2018, Vol. 4(1): 14-21
Percepção
de brasileiros sobre morte digna
Artigo Original
Cynthia de Freitas Melo ⓘ ✉, Graciele Alves Moura Bezerra ⓘ, Kelly Gomes
Lima ⓘ
https://doi.org/10.7342/ismt.rpics.2018.4.1.71
Recebido 04 janeiro 2018
Aceite 22 fevereiro 2018
Objetivos: A presente
pesquisa objetivou averiguar a conceção de morte digna para a população
brasileira.
Método: Foi
realizada uma pesquisa exploratória, de levantamento nacional, de cunho
quantitativo. Contou-se com uma amostra não probabilística acidental por
conveniência composta por 412 brasileiros que responderam a “Escala de perceção
de morte digna”, cujos dados foram analisados por meio de estatística
descritiva e bivariada com auxílio do pacote estatístico SPSS (Statistical Package for Social Science)
for Windows versão 22.
Resultados: Foi
possível verificar que a morte digna implica, por ordem de prioridade, uma boa
relação com a família (M = 5,99; DP = 0,73), manutenção da esperança e do
prazer (M = 5,88; DP = 0,85), boa relação com a equipe
profissional de saúde (M = 5,46; DP = 1,00), não ser um fardo para os
demais (M = 5,38; DP = 1,09), ter controlo físico e
cognitivo (M = 4,69; DP = 0,92) e ter controle do futuro (M = 4,57; DP = 1,14).
Conclusões: A conceção
de boa morte é ampla e sua compreensão propicia o fortalecimento sobre
procedimentos relacionados à “morte digna”.
Palavras chave:
Atitude frente à morte · Cuidados paliativos · Morte
A morte e o morrer são vistos e refletidos
de forma diferente ao longo da história, dependendo da cultura em que o
indivíduo está inserido (Alonso, 2016; Ferreira,
Souza, & Lima, 2011). O conhecimento sobre morte trata acerca de
assuntos que se estabelecem na vida, já que pesquisar sobre morte abrange a
manifestação do homem interior. Na Idade Média, a morte era vista como um
episódio impreterivelmente natural. Havia a aceitação da morte e, quando ela
estava em iminência, as pessoas a assumiam e a vivenciavam em casa, junto com
seus entes queridos, para se despedir (Ariès, 2003; Guandalini, 2010; Wanssa, 2012).
Na contemporaneidade, a morte mantém-se
desagradável e misteriosa, causando receio, medo e temor. Sendo assim, existe
uma inclinação do ser humano em evitá-la e negá-la, ou seja, é feito tudo para
que a mesma não ocorra. As pessoas passaram a ver a morte como se a mesma não
fosse inerente à vida, como se não fizesse parte das circunstâncias da vida. A
morte, agora negada, tornou-se um tabu, onde as pessoas esquivam-se de comentar
nos grupos e locais de socialização (Guandalini, 2010;
Santana, Dutra, Carlos, & Barros, 2017; Silva et al., 2016).
Nessa cultura, há dificuldade em deixar a
vida seguir seu curso natural, especialmente entre os profissionais da saúde,
que são formados e preparados para salvar e curar, e seu saber incorpora
tecnologias que possibilitam o adiamento do processo de morte. Os aspetos
relacionados ao fim da vida são associados à derrota, perda, fracasso e
impotência e os investimentos em recursos biotecnológicos são alternativas para
prolongar a vida do paciente, atendendo ao desejo de todos – paciente, família
e equipe profissional (Combinato & Queiroz, 2006).
Obstinação terapêutica realizada, muitas vezes, sabendo que o paciente tem
prognóstico negativo, prolongando o sofrimento e a dor de todos os envolvidos,
justificado pela não aceitação da morte. Torna-se, portanto, imprescindível a
discussão sobre o impasse entre a atitude de intervir sobre a vida e morte, os
métodos artificiais para prolongar a vida e a opção de deixar a doença seguir
sua história natural com destaque para a eutanásia, a distanásia e a
ortotanásia (Biondo, Silva, & Secco, 2009; Felix et al., 2013; Silva et al., 2016).
