanais.

 Questão 4.        Nove professores destacaram que um bom professor de Educação Física deve ser motivador (Figura 1). Além disso, três professores ressaltaram a importância de ser conhecedor, com competências ao nível científico e pedagógico, abrangendo saberes de pedagogia, didática, psicologia e fisiologia.

 Questão 5.        Seis professores mencionaram que um aluno competente em Educação Física deve ser empenhado e esforçado (Figura 2). Quatro professores enfatizaram a importância da evolução visível do aluno, enquanto outros quatro apontaram a necessidade de uma boa atitude social, incluindo respeito pelos pares e professores.

 Questão 6.        A maioria dos professores (75%) apoiou a coeducação, embora dois tenham feito distinções baseadas em género e um expressado discordância.

 Questão 7.        A gestão da questão de género nas aulas predominou (52,94%) pela organização em grupos de nível de desempenho, independentemente do género.

 Questão 8.       Quatro professores identificaram dificuldades específicas em futebol para raparigas e problemas comportamentais para rapazes durante as aulas.

 Questão 9.        As indicações das preferências por modalidades desportivas variaram. Cinco professores indicaram que as raparigas se inclinam para voleibol e quatro professores que elas se inclinam para a dança, enquanto sete professores indicaram que os rapazes preferem futebol.

 Questão 10.    A maioria (66,67%) não viu necessidade de alterações curriculares para melhorar a coeducação, valorizando o programa atual.

 

 

Figura 1

Nuvem de Palavras Representando as Características Valorizadas num Bom Professor de Educação Física

Figura de Palavras Relacionadas a Bom Professor de EF

 

 

 

 

Figura 2

Nuvem de Palavras Representando as Características Valorizadas num Aluno Competente em Educação Física

Figura de Palavras Relacionadas a Bom Professor de EF

 

 

Discussão   

Este estudo explorou as orientações educacionais de professores de Educação Física, revelando uma complexa interação entre estas orientações e as práticas de ensino coeducativas. A análise destacou a existência de uma dicotomia entre a Mestria Disciplinar e as abordagens mais holísticas, como o Processo de Aprendizagem, que enfatizam a aprendizagem autónoma e o desenvolvimento pessoal dos alunos.

 

Parte Extensiva

 

Interrelações entre Orientações Educacionais

A análise das correlações entre as orientações educacionais dos professores de Educação Física revela padrões significativos que refletem as prioridades e perspetivas pedagógicas no contexto educacional. A relação entre a Mestria Disciplinar e as outras orientações, em particular, destaca uma tendência importante que pode ter implicações profundas para a prática pedagógica.

Mestria Disciplinar Versus Outras Orientações Educacionais. A Mestria Disciplinar, caracterizada pela ênfase no domínio de conteúdos, mostra correlações negativas moderadas com quase todas as outras orientações educacionais, exceto com o Processo de Aprendizagem. Isto sugere que uma forte ênfase no conteúdo disciplinar pode estar em tensão com orientações que favorecem a responsabilidade social, a autorrealização e a integração ecológica. Este resultado é corroborado por estudos anteriores (Constantino, 2023; Gillespie, 2003; Meireles, 2013; Pasco et al., 2012; Vieira, 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017), que indicam que uma ênfase excessiva no conteúdo pode restringir a abordagem pedagógica a um ensino mais tradicional e menos adaptado às necessidades sociais e individuais dos alunos.

Processo de Aprendizagem e Suas Correlações. Por outro lado, o Processo de Aprendizagem, que foca na aprendizagem ativa pelos alunos, também se correlaciona negativamente com as demais orientações, embora de maneira menos intensa que a Mestria Disciplinar. Este padrão pode indicar que uma abordagem que valoriza a autonomia do aluno no processo educativo pode ser vista como contrária, tanto a métodos tradicionais baseados no conteúdo, quanto a métodos que enfatizam o desenvolvimento pessoal e social. A literatura relevante, incluindo os trabalhos de Ennis (2003) e Gillespie (2003), apoia a ideia de que ensinar habilidades para aprender independentemente é crucial, mas pode ser percebido como menos compatível com abordagens que focam diretamente no conteúdo ou nos resultados sociais específicos.

