2017, Vol. 3(1): 14-26
Rede
Social de Pessoas com Consumos Aditivos e Dependências
Artigo Original
Ana Paula Caetano
ⓘ ✉, Sónia Guadalupe ⓘ
https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2017.3.1.44
Recebido 27 dezembro 2016
Aceite 24 fevereiro 2017
Objetivos: As redes sociais desempenham um papel central na qualidade de
vida da pessoa com comportamentos aditivos, determinantes, tanto na manutenção
como na compensação e na reabilitação destes comportamentos. Este estudo tem
como objetivo caracterizar as redes sociais de pessoas com consumos aditivos e
dependências em situação ou risco de exclusão social.
Métodos: Participaram no estudo 30 sujeitos consumidores de substâncias
psicoativas, com idades compreendidas entre os 24 e os 65 anos (M ± DP
= 43,03 ± 10,10), a maioria do sexo masculino (80,0%), não tendo fonte de
rendimentos na maior parte (46,7%) ou sendo apoiados por medidas de política
social (53,3%). A maioria tem como substância principal de consumo a heroína
(63,3%). Avaliámos as dimensões estrutural, funcional e relacional-contextual
das suas redes com o Instrumento de Análise da Rede Social Pessoal.
Resultados: As redes dos inquiridos são constituídas, em média, por 7
elementos, predominando as relações familiares; são fragmentadas, constituídas
essencialmente por membros das redes primárias, ainda que as secundárias
representem cerca de ¼ dos membros. A reciprocidade e o nível de apoio social
percebido são elevados, assim como o apoio emocional e informativo. Os
indivíduos inquiridos, na sua maioria, referem ter membros na rede com CAD na
rede social (77,0%), relações que ocupam mais de 20,0% do tamanho das redes.
Analisámos comparativamente as redes segundo privação material e de abrigo, não
tendo emergido diferenças significativas (p
> 0,05), ainda que os perfis de rede sugiram diferentes estratégias de
ativação do suporte.
Conclusões: O estudo confirma a importância da avaliação da rede social
em pessoas com comportamentos aditivos e dependências. A planificação da
intervenção social deve integrar as características da rede pertinentes para o
suporte na redução do uso abusivo de substâncias e dos riscos associados, assim
como para a promoção do bem-estar social e da cidadania.
Palavras chave:
Consumos aditivos e dependências · Exclusão social · Rede
social · Serviço
social · Suporte social
Vivemos num emaranhado relacional. Como os
pontos se ligam entre si, através de linhas, as pessoas serão os pontos e as
linhas serão as interações que se vão tecendo ao longo da vida. As redes
relacionais formam a trama da sociedade e das sociabilidades, configurando-se
enquanto sistemas sociais de suporte e de reconhecimento identitário.
Segundo a perspetiva ecológica do
desenvolvimento humano, a rede social do indivíduo integra um conjunto de
sistemas sociais que o influenciam e que o próprio influencia permanentemente.
Esta perspetiva permite-nos ver para além das causas tidas como mais imediatas
das situações e comportamentos das pessoas, já que tem em conta as complexas
influências históricas e ambientais que aí intervêm, tanto direta como
indiretamente (Lacroix, 1990). Numa perspetiva egocentrada,
Sluzki (1996, p. 42) define rede social pessoal como o conjunto de
"todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou que
define como diferenciadas da massa anónima da sociedade. Essa rede corresponde ao
nicho interpessoal da pessoa e contribui substancialmente para seu próprio
reconhecimento como indivíduo e para a sua autoimagem". As redes sociais
são consideradas “sistemas abertos que, através de um intercâmbio dinâmico
entre os seus membros e os elementos de outros grupos sociais, potencializam
outros recursos” (Alarcão &
Sousa, 2007, p. 356). Assim, tais sistemas proporcionam
socialização.
Quando nos reportamos à magnitude dos
problemas ligados aos comportamentos aditivos e dependências (CAD), para além
do evidente problema de saúde, este tem implicações holísticas, encontrando-se
associado a problemas de ordem emocional, comportamental, relacional e social.
Em termos sociais, referimo-nos a um conjunto de processos e de retrocessos na
socialização e na capacitação para a autonomia pessoal e participação plena na
sociedade. Nestes processos e retrocessos, Ló (2011) refere que
no percurso da dependência assiste-se à degradação dos laços familiares e de
amizade, com a escola, a empresa e outras instituições numa progressiva
substituição dos quadros de valores de referência. Verifica-se, em grande parte
dos casos, um afastamento do toxicodependente do exercício dos direitos e
deveres de cidadania, e a sua integração num sistema social cuja estrutura se alicerça
num padrão sociocultural específico, organizado exclusivamente em torno da
tríade procura-oferta-consumo de drogas.
A exclusão social associada aos CAD é um
fenómeno que confirma, geralmente, uma situação deficitária a nível de recursos
(económicos, sociais, culturais) que dificultam a participação social do
indivíduo. É reprodutora de si mesma, pois a cisão social proporciona, por sua
vez, uma maior marginalização, não só materialmente, mas também simbolicamente,
conduzindo a um sentimento de autoexclusão (Andrade et al., 2007).
Independentemente do consumo de drogas ser uma das causas ou consequências do
processo de exclusão social, os CAD são mais um fator potenciador da manutenção
dessa realidade.
O processo de exclusão “empurra” os sujeitos
para as ditas margens da sociedade, isto é, dos modos de vida que se desejariam
habituais e socialmente englobantes, margens estas excluídas da participação
social e da cidadania, forjando paradoxalmente o que Leandro e Ferreira (2011)
designam por laço social e cultura de urgência. A inclusão faz-se através da
aproximação e socialização em grupos excluídos, será, portanto, a “inclusão na
exclusão”.
Este processo de desintegração e de
desqualificação faz-se muitas vezes associado a ruturas nos sistemas sociais
básicos e nos laços sociais, configurando uma forma de dessocialização (Castel,
1998; Costa, 2004; Leandro & Ferreira, 2011;
Paugam,
2000). López (2010) entende que as pessoas com CAD são
especialmente suscetíveis de mostrar fragilidades na sua rede social,
verificando-se frequentemente situações de vulnerabilidade relacional
associadas à ausência ou debilidade dos vínculos de inserção comunitária.
Durante um longo período estas pessoas tiveram redes com baixos níveis de
integração e grande estigma social, o que gerou uma fratura relacional com a
sua rede familiar e de amizade.
A expressão da vulnerabilidade das redes
sociais de pessoas com CAD é apresentada pelo seu tamanho pequeno, elevada
densidade e conexões débeis (López, 2010), sendo essencialmente
constituídas por relações familiares e institucionais (Panebianco, Gallupe,
Carrington, & Colozzi, 2016), vínculos sobrecarregados e com
suporte enfraquecido (Cavalcante et al., 2012).
López (2010) refere
ainda que é comum encontrar redes pessoais com vínculos fortes, normalmente nas
relações familiares, apesar de muito saturadas, em que o indivíduo não consegue
satisfazer as suas necessidades emocionais, materiais e de informação nos
recursos do seu grupo primário. No que se refere às suas relações de amizade, a
sua maioria apresenta igualmente o mesmo perfil de CAD.
Como a investigação na área da rede social pessoal de indivíduos com CAD
é escassa, pretende-se, com este estudo, caracterizar a rede social pessoal de
pessoas com CAD em situação de exclusão social, refletir sobre a qualidade dos
vínculos e possíveis formas de ativar esta rede.