A eutanásia foi inicialmente conceituada
como uma ação de extrair a vida de uma pessoa, sem dor, sem angústia
dispensável. Ultimamente, essa prática é apreendida para abreviar a vida, a fim
de aliviar ou evitar a angústia dos pacientes. Aceito em alguns países como
Holanda e Bélgica, é considerada crime no Brasil, pelo artigo 121 do Código
Penal, embora seja juridicamente legal em alguns países (Castro
et al., 2016; Felix et al., 2013).
A distanásia tem por definição a obstinação
terapêutica marcada pela realização de tratamentos inúteis para salvar a
qualquer custo a vida de um paciente. Trata-se da sustentação de tratamentos
agressivos em doentes, que induz as pessoas ao artifício de morte branda,
sofrida e apreensiva. Esta prática foi reforçada por muitos anos pelo Código de
Ética Médica de 1931, que mostrava uma tendência a respaldá-la quando dizia:
“um dos propósitos mais sublimes da medicina é sempre conservar e prolongar a
vida” (Art. 16). No Código de 1988, entretanto, houve uma mudança de ênfase e,
em seu Art. 2º dizia que “o alvo da atenção do médico é a saúde da pessoa e
deve agir com zelo em benefício da mesma”. Apesar de tudo, a distanásia tem
livre fluxo nos hospitais brasileiros, realizado com frequência de forma
despercebida (Comin, Panka, Beltrame, Steffani, &
Bonamigo, 2017; Wanssa, 2012).
Já a ortotanásia é a morte digna. A origem
da palavra, ortotanásia tem por definição morte correta – orto: certo; thanatos:
morte. Relaciona-se ao processo de humanização da morte e ao alívio da dor, na
qual a morte ocorre de forma desejável, de forma natural. Não se trata de negligência
médica, mas da não realização de tratamentos invasivos, com enfrentamento da
morte com dignidade, sem cair na distanásia (Felix et al.,
2013). A ortotanásia respeita a vontade do paciente em processo de finitude
e se opõe a intervenções que visualizam unicamente o prolongamento da morte no
qual a dignidade e a autonomia do paciente é violada, e muitas vezes é
operacionalizada por meio da prática de cuidados paliativos (Sanchez
y Sanches & Seidl, 2013; Temel et al., 2010; Wanssa, 2012).
A partir dessa perspetiva, na tentativa de
auxiliar os médicos nas decisões a serem tomadas, o Conselho Federal de
Medicina, no ano de 2006, editou a Resolução 1.805/2006
em que autoriza esses profissionais a limitarem ou suspenderem tratamentos e
procedimentos que objetivavam prolongar a vida de pacientes com doenças graves
e incuráveis em fase terminal e ainda em respeitar a vontade do paciente e de
seus familiares ou representantes legais. Ato aceito e confirmado em 2010 pelo
Ministério Público Federal que reconhece que a permissão para a interrupção do
tratamento a pedido do doente em processo de finitude não fere a Constituição
Federal. Desde então a ortotanásia é
aceita pelo ordenamento jurídico. No campo da atuação dos profissionais da
Medicina, suas atividades são regulamentadas pela Resolução n. 1.931/2009, o
atual Código de Ética Médica, em que se pode entender que é dever do médico
praticar a ortotanásia quando solicitada pelo paciente em processo de
finitude (Conselho
Federal de Medicina, 2006; Nunes, 2017).
Durante mais de três décadas, o interesse em
melhorar o atendimento dos pacientes em processo de finitude deixou de ser a
preocupação de alguns profissionais da saúde e passou a ser uma preocupação
social generalizada. Apesar desta atenção, uma "boa morte" continua a
ser mais uma esperança do que a prática médica padrão para todos os pacientes (Emanuel & Emanuel, 1998).
Diante dessa constatação, deve ser
considerada a relevância de se promover a morte digna, para assegurar a
qualidade do morrer. É preciso permitir aos pacientes escolherem o lugar onde
desejam morrer e ajudar profissionais a não se culpabilizarem e não assumirem o
fracasso por algo inerente ao processo de vida. Para tanto, faz-se necessário
compreender a atual perceção da população sobre a morte digna, onde e como ela
deve-se dar.