Correlações Positivas Entre Outras Orientações. Mais do que no estudo de Meireles (2013), que encontrou uma correlação entre a Responsabilidade Social e Autorrealização, na nossa pesquisa verificamos que as orientações de Responsabilidade Social, Autorrealização e Integração Ecológica se correlacionam todas entre si, indicando uma complementaridade entre abordagens que valorizam os aspetos sociais, individuais e contextuais do ensino. Essas orientações sugerem um modelo de ensino que integra preocupações com o bem-estar do aluno, a justiça social e a adaptação do ensino aos contextos vividos pelos alunos, refletindo estudos como os de Vieira e Carreiro da Costa (2017), que destacam a importância de abordagens educacionais holísticas.

Implicações Pedagógicas. Estes padrões de correlação têm implicações significativas para a formação e desenvolvimento contínuo dos professores de Educação Física. Eles apontam para a necessidade de equilibrar competências em conteúdo disciplinar com habilidades para envolver os alunos na sua aprendizagem de maneira significativa e contextualmente relevante. Além disso, os dados sugerem que os programas de formação de professores deveriam encorajar uma reflexão crítica sobre como integrar diversas orientações educacionais de maneira a promover um ambiente de aprendizado mais inclusivo e adaptativo.

 

Fatores de Variação das Orientações Educacionais

A análise das variações nas orientações educacionais com base em características sociodemográficas dos professores de Educação Física revela aspetos fundamentais sobre a dinâmica e a evolução das preferências pedagógicas neste campo. Estes resultados fornecem insights significativos sobre como os atributos pessoais e profissionais dos professores podem influenciar as suas abordagens ao ensino.

Preferências por Integração Ecológica. A preferência acentuada dos professores mais jovens e com menos experiência pela Integração Ecológica, como observado nos resultados do estudo, reflete uma possível adaptação às tendências educacionais contemporâneas que enfatizam a relevância do contexto e a adaptabilidade no processo de ensino-aprendizagem. A Integração Ecológica, segundo Gillespie (2003) e Pasco et al. (2012), promove uma abordagem pedagógica que considera as interações dinâmicas entre o conteúdo, o aluno e o ambiente, fomentando um ensino mais responsivo às necessidades individuais e contextuais. Esta orientação pode estar a ser particularmente valorizada em resposta às mudanças curriculares recentes, que integram uma consciência aumentada sobre questões ambientais e mudanças climáticas. A formação inicial de professores está cada vez mais sendo estruturada para refletir uma nova conceção de educação, onde as questões ambientais são consideradas parte integral do currículo. Este enfoque é apoiado pela literatura (Ennis, 1992; Jewett et al., 1995; Vieira, 2007; 2015), que argumenta a favor de um equilíbrio entre objetivos pessoais e sociais, permitindo que os alunos aprendam a resolver e responder aos problemas de forma eficaz e contextualmente relevante. Além disso, esta tendência sugere que os programas de formação de professores estão se adaptando para preparar educadores capazes de não apenas ensinar sobre o conteúdo tradicional, mas também envolver os alunos em aprendizagens que transcendem o ambiente escolar, abordando as interações complexas entre o indivíduo, a sociedade e o ambiente natural. Assim, a preferência pela Integração Ecológica entre os professores mais jovens pode refletir uma mudança paradigmática na educação, onde o ensino se torna um veículo para a consciencialização e ação ambiental, alinhando as práticas pedagógicas com as necessidades emergentes da sociedade e do planeta. Este alinhamento não apenas responde às exigências contemporâneas da educação, mas também prepara os alunos para serem cidadãos responsáveis e capazes de enfrentar os desafios ambientais globais. Portanto, a adesão crescente a este tipo de orientação educacional entre os novos professores destaca um movimento importante na educação física, que cada vez mais reconhece o papel crucial do ambiente e da sustentabilidade no currículo escolar.