Procedimentos e
amostragem
Este é um estudo transversal que
utiliza uma metodologia quantitativa do tipo descritiva e inferencial.
Foi solicitada a autorização para
a utilização e adaptação às finalidades da investigação do Instrumento de
Análise da Rede Social Pessoal (IARSP) a uma das autoras do instrumento.
Solicitou-se também a autorização formal à instituição que permitiu a recolha
de dados junto dos participantes, no âmbito de uma “equipa de rua” de um
projeto de intervenção social. Foram apresentados os objetivos do estudo aos
participantes e solicitada a sua colaboração, após consentimento informado e
garantida a confidencialidade na recolha dos dados.
Os participantes foram
selecionados com base no critério da acessibilidade, constituindo uma amostra
não probabilística, por conveniência. A amostra integra indivíduos com
comportamentos aditivos e dependências sinalizados pela instituição. A recolha
de dados verificou-se no período de fevereiro a abril de 2016, em Aveiro
(Portugal). Os instrumentos foram administrados por uma das investigadoras,
membro da equipa da instituição, em dois contextos de contacto habitual com
esta população, de acordo com a disponibilidade dos inquiridos: no gabinete da
equipa e na rua.
A análise estatística dos dados
recolhidos na inquirição foi efetuada através do Statistic Package for the Social Sciences (IBM - SPSS), versão 23 para o Windows.
Participantes
Participaram no presente estudo 30 pessoas com comportamentos aditivos e
dependências em risco de exclusão social, com apoio institucional, na sua
maioria pessoas do sexo masculino (n
= 24; 80,0%), com idades compreendidas entre os 24 e os 65 anos (M ± DP
= 43,03 ± 10,10), a maior parte na faixa etária de 35-44 anos (n = 12; 40,0%). Quanto ao estado civil,
63,3% (n = 19) são solteiros, 23,3% (n = 7) divorciados e 13,4% (n = 4) são casados e/ou em união de
facto. Os participantes são todos de nacionalidade portuguesa, sendo 70,0% (n = 21), residentes no distrito de
Aveiro.
Quanto à escolaridade, 73,3% (n
= 22) possuem o ensino básico incompleto, 23,3% (n = 7) o ensino básico completo e 3,3% (n = 1) o ensino superior. A maior parte dos inquiridos refere não
ter fontes de rendimento (n = 14;
46,7%), 36,7% (n = 11) têm direito ao
rendimento social de inserção, 10,0% (n =
3) têm o subsídio de desemprego e 6,6% (n
= 2) beneficiam de outras medidas de apoio social; na amostra, 36,7% (n = 11) refere recorrer à atividade de
“arrumar carros”, regular ou pontualmente, como fonte suplementar de
rendimento.
Quanto ao alojamento, 23,3% (n
= 7) residem num quarto alugado, 20,0% (n
= 6) em casa de familiares, 13,3% (n
= 4) em casas abandonadas, com frequências inferiores registamos quem vive em
casa alugada (n = 3; 10,0%), em casa
cedida (n = 3; 10,0%), na rua (n = 3; 10,0%), em habitação social (n = 2; 6,6%), em casa própria (n = 1; 3,3%) e em pensão (n = 1; 3,3%). Sete dos inquiridos
(23,3%) encontram-se numa situação de sem-abrigo. A maioria (n = 17; 56,7%) vive só; de entre os que
vivem em coabitação, 26,7% (n = 8)
vivem com o companheiro/a, seguido de 6,7% (n
= 2) com um elemento da família nuclear (mãe e/ou pai), 6,7% (n = 2) com a companheira e outros
elementos da família nuclear e 3,3% (n
= 1) com um tio.
Metade da amostra (n = 15;
50,0%) referiu ter problemas judiciais pendentes (como liberdade condicional e
trabalho comunitário) e 73,3% (n =
22) referem ter problemas de saúde (como doenças mentais e doenças
infetocontagiosas diagnosticadas).
Instrumentos
O estudo usou como instrumentos de recolha de dados um breve inquérito
para caracterização dos participantes (dados gerais e perfil de consumo) e o
Instrumento de Análise da Rede Social Pessoal (IARSP) (Guadalupe, 2009)
para caracterizar as dimensões estrutural, funcional e relacional-contextual
das suas redes.
O IARSP foi adaptado para o estudo, tendo usado o seguinte gerador de
rede: “refira o nome das pessoas com que se relaciona, são significativas na
sua vida e o/a apoiam”, seguindo-se a questão sobre o vínculo relacional
estabelecido entre o sujeito e cada uma das pessoas enunciadas como membros na
sua rede, com os seguintes campos relacionais: família (com caracterização do
vínculo), amigo/a, vizinho/a, relação de trabalho ou de estudo, técnico/a
(relação institucional).
Na dimensão estrutural caracterizámos o tamanho da rede; a composição da
rede (através do número de campos relacionais, do tamanho e da proporção dos
campos relacionais no tamanho da rede); e a densidade da rede (que expressa
percentualmente a interconexão entre os membros da rede, podendo variar entre
zero e cem, categorizando como redes dispersas aquelas que apresentam valores
inferiores a 33,33%, fragmentadas entre 33,33% e 79,99% e coesas de 80,0% a
100,0%); e as mudanças percebidas no tamanho da rede nos últimos dois anos (5.
“o número de pessoas com que relaciona é muito maior do que antes”, 4. “… é
pouco maior…”, 3. “… é aproximadamente o mesmo”, 2. “… é pouco menor …” e 1. “…
é muito menor…”).
Na dimensão funcional avaliámos o nível de apoio percebido com uma escala
de Likert de frequência de apoio com
5 pontos (1. ”nunca”, 2. “raramente”, 3. “algumas vezes”, 4. “frequentemente” e
5. “sempre”) quanto ao apoio emocional, material e instrumental e informativo;
a reciprocidade de apoio avaliada através de 5 níveis (5. “dá apoio à maior parte
destas pessoas”, 4. “… a algumas…”, 3. “… a poucas …”, 2. “… a muito poucas…” e
1. “não dá apoio a nenhuma …”).
Quanto às características relacionais-contextuais avaliámos a frequência
de contactos (5. “diariamente”, 4. “algumas vezes por semana”, 3. “semanalmente”,
2. “algumas vezes por mês” e 1. “algumas vezes por ano”); a frequência de
contactos por campo relacional; a dispersão geográfica (5. “na mesma casa”, 4.
“no mesmo bairro/rua”, 3. “na mesma terra”, 2. “até 50 Km” e 1. “a mais de 50
Km”); a dispersão geográfica por campo relacional; e a homo/heterogeneidade de
elementos com CAD na rede, onde se questiona se o elemento da rede apresenta ou
apresentou consumos de substâncias psicoativas (1. “sim” e 2. “não”) e a proporção
na rede social pessoal.
Perfil
de consumo
Dos participantes neste estudo, 19 referem a
heroína (63,3%) como substância principal de consumo, 4 a cocaína (13,3%), 4 o
álcool (13,3%), 2 a cannabis (6,7%) e 1 as benzodiazepinas (3,3%). A maioria
dos inquiridos (n = 26; 86,7%)
apresenta o que é designado por policonsumo — consumo de mais do que uma droga
ou tipo de droga por um mesmo indivíduo – consumo simultâneo ou sequencial (EMCDDA,
2002), 83,3% (n = 25)
referem que consomem regularmente substâncias psicoativas e 16,7% (n = 5) esporadicamente. A via de consumo
é maioritariamente fumada (n = 18;
60,0%), seguida da injetada (n = 7;
23,3%) e oral (n = 5; 16,7%) (Tabela 1).