Na literatura, pode-se constatar algumas
pesquisas sobre o tema. Wanssa (2012) realizou um estudo
exploratório qualitativo com pacientes, familiares e profissionais de saúde a
respeito de boa morte. Ele concluiu que, para uma boa morte, é primordial que
exista uma comunicabilidade bem estruturada e clara que viabilize a tomada de
decisão, integrada com pacientes e seus familiares, preparando esses para a
morte, mediante a compreensão do que pode acontecer na trajetória que agora vai
traçar, além de serem olhados como seres humanos até o fim. De forma
complementar, o estudo de Menezes e Barbosa (2013)
constatou que o lugar de propensão a uma boa morte é a casa do paciente e este
deve ter autonomia para decidir se quer estar junto com seus entes queridos e
amigos, em um clima acolhedor.
Nessa perspetiva, o estudo realizado por
Silva et al. (2016) com enfermeiras da UTI de um hospital
público da região do Vale do São Francisco verificou que os profissionais
compreendem os princípios de eutanásia, distanásia e ortotanásia, e que
percebem que este último colabora para uma morte digna, fazendo-se necessária a
comunicação adequada entre paciente-família-equipe.
Steinhauser et al. (2000)
retratam que, apesar de um aumento recente da atenção dada ao melhoramento dos
cuidados de fim de vida, a nossa compreensão do que constitui uma boa morte é
surpreendentemente faltante. Para mitigar esse problema, por meio de pesquisa
com 65 participantes - incluindo médicos, enfermeiros, assistentes sociais,
capelães, voluntários de hospício, pacientes e familiares recentemente detidos,
os autores identificaram seis componentes principais de uma boa morte:
gerenciamento de dor e sintomas, tomada de decisão clara, preparação para a
morte, conclusão, contribuição para os outros e afirmação de toda a pessoa.
Ficou evidenciada, todavia, que são escassas
as pesquisas sobre esse tema com foco sobre a perceção da população. A sua
atualidade e a sua importância remetem ao interesse por estudá-lo, vez que visa
buscar as explicações inerentes a esse olhar e por existirem poucas pesquisas
sobre essa questão na realidade brasileira. Diante do exposto, o presente
estudo objetivou compreender a perceção de morte digna para a população
brasileira. A contribuição que se pretende para a ciência e para a sociedade é
fomentar a humanização nos procedimentos adotados em pacientes terminais e,
consequentemente, explorar a discussão sobre a desospitalização da morte.
Procedimentos
Considerando-se os aspectos éticos referentes
a pesquisas envolvendo seres humanos, o presente estudo foi submetido à Comissão
de Ética em Pesquisa da Unifor, aprovado com parecer Nº 1.310.495 de
05/09/2015. O instrumento foi disponibilizado na internet juntamente com o
Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, por meio de uma página
específica e de domínio privado. A divulgação ocorreu durante quatro meses
(agosto a dezembro de 2016) por meio de redes sociais on-line (Facebook)
em divulgação de grupos de interesse em geral. Destaca-se ainda que foram
respeitados os aspectos éticos exigidos pela Resolução nº 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde.
Amostra
A população do Brasil é de 198,7
milhões de habitantes. Para uma
população desse porte, com nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%,
fez-se necessário uma amostra mínima de 385 participantes. Estes foram
selecionados por meio de uma amostra não probabilística por conveniência (Cozby, 2003).
Ao final da coleta de dados,
contou-se com uma amostra não probabilística acidental e por conveniência
composta por 412 participantes. Teve como critério de inclusão ser brasileiro e
maior de 18 anos, independente de outras características biodemográficas. Os
participantes possuíam em média 29,48 (DP
= 10,44) anos, variando entre 16 e 72 anos. A maioria dos participantes era
mulher (f = 316; 76,90%), com ensino
superior completo (f = 205; 49,90%),
de diferentes cursos de todas as áreas do conhecimento, sem vínculo religioso (f = 179; 43,60%) e já tinha vivenciado
a morte de alguém próximo (f = 356;
86,60%) (ver Tabela 1).