Foco no Processo de Aprendizagem. As variações entre os professores contratados e os inseridos em quadro de escola/agrupamento, mostrando uma orientação mais forte para o Processo de Aprendizagem, ressaltam uma tendência entre os professores em situações contratuais menos permanentes para valorizar abordagens que promovam a autonomia dos alunos. Isso poderá ser uma estratégia adaptativa em ambientes onde a estabilidade de emprego é menor, incentivando métodos que facilitam resultados educativos rápidos e eficazes, como destacado por Ennis (2003), que sublinha a importância de desenvolver competências de aprendizagem autónoma entre os alunos.

Impacto das Qualificações Académicas e Anos de Lecionação. À semelhança de estudos prévios (Caetano, 2023; Constantino, 2023; Vieira, 2015; Vieira & Carreiro da Costa, 2017), o estudo não encontrou diferenças significativas nas orientações educacionais com base nas qualificações académicas ou anos de lecionação. Esta ausência de correlação pode indicar que as orientações pedagógicas são mais profundamente influenciadas por fatores contextuais e individuais do que simplesmente pela experiência ou nível de formação académica.

Implicações Pedagógicas. Este conjunto de resultados destaca a complexidade e a diversidade das orientações educacionais entre professores de Educação Física, mostrando como fatores alguns fatores sociodemográficos e académicos interagem para moldar as práticas pedagógicas. As implicações destes achados são vastas, sugerindo a necessidade de políticas educativas e programas de formação de professores que reconheçam e integrem a diversidade de perspetivas e necessidades pedagógicas, promovendo abordagens de ensino mais adaptativas.

 

Parte Intensiva

 

Validação das Orientações Educacionais

Mestria Disciplinar. As respostas associadas a esta orientação enfatizam a importância do contexto e do conteúdo especializado, tanto no ensino básico quanto no secundário, com um foco claro na saúde e no currículo. Isto está em linha com estudos anteriores que destacam a importância de um currículo rigoroso e bem estruturado (Gillespie, 2003; Jewett et al., 1995). A valorização do contexto e da especialização reflete uma abordagem tradicional, mas adaptada às necessidades específicas dos alunos e aos ambientes de aprendizagem.

Processo de Aprendizagem. Professores com esta orientação enfatizam a adaptação curricular e a inclusão, corroborando a literatura que sugere a importância de ensinar habilidades que permitam aos alunos aprender por si (Ennis, 2003; Gillespie, 2003). A ênfase na adaptação das instalações e no nível de aprendizagem indica um compromisso com ambientes educacionais que são tanto inclusivos quanto desafiadores.

Responsabilidade Social e Autorrealização. Estas orientações destacam a importância de criar um ambiente motivador e desenvolver o potencial dos alunos, em sintonia com a literatura que valoriza objetivos socioculturais e o crescimento individual dos alunos (Pasco et al., 2012; Vieira & Carreiro da Costa, 2017).

Integração Ecológica. As respostas destacam a saúde, a experimentação e a importância dos valores, alinhando-se com a visão de que o contexto educativo deve adaptar-se às necessidades e capacidades dos alunos (Vieira & Carreiro da Costa, 2017), promovendo uma educação que considera o ambiente integral do aluno.

 

Dimensão da Coeducação

A coeducação é discutida principalmente em termos de igualdade de capacidades e oportunidades, independentemente do género. A maioria dos professores concorda que a coeducação é essencial para promover a igualdade, o que é apoiado por estudos que demonstram os benefícios da interação equitativa entre todos os alunos (Kuppuswami & Ferreira, 2022; Vieira, 2015). Os desafios e especificidades mencionados, como a distinção ocasional baseada no género ou a preferência por desportos, refletem a complexidade de implementar práticas coeducativas que respeitem tanto as diferenças individuais quanto promovam a igualdade.