A média do tempo de consumo é de 21 anos (M
± DP = 21,33 ± 9,27). A maioria dos
inquiridos está ou já esteve numa unidade de tratamento (n = 23; 76,7%), como Equipas de Tratamento, Unidades de Desabituação
ou Comunidades Terapêuticas.
|
Características do Consumo |
|
|||
|
n = 30 |
n
|
%
|
|
|
|
Substância principal de consumo |
Heroína |
19 |
63,3 |
|
|
Cocaína
|
4
|
13,3
|
|
|
|
Álcool
|
4
|
13,3
|
|
|
|
Cannabis
|
2
|
6,7
|
|
|
|
Policonsumo |
Apresenta
|
26
|
86,7
|
|
|
Não apresenta
|
4
|
13,3
|
|
|
|
Via de consumo |
Fumada |
18 |
60,0 |
|
|
Injetada
|
7
|
23,3
|
|
|
|
Oral
|
5
|
16,7
|
|
|
|
Frequência de consumo |
Regular |
25 |
83,3 |
|
|
Esporádica
|
5
|
16,7
|
|
|
|
|
|
|
|
Características estruturais da rede social pessoal
O tamanho da rede é um indicador importante quando se estudam os aspetos
estruturais da rede de suporte social. Os inquiridos apresentam, em média, 7
elementos (M ± DP = 7 ± 2,73), variando entre 3 a 15 membros. Quanto à composição
da rede, as redes são, em média, constituídas por dois campos relacionais
distintos (M = 1,90), tendo mais
membros o campo das relações familiares (M
= 3,97), seguido do campo das relações de amizade e das relações institucionais
(respetivamente, M = 1,63 e M = 1,37). O campo das relações de
vizinhança apresenta um número de membros residual e o das relações de trabalho
e/ou estudo é nulo. Relativamente à distribuição da rede, isto é, à proporção
de membros por campo relacional no tamanho da rede, as relações familiares são
as que têm um peso maior na rede (M =
54,8%), seguidas das relações institucionais (M = 23,13%) e das relações de amizade (M = 20,2%) (Tabela 2).
A densidade da rede permite-nos representar a conexão entre os membros da
rede, acedendo qualitativamente à disposição da mesma relativamente ao sujeito
central e dos membros entre si. A densidade média das redes dos inquiridos é de
70,93% (DP = 25,18). Análises
adicionais indicam-nos que a maioria dos sujeitos apresenta redes fragmentadas
(n = 16; 53,3%), isto é, que
apresentam níveis de densidade entre os 33,3% e os 79,9% de interconexão.
Avaliámos ainda a mudança percebida no tamanho de rede nos últimos dois
anos, tendo 26,7% (n = 8) referido
que o número de pessoas com que se relaciona é aproximadamente o mesmo, 23,3% (n = 7) dos inquiridos indica que é muito
menor do que antes, 20,0% (n = 6) que
é pouco menor que antes, 20,0% (n =
6) que é pouco maior que antes, e 10,0% (n
= 3) que é muito maior que antes.
|
Características Estruturais da Rede
Social Pessoal |
|
||||
|
n = 30 |
M |
DP
|
Min.
|
Máx.
|
|
|
Tamanho da rede |
7,00 |
2,73 |
3 |
15 |
|
|
Campos relacionais (n.º) |
1,90 |
0,76 |
1 |
3 |
|
|
Composição da rede (a) |
|
|
|
|
|
|
Relações
familiares |
3,97 |
3,05 |
0 |
11 |
|
|
Relações
de amizade |
1,63 |
3,08 |
0 |
13 |
|
|
Relações
de trabalho (b) |
0 |
0 |
0 |
0 |
|
|
Relações
de vizinhança |
0,10 |
0,31 |
0 |
1 |
|
|
Relações
institucionais |
1,37 |
1,73 |
0 |
6 |
|
|
Distribuição da rede (c) (em %) |
|
|
|
|
|
|
Relações
familiares |
54,80 |
35,22 |
0 |
100 |
|
|
Relações
de amizade |
20,20 |
32,58 |
0 |
100 |
|
|
Relações
de trabalho (b) |
0 |
0 |
0 |
0 |
|
|
Relações
de vizinhança |
1,90 |
5,82 |
0 |
20,0 |
|
|
Relações
institucionais |
23,13 |
29,35 |
0 |
100 |
|
|
Densidade da rede (em %) |
70,93 |
25,18 |
19,05 |
100 |
|
|
Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão; Min = Mínimo; Máx = Máximo. (a) n.º de membros por campo relacional. (b)
relações de trabalho e/ou de estudo. (c) proporção do campo relacional no
tamanho. |
|
Características funcionais da rede social pessoal
O apoio social percebido na rede foi avaliado com base numa escala de
cinco pontos, que reflete o nível no qual o sujeito refere receber apoio
emocional, material e/ou instrumental e informativo dos membros da sua rede. Os
resultados indicam que os inquiridos percebem um nível mais elevado no apoio
emocional (M ± DP = 4,20 ± 1,10), seguido do apoio informativo (M ± DP
= 3,97 ± 1,22) e do apoio material e instrumental (M ± DP = 3,40 ± 1,28).
A reciprocidade do apoio é elevada (M
± DP = 4,17 ± 0,99; Min = 1; Max = 5), dado que 43,3% dos inquiridos refere que dá apoio à maior
parte dos elementos da sua rede, 40,0% a algumas pessoas, 10,0% a poucas destas
pessoas, 3,3% referem que dão apoio a muito poucas pessoas e 3,3% que não dão
apoio aos elementos da sua rede (Tabela 3).
|
Características Funcionais da Rede
Social Pessoal |
|
||
|
n = 30 |
M |
DP
|
|
|
Nível de apoio |
|
|
|
|
Apoio emocional |
4,20 |
1,10 |
|
|
Apoio material e instrumental |
3,40 |
1,28 |
|
|
Apoio informativo |
3,97 |
1,22 |
|
|
Apoio emocional |
4,20 |
1,10 |
|
|
Reciprocidade
de apoio |
4,17 |
0,99 |
|
|
Reciprocidade
de apoio |
n |
% |
|
|
Dá apoio à maior parte destas
pessoas |
13 |
43,3 |
|
|
Dá apoio a algumas destas pessoas |
12 |
40,0 |
|
|
Dá apoio a poucas destas pessoas |
3 |
10,0 |
|
|
Dá apoio a muito poucas destas
pessoas |
1 |
3,3 |
|
|
Não dá apoio a
nenhuma destas pessoas |
1 |
3,3 |
|
|
Dá apoio à maior parte destas
pessoas |
13 |
43,3 |
|
|
Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão. |
|
Características relacionais-contextuais da rede social
pessoal
Na frequência de contactos dos inquiridos com os membros da sua rede,
43,3% (n = 13) refere que contactam
algumas vezes por semana, 26,7% (n =
8) estabelecem contactos semanalmente e 13,3% (n = 4) algumas vezes por mês. Quanto à média da frequência de
contactos por campo relacional, destacamos as relações de vizinhança com
contactos diários (M ± DP = 4,67 ± 0,58), as relações de
amizade (M ± DP = 4,42 ± 1,00) e as relações institucionais (M ± DP
= 3,71 ± 1,07) com contactos algumas vezes por semana.