|
TABELA 1 Dados Sociodemográficos da Amostra
(N = 412) |
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||||
|
Sexo |
Homem |
Mulher |
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||
|
f = 95; 23,10% |
f = 316; 76,90% |
|
|||
|
f = 849; 41,70% |
f = 142; 70% |
f = 943; 45,30% |
f = 124; 6,10% |
|
|
|
Religião |
Sem vínculo |
Católicos |
Evangélico |
Outras |
|
|
f = 179; 43,60% |
f = 132; 32,10% |
f = 52; 12,70% |
f = 28; 11,70% |
|
|
|
Escolaridade |
EF incompleto completo |
EF completo |
ES incompleto |
ES completo |
|
|
f = 06; 1,50% |
f = 24; 5,80% |
f = 176; 42,80% |
f = 205; 49,90% |
|
|
|
Trabalho |
Saúde |
Humanas |
Sociais aplicadas autônomo |
Engenharias |
|
|
f = 223; 54,30% |
f = 66; 16,10% |
f = 21; 5,10% |
f = 25; 6,10% |
|
|
|
Nota. EF =
ensino fundamental; ES = ensino superior. |
|
Instrumentos
Utilizou-se a “Versão reduzida
da Escala de Percepção de Morte Digna”, oriunda da “Escala de percepção de
morte digna” (EPMD), originalmente de língua japonesa, criada por Miyashita,
Sanjo, Morita, Hirai e Uchitomi (2007), e adaptada para o contexto
brasileiro por Wanssa (2012). A versão utilizada é
composta por 24 itens distribuídos em seis fatores: (1) manutenção da esperança
e do prazer (α = 0,54; 7 itens), que destaca os aspectos
positivos da vida, o sentido de esperança atribuído e a sensação de que vale a
pena viver; (2) boa relação com a equipe profissional de saúde (α = 0,60; 10 itens), que expressa a preocupação com as relações
interpessoais, especificamente com as pessoas que são os principais cuidadores
no contexto da enfermidade; (3) controle físico e cognitivo (α = 0,57; 6 itens), que mensura a importância de ser independente nas
atividades (por exemplo, na alimentação e cuidados pessoais), o medo de demonstrar
fraqueza e a capacidade de decisão; (4) não ser um fardo para os demais (α = 0,63; 7 itens), que retrata o temor de ser dependente de
equipamentos e/ou de outras pessoas; (5) boas relações com a família (α = 0,57; 8 itens), que avalia a importância do apoio familiar, o conforto
e desfrute do convívio com os parentes; e (6) controle do futuro (α = 0,49; 4 itens), que trata do conhecimento do tempo que resta de vida,
de estar preparado para morrer e, principalmente, a disposição de despedida das
pessoas queridas. Nela, os participantes precisavam indicar em que medida o
teor expresso em cada item era necessário ou desnecessário para garantir uma
morte digna, por meio de uma escala de respostas Likert que variava de 1
(totalmente desnecessário) a 7 (totalmente necessário) (ver Tabela
2).
Além disso, foi utilizado um questionário sociodemográfico para
caracterizar a amostra por gênero, idade, escolaridade, região do país onde
reside, religião e vivência de morte de alguém próximo.