 

Perceções de Professores sobre Práticas Pedagógicas e Coeducação em Educação Física

A análise das respostas dos professores sobre práticas pedagógicas ideais e a coeducação em Educação Física revela insights valiosos sobre as perceções e as preferências educacionais, importantes para o desenvolvimento e a implementação de estratégias eficazes no ensino desta disciplina.

Perceções Sobre o Ideal de Educação Física e a Estrutura das Aulas. Os professores destacam a saúde como objetivo primordial da Educação Física, sublinhando a importância de criar hábitos de prática desportiva e atividade física regular. Este destaque está alinhado com a literatura que reconhece a Educação Física como um meio essencial para promover um estilo de vida saudável (Battaglia et al., 2019; Montesino et al., 2021). A estrutura das aulas, mencionada como crucial, deve incluir aquecimento, atividades principais e períodos de retorno à calma, refletindo uma abordagem pedagógica que considera as especificidades das turmas e a importância de um ambiente estruturado para o aprendizado eficaz (Silva & Lopes, 2015).

Necessidade de Melhorias nas Infraestruturas. A necessidade de melhorar equipamentos e instalações e a sugestão de aumentar a frequência das aulas para três blocos semanais apontam para uma preocupação com os recursos disponíveis e a quantidade de exposição dos alunos à atividade física, aspetos críticos para o sucesso das políticas educativas em Educação Física (Chepyator-Thomson & Liu, 2003; Constantino, 2023; Taylor et al., 2009; Tutkun et al., 2017).

Características de um Bom Professor e Aluno de Educação Física. Os professores identificam que um bom professor deve ser motivador e possuir um conhecimento abrangente que inclua pedagogia, didática, psicologia e fisiologia. Esses atributos são essenciais para o desenvolvimento de um ambiente educacional que promova não só a competência física, mas também o respeito e a integração social entre os alunos (Constantino, 2023; Strahan, 2008; Wawrzyniak et al., 2022).

Coeducação e Gestão de Género. A maioria dos professores apoia a coeducação, destacando a importância de práticas que promovam a igualdade de género. A organização em grupos de desempenho, independentemente do género, é uma estratégia prevalente, embora ainda existam desafios específicos, como as dificuldades no futebol para raparigas e problemas comportamentais para rapazes. Estes desafios refletem abordagens pedagógicas mais adaptativas que possam responder eficazmente às necessidades específicas de cada género, ao mesmo tempo que promovem a igualdade e a inclusão (Frühauf et al., 2022; Vieira, 2015).

Preferências por Modalidades Desportivas e Necessidade de Alterações Curriculares. Numa análise das preferências por modalidades desportivas, evidenciadas pelo nosso estudo e corroboradas por Frühauf et al. (2022), constatamos uma variedade de interesses entre os alunos, com as raparigas mostrando inclinação para atividades como voleibol e dança, enquanto os rapazes tendem a preferir o futebol, confirmando achados anteriores de Frühauf et al. (2022) e Vieira (2015). Esta diversidade ilustra a importância de oferecer uma gama variada de atividades que possam atrair e envolver todos os alunos, independentemente do seu género. No entanto, apesar das diferenças nas preferências, a maioria dos professores, em linha com o estudo de Frühauf et al. (2022), não percebe uma necessidade significativa de alterações curriculares para melhorar a coeducação, valorizando o programa atual. Esta perspetiva sugere que, embora ajustes específicos possam ser necessários para abordar desafios individuais, o currículo existente já proporciona uma base sólida para a educação física inclusiva e eficaz.

 

Limitações e Forças do Estudo

Limitações

Este estudo enfrenta algumas limitações que devem ser consideradas ao interpretar os resultados. Primeiramente, a baixa taxa de adesão aos questionários por parte dos professores das 22 escolas envolvidas pode ter comprometido a representatividade da amostra. Este fator limita a generalização dos resultados, pois as respostas obtidas podem não refletir uma gama completa de perspetivas e práticas existentes no campo da Educação Física.