Quanto à dispersão geográfica da rede, 53,3% (n = 16) dos elementos das redes dos sujeitos residem em Aveiro. Na
distância geográfica por campo relacional destacamos as relações de vizinhança
(M ± DP = 4 ± 0,00) e as relações de amizade (M ± DP = 3,15 ± 0,90)
como as geograficamente mais próximas do sujeito, as relações institucionais (M ± DP
= 3 ± 0,00) e as relações familiares (M
± DP = 2,52 ± 1,28) situam-se em
média na cidade de Aveiro.
Quanto à homo/heterogeneidade de elementos com CAD na rede dos
inquiridos, 23 (77,0%) referiram que têm elementos com CAD (M ± DP
= 1,43 ± 1,43, de 0 a 6 membros), a proporção destes elementos corresponde a
uma média de 22,0% no tamanho total da rede dos inquiridos (Tabela 4).
|
Características Estruturais da Rede
Social Pessoal |
|
||||
|
n = 30 |
n |
%
|
M
|
DP
|
|
|
Frequência de contactos Diariamente Algumas vezes por
semana Semanalmente Algumas vezes por
mês Algumas vezes por ano |
3 13 8 4 2 |
10,0 43,3 26,7 13,3 6,7 |
3,37 |
1,07 |
|
|
Frequência de
contactos por campo relacional Relações familiares Relações de amizade Relações de trabalho/estudo Relações de vizinhança Relações
institucionais |
|
|
2,78 4,42 — 4,67 3,71 |
1,34 1,00 -— 0,58 1,07 |
|
|
Dispersão
geográfica na rede Na mesma casa No mesmo bairro/rua Na mesma terra Até 50 Km A mais de 50 Km |
— 5 16 6 3 |
— 16,7 53,3 20,0 10,0 |
2,77 |
0,86 |
|
|
Dispersão
geográfica por campo relacional Relações familiares Relações de amizade Relações de trabalho/estudo Relações de vizinhança Relações institucionais |
|
|
2,52 3,15 — 4,00 3,00 |
1,28 0,90 — 0,00 0,00 |
|
|
Homo/heterogeneidade
de elementos com CAD na rede Elementos com CAD Proporção de elementos com CAD |
|
|
1,43 22,43% |
1,43 25,06% |
|
|
Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão. |
|
Características da
rede social pessoal segundo a privação material e a situação de abrigo
Tendo em conta as características dos sujeitos no que concerne à situação
de vulnerabilidade e de exclusão social, fomos analisar comparativamente as
médias relativas às características das redes no que concerne à privação
material (Tabela 5) e de abrigo (Tabela 6). No entanto, não foram
encontradas diferenças significativas entre as médias nas características das
redes nos grupos em comparação, com uma única exceção relativa à maior
proporção de elementos com CAD entre os que dispõem de fontes de rendimento (p < 0,001). Apesar das diferenças não
serem estatisticamente significativas, provavelmente atendendo à elevada
variância na maior parte das variáveis, a análise das redes segundos estas duas
características, afigura-se como relevante para reflexão, atendendo a que podem
corresponder a distintos perfis de ativação dos recursos da rede, registando-se
tendências distintas na observação descritiva das médias.
Entre os indivíduos que apresentam rendimentos, as suas fontes são
medidas de política social, na sua totalidade. Os sujeitos sem rendimentos
apresentam redes maiores (M = 7,71 vs. M
= 6,38), mais diversas nos campos relacionais (M = 2,14 vs. M = 1,69), centradas nas relações
familiares (M = 63,14% vs. M
= 47,50%) e institucionais (M = 27,14
vs. M = 19,63), percebendo maiores níveis de apoio. Os sujeitos com
rendimentos apresentam maior proporção de relações amicais (M = 31,63 vs. M = 7,14) e de
membros que partilham CAD (M = 29,75 vs. M
= 14,07) nas suas redes, assim como uma perceção de maior nível de
reciprocidade (M = 4,31 vs. M
= 4,00).
|
Características da Rede Social Pessoal Segundo
a (In)existência de Fontes de Rendimento |
|
|||||
|
|
Com
fonte de rendimentos n =
16 (53,3%) |
Sem
fonte de rendimentos n =
14 (46,7%) |
|
|
||
|
M |
DP |
M |
DP |
U |
|
|
|
Características
Estruturais |
|
|
|
|
|
|
|
Tamanho da rede |
6,38 |
3,12 |
7,71 |
2,09 |
70,500 n.s. |
|
|
Densidade |
69,30 |
29,07 |
72,79 |
20,79 |
106,500 n.s. |
|
|
Campos relacionais |
1,69 |
0,60 |
2,14 |
0,86 |
77,000 n.s. |
|
|
Distribuição da rede (proporção - %) |
|
|
|
|
|
|
|
Relações familiares |
47,50 |
37,78 |
63,14 |
31,31 |
82,000 n.s. |
|
|
Relações de amizade |
31,63 |
40,39 |
7,14 |
11,91 |
81,000 n.s. |
|
|
Relações de vizinhança |
1,25 |
5 |
2,64 |
6,74 |
103,500 n.s. |
|
|
Relações de trabalho |
0 |
0 |
0 |
0 |
112,000 n.s. |
|
|
Relações institucionais |
19,63 |
32,73 |
27,14 |
25,55 |
87,000 n.s. |
|
|
Características
Funcionais |
|
|
|
|
|
|
|
Apoio emocional |
4,13 |
1,15 |
4,29 |
1,07 |
106,000 n.s. |
|
|
Apoio material e instrumental |
3,31 |
1,25 |
3,50 |
1,35 |
101,500 n.s. |
|
|
Apoio informativo |
3,69 |
1,35 |
4,29 |
0,99 |
85,500 n.s. |
|
|
Reciprocidade de apoio |
4,31 |
0,87 |
4,00 |
1,11 |
93,000
n.s. |
|
|
Características
Relacionais-Contextuais |
|
|
|
|
|
|
|
Frequência de contactos |
3,50 |
1,10 |
3,21 |
1,05 |
97,500 n.s. |
|
|
Distância da residência |
2,75 |
0,78 |
2,79 |
0,98 |
105,500 n.s. |
|
|
Proporção CAD |
29,75 |
32,60 |
14,07 |
5,78 |
96,000 n.s. |
|
|
Nota. As
fontes de rendimentos são medidas de política social. U = Teste de Mann-Whitney; n.s. = p não significativo; *p
= 0,001. |
|
Os indivíduos que se encontram sem-abrigo apresentam características
morfológicas das redes muito semelhantes com as dos que têm abrigo, apenas
divergindo no que toca às relações de vizinhança que não são apresentadas pelos
primeiros. Os sujeitos com CAD sem abrigo apresentam uma rede maior (M = 8,14 vs. M = 6,65) e com
composição idêntica às dos que têm abrigo, reconhecem na rede níveis
disponíveis de apoio instrumental e informativo mais elevados (respetivamente: M = 3,86 vs. M = 3,26; M = 4,43 vs. M = 3,83), mas menor
apoio emocional e menor reciprocidade (respetivamente: M = 3,86 vs. M = 4,30; M = 3,71 vs. M = 4,30), percebidos como mais baixo do
que pelos outros. Os que têm alojamento apresentam nas suas redes um percentual
maior de membros com CAD (M = 26,74 vs. M
= 8,29).