|
TABELA 2 Distribuição dos Itens nos
Fatores da Versão Reduzida da Escala de Perceção de Morte Digna |
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Fator |
Abreviação
do conteúdo do item |
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|
I |
Ter a sensação de que vale a pena
viver |
|
|
Viver positivamente |
|
|
|
Viver como se estivesse em casa |
|
|
|
Viver em circunstâncias tranquilas |
|
|
|
|
Ser capaz de estar no lugar
preferido |
|
|
|
Ter enfermeira com quem se sinta
confortável |
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|
II |
Ter médico com quem conversar
sobre morte |
|
|
|
Reconciliar-se com as pessoas |
|
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III |
Ser independente em atividades
diárias |
|
|
Não demonstrar à família sua
fraqueza |
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|
Não mudar sua aparência |
|
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|
Ser mentalmente capaz de tomar
decisões |
|
|
|
IV |
Não ser um fardo para membros da
família |
|
|
Não ser tratado como objeto ou
criança |
|
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|
Não ser dependente de equipamentos
médicos |
|
|
|
Não trazer problemas para os
demais |
|
|
|
V |
Contar com pessoas que possam
ouvi-lo |
|
|
Desfrutar tempo suficiente com a
família |
|
|
|
Estar calmo, relaxado |
|
|
|
Ter a sensação de que vale a pena
viver |
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|
|
VI |
Viver positivamente |
|
|
Viver como se estivesse em casa |
|
|
|
Viver em circunstâncias tranquilas |
|
|
|
Ser capaz de estar no lugar
preferido |
|
|
|
|
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Análise estatística
As análises de dados foram
realizadas com auxílio do pacote estatístico SPSS (Statistical
Package for Social Science) for Windows versão 22, dividida em quatro
etapas. Primeiro foi traçado o perfil da amostra, por meio de estatística
descritiva (frequência, percentagem e medidas de tendência central e
dispersão). Em seguida, foi realizada a análise descritiva dos fatores da
escala. Para tanto, foi: 1) verificada a média da pontuação de cada fator (que
variava entre 1 e 7 pontos); 2) realizada a interpretação da pontuação em
quartil (1,00-1,75 – Totalmente desnecessário; 1,76-3,50 – Desnecessário;
3,6-5,25 – Necessário; 5,26-7,00 – Totalmente necessário); 3) verificada a
quantidade de participantes abaixo da média da amostra. Por fim, foram
realizadas comparações das avaliações dos fatores e subfatores em função dos
dados sociodemográficos: sexo, idade, escolaridade, curso e religião.
São apresentados nesta seção os resultados
encontrados na pontuação de cada um dos seis fatores da “Versão reduzida da
Escala de Perceção de Morte Digna”, identificando o quanto cada um é necessário
ou desnecessário para garantir uma morte digna (ver Tabela 3).
Em seguida serão apresentados os resultados das comparações por dados
sociodemográficos.
|
TABELA 3 Pontuação dos Fatores da Versão Reduzida da Escala
de Perceção de Morte Digna |
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Fator |
Ordem de importância |
Pontuação Média (DP) |
Quartil |
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|
1.
Manutenção da esperança e do prazer |
2 |
5,88 (0,85) |
Totalmente
necessário |
|
|
2. Boa relação com a equipe
profissional de saúde |
3 |
5,46 (1,00) |
Totalmente
necessário |
|
|
3.
Controle físico e cognitivo |
5 |
4,69 (0,92) |
Necessário |
|
|
4. Não ser um fardo para os demais |
4 |
5,38 (1,09) |
Totalmente
necessário |
|
|
5. Boas
relações com a família |
1 |
5,99 (0,73) |
Totalmente necessário |
|
|
6. Controle do futuro |
6 |
4,57 (1,14) |
Necessário |
|
|
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O Fator 1 – “Manutenção da esperança e do
prazer” apresentou pontuação média de 5,88 (DP = 0,85), variando entre 1,00
e 7,00, representado no quartil “totalmente necessário”. Observou-se ainda que
49 (14,40%) participantes pontuaram abaixo da média. Nesse sentido, vale
ressaltar que a maioria dos participantes da pesquisa destaca os aspetos
positivos da vida, o sentido de esperança atribuído e a sensação de que vale a
pena viver como aspetos relevantes para a morte digna. Realidade hoje
reconhecida e que incita mudanças na forma de abordagem e tratamento aos
pacientes terminais. A pesquisa de Morais, Nunes, Cavalcanti, Soares e Gouveia
(2016) sobre a perceção de estudantes e profissionais de
medicina sobre a morte digna evidenciou que a perceção na contemporaneidade
sobre a morte na assistência hospitalar, exige mudanças radicais, exigindo aprendizados
específicos que assumem maior espaço nos currículos na área da saúde, e
incitando os hospitais a adquirir meios que permitam mais comodidade e cuidados
a seus pacientes terminais.
O Fator 2 – “Boa relação com a equipe
profissional de saúde” apresentou pontuação média de 5,46 (DP = 1,00),
variando entre 1,25 e 7,00, posicionado no quartil “totalmente necessário”.
Entre os participantes, 168 (40,60%) foram apontados abaixo da média.