Adicionalmente, o alcance geográfico restrito do estudo, concentrando-se numa área específica do país, pode não captar as variações regionais que influenciam as práticas pedagógicas e as orientações educacionais dos professores. Tal limitação é particularmente relevante em contextos educativos, onde fatores locais podem ter um impacto significativo no ensino.

Forças

No entanto, o estudo também apresenta várias forças que enriquecem a sua contribuição para a literatura existente. A utilização de uma metodologia de métodos mistos permite uma análise abrangente, combinando a precisão quantitativa com insights qualitativos profundos. Esta abordagem proporciona uma visão holística das orientações educacionais e práticas pedagógicas, destacando-se como um modelo robusto para estudos futuros na área.

Além disso, o foco nas práticas de coeducação e nas orientações educacionais dos professores de Educação Física traz à tona discussões importantes sobre a implementação de práticas inclusivas e equitativas. As descobertas deste estudo oferecem perspetivas valiosas sobre como os professores podem integrar eficazmente princípios de igualdade e inclusão no currículo de Educação Física.

 

Conclusão

Este estudo visou analisar as orientações educacionais dos professores de Educação Física e as suas relações com as práticas pedagógicas, especialmente no contexto da coeducação. Através de uma abordagem de métodos mistos, foi possível obter uma compreensão detalhada de como as crenças e teorias dos professores moldam as suas práticas em sala de aula. As análises revelaram que, enquanto muitos professores valorizam e implementam estratégias coeducativas, existem ainda desafios significativos que precisam ser abordados para promover uma verdadeira igualdade de gênero nas aulas de Educação Física.

Os resultados quantitativos e qualitativos deste estudo indicam que a Mestria Disciplinar e o Processo de Aprendizagem são orientações centrais entre os professores, embora suas interrelações com outras orientações educacionais apresentem complexidades que influenciam diretamente a prática pedagógica. Notavelmente, a análise temática das entrevistas sublinha uma preocupação recorrente: a oferta curricular em Educação Física parece estar mais adequada aos rapazes do que às raparigas, conforme discutido por Flintoff e Scraton (2006). Este desequilíbrio não só limita a experiência educativa das raparigas, mas também desafia os princípios de equidade que a coeducação visa promover.

A investigação sugere que, apesar dos esforços para integrar práticas coeducativas, a necessidade de adaptar o currículo para ser mais inclusivo e representativo dos interesses e necessidades de ambos os gêneros permanece um desafio significativo. O estudo identificou que enquanto algumas atividades desportivas são mais frequentemente associadas a rapazes, como o futebol, outras, como a dança e o voleibol, são percebidas como mais apropriadas para raparigas. Essas perceções podem inadvertidamente reforçar estereótipos de género e limitar as oportunidades para alunos explorarem uma gama completa de atividades físicas.

Portanto, recomenda-se que futuras políticas curriculares e programas de formação de professores enfatizem a importância de um currículo equilibrado e sensível ao género, que não apenas atenda às normas de coeducação, mas que também promova uma participação igualitária e significativa de todos os alunos. Investigações futuras devem continuar a explorar como as orientações educacionais e as práticas pedagógicas podem ser melhor harmonizadas para apoiar este objetivo, garantindo que a Educação Física contribua de forma eficaz para o desenvolvimento integral e equitativo de todos os alunos.

 

Agradecimentos e Autoria

Agradecimentos: Os autores não indicaram quaisquer agradecimentos.

Conflito de interesses: Os autores não indicaram quaisquer conflitos de interesse.

Fontes de financiamento: Este estudo não recebeu qualquer financiamento específico.

Contributos: CR: Metodologia; Investigação; Redação – Rascunho Original; Visualização; FF: Software; Análise Formal; Redação – Revisão & Edição; FV: Conceptualização; Validação; Recursos; Redação – Revisão & Edição; Supervisão; Gestão de Projeto; Captação de financiamento; Administração.

 

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