|
Características da Rede Social Pessoal Segundo
a Situação de Abrigo |
|
|||||
|
|
Sem
abrigo n =
7 (23,3%) |
Com
abrigo n =
23 (76,7%) |
|
|
||
|
M |
DP |
M |
DP |
U |
|
|
|
Características
Estruturais |
|
|
|
|
|
|
|
Tamanho da rede |
8,14 |
2,19 |
6,65 |
2,82 |
49,500n.s. |
|
|
Densidade |
72,36 |
25,65 |
70,49 |
25,69 |
75, 000n.s. |
|
|
Campos relacionais |
2 |
1,38 |
1,70 |
0,82 |
73, 000n.s. |
|
|
Distribuição da rede (proporção - %) |
|
|
|
|
|
|
|
Relações familiares |
56,86 |
38,05 |
54,17 |
35,20 |
76,500n.s. |
|
|
Relações de amizade |
20,71 |
29,07 |
20,04 |
34,19 |
71,500n.s. |
|
|
Relações de vizinhança |
0 |
0 |
2,48 |
6,56 |
70,000n.s. |
|
|
Relações de trabalho |
0 |
0 |
0 |
0 |
80,500n.s. |
|
|
Relações institucionais |
22,43 |
32,34 |
23,35 |
29,15 |
79,000n.s. |
|
|
Características
Funcionais |
|
|
|
|
|
|
|
Apoio emocional |
3,86 |
1,07 |
4,30 |
1,11 |
56,000n.s. |
|
|
Apoio material e instrumental |
3,86 |
1,07 |
3,26 |
1,32 |
60,000n.s. |
|
|
Apoio informativo |
4,43 |
0,79 |
3,83 |
1,30 |
62,000n.s. |
|
|
Reciprocidade de apoio |
3,71 |
1,38 |
4,30 |
0,82 |
59,500n.s. |
|
|
Características
Relacionais-Contextuais |
|
|
|
|
|
|
|
Frequência de contactos |
3,14 |
1,07 |
3,43 |
1,08 |
68,000n.s. |
|
|
Distância da residência |
2,71 |
0,76 |
2,78 |
0,90 |
79,000n.s. |
|
|
Proporção CAD |
8,29 |
8,88 |
26,74 |
26,90 |
42,000n.s. |
|
|
Nota. U = Teste de Mann-Whitney; n.s. = p não significativo; *p = 0,001. |
|
Os resultados deste estudo permitem uma aproximação às
principais características das redes sociais de pessoas com CAD em risco de exclusão
social.
Segundo estimativas para o contexto nacional (SICAD, 2013),
cerca de 7,1% dos habitantes de 15-64 anos apresentavam consumo problemático/de
alto risco de drogas em 2012 (sendo estes opiáceos, cocaína e/ou
anfetaminas/metanfetaminas) e 2,2% da população jovem adulta residente em
Portugal apresentava sintomas de dependência de consumos endovenosos. Segundo o
Diagnóstico “Álcool e Drogas” do concelho de Aveiro (CRIA, 2012), foram identificados 170
indivíduos em risco de exclusão, sendo estes caracterizados como arrumadores de
carros, sem-abrigo e/ou trabalhadores do sexo com CAD, com nível socioeconómico
e escolaridade baixa, problemas habitacionais, facilidade de acesso a
substâncias e com famílias desestruturadas ou sem enquadramento sociofamiliar.
A nossa amostra representa, assim, 18,0% dos casos sinalizados neste concelho.
Neste estudo, 36,7% dos indivíduos inquiridos recorrem
à atividade de “arrumar carros” como forma de obtenção de rendimento, sendo que
este tipo de atividade representa uma ocupação com horários e locais fixos, uma
rotina diária. Matias e Fernandes (2009) realizaram um estudo em que a análise
dos dados permitiu perceber como estes sujeitos entendem a forma como são
vistos pela comunidade, referindo que “são socialmente vistos como criminosos,
quer na sua qualidade de toxicodependente quer na qualidade de toxicodependente
arrumador” e apontados como “figura de ameaça” (Matias & Fernandes, 2009,
p.15). No entanto, ser arrumador tanto pode ser visto como a desistência do
indivíduo como a busca de dignidade ao insistir em permanecer no circuito
económico da cidade, assumindo uma atividade da chamada “economia paralela”, em
vez de se esconder ou se auto excluir.
Outra característica mencionada no diagnóstico do CRIA (2012) prende-se
com a questão da população sem-abrigo; 23,3% dos participantes com CAD
encontram-se numa situação de sem-abrigo. Rosa e Guadalupe (2015, p. 187),
sobre esta questão, referem que “a situação dos sem-abrigo conjuga privação,
destituição, exclusão e dessocialização. Porque resultante da confluência
múltipla de ruturas e desvinculações, que se mantêm no tempo, às quais se
associam redes frágeis e reduzidas à dimensão instrumental, não concorre de
forma positiva com a manutenção de laços sociais”. A complexidade destas
situações reclama o desenvolvimento de estratégias de intervenção capazes de se
mobilizar as redes sociais (formais e informais) no sentido da (re)construção
dos laços e cidadania.
Da análise comparativa efetuada entre os sujeitos em
situação de sem abrigo e com abrigo e entre os indivíduos com e sem fonte de
rendimentos, não ressaltaram diferenças estatisticamente significativas, mas
chamaram-nos a atenção algumas tendências de configuração e de recursos
percebidos nas redes que nos parecem necessitar de um maior aprofundamento em
futuros estudos. Isto porque entendemos que a privação material e habitacional,
que colocam em causa direitos constitucionais e a dignidade da pessoa humana,
podem equivaler a distintos perfis de necessidades e correspondente procura e
ativação dos recursos da rede.
Teoricamente sabemos que uma rede de suporte sem
recursos pode contribuir para um reforço da vulnerabilidade social e que os
contextos de vulnerabilidade são marcados pela capacidade muito limitada de
partilha de recursos nas redes informais. Os laços sociais precários e a
diminuição de recursos sociais têm tendência a associar-se (Born & Lionti, 1996),
havendo uma forte componente de reprodução social quando o suporte é
eminentemente entregue a fontes informais, isto é, à rede primária, também
afetada pelos fatores de vulnerabilidade que reconhecemos nos sujeitos
acompanhados institucionalmente e que participaram no presente estudo. As
trajetórias de exclusão dos indivíduos fazem-se no seio de uma rede, também ela
(isto é, os seus membros) excluída frequentemente de alguns dos domínios
considerados básicos para a inclusão social e cidadania. A população em estudo
é caracterizada por longas histórias de consumo e de tratamento, com
policonsumo e um consumo regular de substâncias psicoativas. Num estudo de
Fernandes, Pinto e Oliveira (2006) fizeram um retrato dos utilizadores
de drogas de rua, apoiados por equipas de rua e centros de acolhimento, tendo
verificado que estes indivíduos tinham histórias de consumo com mais de 10
anos, várias tentativas frustradas de tratamento, rutura familiar, desligamento
da rede de cuidados e ligação ao sistema judicial. Godinho (2007) num estudo
sobre população sem-abrigo toxicodependente, que vivia temporariamente em
centro de acolhimento, concluiu que a idade média de consumo da amostra foi de
16 anos, enquanto nos utentes com CAD acompanhados no Centro de Atendimento
Toxicodependentes (CAT) era de 15 anos. Andrade et al. (2007), num estudo
em que caracterizaram a população acompanhada por 15 equipas de rua, num total
de 331 utentes, as características sociodemográficas referem que são na maioria
do género masculino, solteiros, nacionalidade portuguesa, com habilitações
literárias ao nível do ensino básico, desempregados, como se observa com os
participantes neste estudo. Estes autores ainda referem que relativamente à
situação judicial, 36,5% já tinham sido detidos pelo menos uma vez e 28,1% já
tinham estado efetivamente presos, enquanto 39,4% tinham situações para
resolver com a justiça, que vai ao encontro da elevada percentagem (50,0%) de
problemas judiciais encontrada no nosso estudo.
As características da população encontradas pelos
estudos anteriormente referidos refletem-se nas dos nossos participantes,
registando-se um tempo médio de consumo superior (21 anos), diversos tipos de
tratamentos efetuados e problemas judiciais também entre a maior parte dos
sujeitos da amostra do presente estudo, acrescidos de comorbilidades em
problemas de saúde.
A rede pessoal dos participantes tem, em média, 7
elementos configurando redes pequenas (Alarcão & Sousa, 2007;
Sluzki,
1996), quando comparadas com as da população geral. Os participantes
do estudo têm consciência da restrição no tamanho das redes nesta população, ao
contrário do observado no estudo de Souza e Kantorski (2009), em que os
inquiridos mostram surpresa com o pequeno número de vínculos. Panebianco et al.
(2016)
caracterizaram a rede de 80 indivíduos com CAD que passaram por tratamentos, e
concluíram que os abstinentes têm redes maiores em termos de laços com família
e comunidade (M = 9), enquanto os que
tiveram recaídas têm redes mais pequenas (M
= 6), essencialmente constituídas por laços familiares e institucionais, o que
também acontece na nossa amostra.
A distribuição da rede, segundo os campos relacionais,
dá-nos a indicação da proporção ocupada pelos membros que compõem a rede tendo
em conta a localização dos seus elementos. As relações familiares, as relações
institucionais e as relações de amizade destacam-se na amostra, tendo a família
a proporção mais significativa, apresentando a maioria dos participantes 2
campos relacionais. Segundo Guadalupe (2009) as redes
quando são muito localizadas num determinado campo relacional tendem a ser
menos flexíveis e efetivas, pois apresentam menos opções do que aquelas que se
estendem pelos vários campos relacionais, fazendo com que as pessoas se sintam
muito dependentes entre si, sobrecarregando os seus elementos. Neste caso, a
heterogeneidade é dominante na distribuição, emergindo dois campos da rede
primária e um campo da rede secundária como dominantes. Evidencia-se ainda a
residualidade da vizinhança e a inexistência das relações de trabalho e estudo,
o que limita a expansão e a exploração de uma maior diversidade de recursos
potenciais na rede.
As relações familiares assumem grande parte das
relações percebidas, como sendo significativas e de suporte, seguidas das
relações institucionais e das relações de amizade, enquanto as relações de
vizinhança são pouco significativas e as de trabalho nulas. Estes dados parecem
ir ao encontro do estudo de Andrade et al. (2007) que concluíram
que o indivíduo com CAD avalia a relação com a sua a família como satisfatória
(41,8%), no entanto uma grande parte dos inquiridos tinha familiares que
consumiam substâncias psicoativas (41,3%), sendo estes sobretudo elementos da
família direta do utente (83,6%). Souza, Kantorski e Mielke (2006),
num estudo com 6 indivíduos com CAD, também concluíram que a rede familiar era
a única com a qual o indivíduo realmente contava, no entanto, por outro lado,
as famílias descreviam-se como desgastadas.
Do mesmo modo que a família se vê afetada pela
presença de um elemento com CAD, a dinâmica familiar é também equacionada como
influenciando e favorecendo a manutenção deste comportamento (Botella, 2007).
As interações com a família (de origem e atual) podem provocar uma dinâmica
para o uso de substâncias, podendo agravar ou perpetuar o problema, assim como,
por outro lado, ajudar a resolvê-lo. Neste sentido, uma cuidada avaliação das
características familiares poderá ser um instrumento fundamental para
planificar uma intervenção com as mesmas. São de salientar as condutas de
sobreproteção e as dificuldades de promover a autonomização do indivíduo com
CAD, as quais são necessárias para uma integração social satisfatória (Botella,
2007). Vanegas (2009) considera que a família é fundamental
para a recuperação dos indivíduos com CAD, sendo que as intervenções devem ser
orientadas para o restabelecimento das relações familiares. O autor defende que
os riscos de CAD diminuem através de esquemas de suporte positivo, em se
classifiquem as relações de autoridade, afeto e comunicação. No entanto,
assinala os seguintes obstáculos: rede de apoio familiar inexistente, problemas
de adição ou saúde mental em membros da família e dificuldades do meio
envolvente em aceitar as fases da recuperação do indivíduo com CAD (Vanegas,
2009). Quando não é possível ativar a rede familiar devem
procurar-se alternativas que garantam afeto, solidariedade e comunicação
positiva no ambiente que rodeia os indivíduos em tratamento, como o apoio de
amigos, vizinhos e instituições (Vanegas, 2009), explorando os recursos
potenciais na rede extrafamiliar primária e secundária.
Cavalcante et al. (2012) mencionam
ainda que os vínculos com a família trazem alguma ambiguidade, um
relacionamento desgastado devido aos CAD, mas considerado fundamental para o
processo de recuperação e sua manutenção. Após a rutura dos vínculos com os
pares com CAD, pessoas que eram consideradas amigas, os entrevistados não
conseguiram estabelecer vínculos de amizade consistentes, deixando clara a
necessidade de intervenção com o intuito de aumentar a qualidade do suporte
social, criando vínculos de amizade (Cavalcante et al., 2012).
Os vizinhos aparecem no estudo de Cavalcante et al. (2012) como
figuras negativas devido à descriminação e estigmatização que podem promover, o
que pode eventualmente justificar o facto de no presente estudo os vizinhos
serem residuais nas redes, para além da situação residencial errática.
Souza et al. (2006) reportam que os participantes no
seu estudo sentiram dificuldades em classificar alguns vínculos, visto que
muitas vezes também são fontes de stress
ou assumem características diferentes de acordo com a situação que vivem. Os
amigos, no estudo de Souza et al. (2006), não emergiram com um papel central
na rede social dos sujeitos, mesmo os pares com CAD não foram apontados como
vínculos significativos, à semelhança do ocorrido no presente estudo. O rompimento
dos vínculos com o trabalho surgiu como um fator causal ou como um processo de
dependência às substâncias psicoativas. A principal rede operante nos vínculos
destes indivíduos é sem dúvida as instituições, são conceituadas como uma parte
da rede com a qual o sujeito obtém apoio, ajuda material, serviços e contactos
sociais. Cavalcante et al. (2012) num estudo semelhante com 19
indivíduos com CAD referem ainda vínculos de apoio mais enfraquecidos, como a
família, as amizades, o trabalho e os companheiros, vizinhos e ex-companheiros.
Segundo López (2010),
estas pessoas estiveram inseridas em redes com baixo nível de integração e
grande estigma social nas suas trajetórias, o que poderá ter gerado uma fratura
relacional com a sua rede social familiar, de amizade e de trabalho. Segundo o
autor, a situação de vulnerabilidade relacional caracteriza-se por: inserção do
sujeito em redes vulneráveis com tamanho pequeno e elevada densidade, conexões
débeis com outras redes; uma zona central da rede, normalmente ocupada pela
família, que tende a estar saturada, na qual o sujeito procura satisfazer as
suas necessidades materiais, emocionais e de informação; as relações de amizade
são dominadas por sujeitos com CAD. Em muitas ocasiões as instituições
favorecem uma certa endogamia, facilitando a criação de vínculos e consolidando
situações de vulnerabilidade relacional. A este respeito Chadi (2000) menciona
que as redes sociais institucionais podem ser definidas como organizações
constituídas para cumprir com objetivos específicos, que satisfazem
necessidades particulares e pontuais, que são canalizadas dentro de organismos
criados especificamente para esses fins. Geralmente, quanto maior for a
desconexão na rede primária, maior será a presença institucional na rede do indivíduo,
pois a falta de uma rede primária estruturada empobrece o acesso aos recursos,
sendo esta lacuna compensada pela rede secundária.
Quanto à interconexão entre os elementos da rede, os
resultados apontam para níveis médios a elevados e redes fragmentadas, que
segundo Guay (1984) são compostas por pequenos subgrupos
relativamente independentes uns com os outros, muitas vezes situados num ou
noutro campo da rede, sendo pouco frequentes os contactos entre os membros de
diferentes subgrupos e rara a conexão entre os membros. A densidade da rede a
nível qualitativo pode ser baixa, média ou alta. Sluzki (1996) refere ser
o nível médio o que favorece a máxima efetividade do grupo, pois é aquele que
permite a comparação entre as impressões e opiniões trocadas, sendo referidas
como fomentando em maior medida o bem-estar dos indivíduos por apresentarem
características que facilitam a adaptação à mudança (Guadalupe, 2009; Sluzki,
1996). No entanto, sendo
estas redes compostas essencialmente por três campos relacionais, a
fragmentação entre eles, pode eventualmente criar barreiras de interconexão que
dificultem potenciais intervenções em rede. Relativamente ao apoio social
percebido, os participantes referem um nível elevado de apoio ao nível
emocional, que é caracterizado geralmente por trocas que envolvem atitudes
emocionais positivas e um clima de compreensão, simpatia, empatia, estímulo e
apoio, o que pressupõe a existência de relações de intimidade e proximidade;
elevado apoio informativo, que se refere à partilha de informações pessoais ou
sociais entre os elementos, assim como mostrar novas formas de pensar e agir
perante a expectativa de ação futura; e um apoio material e instrumental
moderado, conjunto de ações ou materiais que facilitam a realização das tarefas
quotidianas (Sluzki, 1996). A reciprocidade do apoio
percecionada é elevada, sendo que os participantes referem que dão apoio à
maior parte dos elementos da sua rede. Os níveis funcionais elevados podem ser
influenciados pela desejabilidade social e pela eventual necessidade de
valorização do esforço dos membros da sua rede em compensar a sua situação de
vulnerabilidade social e de doença.
Quando nos reportamos às propriedades específicas da
dimensão relacional-contextual, dispersão geográfica da rede e frequência de
contactos entre os elementos, percebemos que os participantes contactam algumas
vezes por semana a maior parte dos elementos da rede e que estes residem na sua
maior parte em Aveiro, sendo as relações de vizinhança e amizade as mais próximas
geograficamente, portanto, esta conexão estabelecida nos vínculos na cidade
Aveiro e na homogeneidade presente nas relações de amizade destes indivíduos
leva à existência de similitudes patentes nos membros da rede em dimensões como
atitudes, experiências e valores, o que vai ao encontro das ideias de Chadi (2000).
As funções de suporte favorecem a socialização do
indivíduo, no entanto a integração pode aqui ser equacionada paradoxalmente, na
medida em que a integração num contexto com CAD, num território excluído, pode
constituir igualmente uma forma de exclusão social relativamente à comunidade
em geral, como antes referimos. Quando analisamos a dispersão geográfica dos
membros da rede por campo relacional, concluímos que a família a par com as
instituições nem sempre são os campos relacionais que se encontram mais
próximos dos participantes, o que nos leva a crer que, em eventual situação de
crise, a distância a que se encontram as relações de amizade, pode ser
significativo na procura de apoio imediato, e serão elementos fundamentais para
a ativação da rede de suporte social.
Quanto à homogeneidade/heterogeneidade de elementos
com CAD na rede dos participantes, 77,0% referiram que têm elementos com CAD,
representando, em média, 22,0% dos membros das suas redes, familiares ou
amigos. Souza et al. (2011) realizaram um estudo onde se apurou a
presença de elementos com CAD na família e outros grupos da rede social, tendo
verificado que as principais necessidades deste grupo se prendiam com o
desenvolvimento de vínculos saudáveis, ampliação da rede social e estruturação
do grupo, de modo a proporcionar benefícios em prol da efetiva reabilitação
social. Os sujeitos em estudo contavam com uma rede social restrita, no geral
com familiares, amigos ou ex-amigos, também consumidores de drogas, sendo que
todos já tinham sido submetidos a tratamentos anteriores, tinham histórico de
recaídas e vínculos afetivos restritos. Para Souza et al. (2011) a presença
de CAD na rede é considerada um fator de risco para recaída ou interrupção do
tratamento. Os resultados apontam para o prejuízo na rede social dos indivíduos
que tinham consumidores de drogas na rede, ou seja, a influência estava mais
fortemente associada à continuidade do uso de drogas pelos indivíduos do que qualquer
outro efeito benéfico, vindo da rede social dos participantes como, por
exemplo, a frequência de contactos ou a disponibilidade de suporte. Outra
característica referida no estudo aponta para a importância do cônjuge com CAD
como fator potenciador da recaída.
A literatura sobre CAD sugere, geralmente, que a rede
social tanto pode desencorajar como promover o abuso de drogas. No seu papel
positivo, o suporte social está associado com compromisso e mudança social,
tratamento e reinserção social. Mas a existência de uma rede social não é
sinónimo da existência de suporte social (Guadalupe, 2009),
havendo redes inócuas, não atuantes, e outras redes prejudiciais e até
destrutivas. Sabemos que as relações interpessoais e a composição da rede estão
associadas à iniciação em consumo de drogas, uso abusivos de substâncias
psicoativas, recaídas e comportamentos de risco (El-Bassel, Chen, &
Cooper, 1998; Tucker et al., 2015). Tracy et al. (2016)
acrescentam que o uso de substâncias na rede de amigos apresenta um risco
elevado de pressão social e recaídas. É bastante provável que pessoas com CAD
permaneçam nas suas redes após o tratamento, não sendo claro se são os
indivíduos que são influenciados pelos membros com CAD da sua rede social ou se
os seus próprios comportamentos aditivos e sociabilidade marginal influenciam a
seleção de amigos.
Bohnert, Bradshaw e Latkin (2009) usaram a
análise da rede social para estudar os CAD e confirmaram que o comportamento da
rede social está associado ao uso de drogas do indivíduo, assim como os
comportamentos de risco associados ao consumo. Davey et al. (2007) apuraram
que os consumidores pela via endovenosa que têm outros consumidores via
injetável na sua rede social, mais provavelmente vão continuar a usar drogas,
quando comparados com indivíduos com poucos utilizadores de drogas na sua rede.
Posto isto, estes autores consideram que o suporte social é o preditor mais
forte de abstinência a seguir ao tratamento, ou seja, indivíduos que têm na sua
rede membros que suportam a abstinência apresentam menos probabilidade de
voltar a consumir após o tratamento; por outro lado, os indivíduos que
interagem com outros consumidores depois do tratamento têm mais probabilidade
de recair. Davey et al. (2007) também sugerem no seu estudo que quando
existem muitos elementos ativos com CAD na rede podem existir consequências
negativas, havendo menor probabilidade do indivíduo procurar tratamento, pois
este tende a não sentir qualquer desejo ou motivação para a abstinência. Assim,
a proporção elevada de membros com CAD nas redes dos participantes no presente
estudo, é um fator central a ter em conta na planificação da intervenção.
A entrada para tratamento deve, assim, incluir uma
intervenção ao nível da rede social, de forma a envolver o indivíduo no seu
tratamento, assim como uma educação de pares e suporte necessário para
enfrentar as potenciais recaídas (Davey et al., 2007; Garmendia, Alvarado,
Montenegro, & Pino, 2008; Silva, 2001). É
possível que os indivíduos com CAD consigam perceber o problema em torno da sua
rede, no entanto nem sempre são capazes de dar os passos necessários para
solucionar esta situação. É necessário um apoio social mais constante, que
acredite na diversificação dos recursos sociais e da comunidade como
elementos-chave para gerar espaços de integração fomentando as redes sociais e
o apoio mútuo.
Sendo que a adição a substâncias psicoativas
representa para a sociedade atual um problema de saúde pública, para potenciar
a otimização da intervenção nesta área é necessária uma maior compreensão da
sua multicausalidade e uma intervenção mais integral (Vanegas, 2009). A
rede social é tida unanimemente na literatura como um importante preditor da
saúde e bem-estar do indivíduo. Um estudo de Mericle (2014) sugere que
indivíduos que estão ativamente envolvidos na sua comunidade e socialmente
comprometidos com outros vivem mais tempo, são mais saudáveis, referindo que os
fatores sociais, mais especificamente as características da rede social, estão
associadas com a adoção de CAD, influenciando positivamente a abstinência, a
entrada para tratamento e a sobriedade a longo prazo. A intervenção ao nível da
rede social pessoal poderá, então, levar ao desenvolvimento de estratégias
desenhadas para reduzir o consumo excessivo de substâncias psicoativas.
Conclusão
Os resultados deste estudo indicam que as redes
sociais dos participantes, indivíduos com CAD em risco de exclusão, são
pequenas, em média compostas por 7 pessoas, com dois campos relacionais
(relações familiares, de amizade e/ou relações institucionais) e
tendencialmente fragmentadas. O nível de apoio social percebido na rede e a
reciprocidade são caracterizados como elevados, nomeadamente o apoio emocional
e o informativo. Em média os sujeitos contactam comas relações de amizade e institucionais
algumas vezes por semana, sendo os contactos com a família menos frequentes
(algumas vezes por mês). Na distância geográfica, a maioria dos membros da rede
dos participantes reside em Aveiro, no entanto os campos relacionais mais
próximos são as relações de vizinhança e de amizade. As redes dos participantes
apresentam uma proporção relevante de membros que partilham os CAD com o
sujeito central.
Não podemos deixar de referir algumas limitações deste
estudo, apesar de oferecer contributos nesta área de intervenção: seria
importante aprofundar a análise das redes dos participantes, de forma a
perceber os ganhos para o indivíduo com uma intervenção focada na sua rede
social a longo prazo. No entanto, este estudo teve como pontos positivos o
facto de levar os participantes a refletirem sobre a sua própria rede de
suporte social, embora para alguns de forma dolorosa, possibilitou algum insight sobre os vários campos
relacionais ao seu dispor, a qualidade e quantidade do suporte e a forma como
se pode potenciar a sua rede social.
O fenómeno das drogas e o seu uso abusivo, como se
verificou neste estudo, integra determinantes sociais e de saúde, constituindo
um problema complexo com implicações no âmbito individual e na esfera pública.
Esta complexidade requer um planeamento de intervenções de promoção de saúde
com foco no empowerment do sujeito;
para tal, as necessidades básicas dos indivíduos devem estar previamente
asseguradas por políticas públicas que garantam alimentação, saúde, educação,
lazer e trabalho (Souza et al., 2009). Portanto, a intervenção em
rede deve assumir um carácter prioritário, sobretudo considerando os reflexos
psicossociais que permeiam a questão das drogas no contexto afetivo, familiar e
na comunidade, assegurando desta forma que os indivíduos tenham acesso aos
cuidados básicos de saúde e a suporte social formal e informal.
Os obstáculos extrínsecos ao indivíduo existem, tais
como a falta de preparação dos sistemas sociais para a compreensão deste
fenómeno e das suas idiossincrasias, e o confronto sistemático com a manutenção
do problema e a falta de resultados. Tais obstáculos constroem e reforçam as
representações negativas sobre estes indivíduos e, consequentemente, a pouca
participação e implicação das entidades nas respostas e soluções (Ló, 2011). No
entanto, cabe aos profissionais que estão na chamada linha da frente e que
assistem diariamente a mortes lentas e sofridas, terem a capacidade de criar
empatia, assegurar dignidade no acesso aos serviços e direitos e potenciar os
recursos que poderão gerar quadros de transformação e permitir percursos de
vida sustentados. O papel dos interventores sociais é fundamental neste
contexto, “a relação de confiança criada pelos técnicos das equipas de rua com
os consumidores de drogas é absolutamente crucial para que o trabalho seja
profícuo (…) para que esta relação seja construída a qualidade do perfil do
técnico e as características da instituição são fundamentais, podendo a
intervenção tornar-se contraditória e ineficaz” (Pinto & Peixoto, 2003,
p. 55). Barbosa (2011) acrescenta que as práticas do Serviço Social
nesta área oscilam entre a regulação dos riscos psicoativos e o compromisso com
a efetivação dos direitos da cidadania, através da relação com os utilizadores
de drogas, pautada pela defesa da dignidade humana e proteção do direito à
saúde. O assistente social na sua ação apela à defesa da dignidade humana,
reconhece o direito à diferença e promove a igualdade de oportunidade no acesso
à saúde. Compromete-se a desenvolver uma relação de proximidade com os
consumidores, uma função de mediação entre as necessidades expressas pelos
consumidores e a burocracia dos recursos e práticas de empowerment, que valorizam a defesa dos direitos humanos e a
promoção da cidadania ativa.
O papel do diagnóstico social micro e macrossocial
destes problemas sociais complexos, o qual deve integrar a avaliação das redes
de suporte social, tem um papel central no processo de intervenção.
Os resultados deste estudo sugerem que a
caracterização da rede social pode ser uma “ferramenta” essencial na
planificação da intervenção com pessoas com CAD. Considerando a importância do
suporte e da interação social, uma possível intervenção para reduzir o uso
abusivo de substâncias e os riscos associados pode incluir a educação de pares,
através da formação no uso de substâncias, sobre os seus riscos e informação
sobre serviços de saúde e sociais, isto quando o indivíduo não quer ou não
consegue abandonar os consumos. Numa intervenção em rede focada no tratamento e
reinserção, a questão que permanece é se a rutura com os membros da rede com
CAD seria eficaz para promover a abstinência como muitos estudos sugerem. Será,
assim, importante realizar uma análise mais aprofundada da rede social das
pessoas com CAD, no sentido de compreender a interação e recurso aos membros da
rede, assim como outros fatores de vulnerabilidade na rede e determinantes de
processos excludentes.
Conflito de interesses: nenhum.
Fontes de financiamento: nenhuma.
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ⓘ PsyM. Redação, recolha dos dados,
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ⓘ PhD. Redação, análise de dados, discussão e revisão do trabalho. Centro
de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE), Centro de Investigação
e Estudos de Sociologia (CIES-IUL, ISCTE), Instituto Superior Miguel Torga.
Coimbra, Portugal.