Observa-se, portanto, que a maioria dos participantes da pesquisa acha
importante para a morte digna a existência de boas relações interpessoais,
principalmente com as pessoas que são os principais cuidadores no contexto da
enfermidade. Nesse sentido, Santos e Bassitt (2011)
mostram que a satisfação com o atendimento da equipe médica colabora na
condição de final de vida. Para tanto, os familiares da pessoa que está enferma
esperam dos profissionais atenção, informações honestas, conforto, respeito
pelas emoções trazidas por esta situação e apoio espiritual, além de ouvi-las e
responder sobre suas dúvidas.
A pontuação do Fator 3 – “Controle físico e
cognitivo” foi de 4,69 (DP = 0,92), com variações entre 1,00 e 6,75,
representado no quartil “necessário”. Nota-se que 188 (46,20%) sujeitos foram
apontados abaixo da média. Pode-se compreender, portanto, que a maioria dos
participantes da pesquisa acha importante para a morte digna ser independente
nas atividades como alimentação e cuidados pessoais. Para Silva (2013) a aproximação da morte, normalmente é considerada
pela idade avançada, em consideração de que é associado à velhice com perdas,
tanto físico, quanto emocional e social.
O Fator 4 – “Não ser um fardo para os demais”
apresentou pontuação média de 5,38 (DP = 1,09), variando entre 1,00 e
7,00, posicionado no quartil “totalmente necessário”. Observou-se ainda que 196
(47,80%) sujeitos foram apontados abaixo da média. Ou seja, a maioria dos
participantes tem temor de ser dependente de equipamentos e/ou de outras
pessoas e não desejam isso no seu processo de morte. Corroborando com essa
ideia, é abrangente a literatura em defesa do não uso de equipamentos para
obstinação terapêutica de paciente em processo de finitude. Silva et al. (2016) defende que um cuidado em prol de minimizar a
aflição da pessoa no procedimento da morte visa o descanso dos sintomas e
desconfortos, poupando a condição de vida até o fim, de modo que a morte ocorra
de forma natural. Igualmente, Silva (2013) mostra que
pessoas de idade mais avançada agregam mais aversão à dependência do que à
morte.
A pontuação do Fator 5 – “Boas relações com a
família” apresentou-se com média de 5,99 (DP = 0,73), variando entre
1,00 e 7,00, representado no quartil “totalmente necessário”. Observou-se ainda
que 133 (32,00%) sujeitos foram apontados abaixo da média. Para a maioria dos
participantes é importante, portanto, o apoio familiar, o conforto e desfrute
do convívio com os parentes no processo de morte. Nessa perspetiva, Santana et
al. (2013) mostram que os familiares têm o poder de
modificar a realidade dos pacientes terminais, inclusive sobre as decisões de
distanásia e ortotanásia. Muitos aceitam e recebem o processo de morrer,
enquanto alguns ordenam o investimento da equipe, adiando a angústia do
paciente. Por outro lado, Santos e Bassitt (2011) revelam
que no processo finitude é essencial o diálogo entre a equipe de profissionais
e paciente/família, facilitando inclusive, a tomada de decisões.
O Fator 6 – “Controle do futuro” apresentou
pontuação média de 4,57 (DP = 1,14), variando entre 1,25 e 7,00,
representado no quartil “necessário”. Entre os participantes, 203 (48,90%) sujeitos
foram apontados abaixo da média. Observa-se, portanto, que a maioria dos
participantes considera relevante saber o tempo que resta de vida, de estar
preparado para morrer e, principalmente, a disposição de despedida das pessoas
queridas. Nessa perspetiva, Vane e Posso (2011) reforçam
que, depois que aceitar que o paciente não tem cura, a terapia deve ser
paliativa e não mais curativa, com o médico percebendo que ele deve avaliar a
validade, os valores e opções que o paciente tem para investir no final da sua
vida, levar o paciente a ser protagonista no procedimento de sua própria morte,
que, se possível, estar em paz e próximo de seus amados.
A partir da comparação da pontuação desses
seis fatores, destacam-se como aspetos mais importantes para a vivência de
morte digna a existência de “Boas relações com a família” (morte sem
isolamento), a “Manutenção da esperança e do prazer” (trazendo qualidade de
morte) e a “Boa relação com a equipe profissional de saúde”.
Por outro lado, detetou-se que, apesar de
importantes, foram menos relevantes a preocupação em “Não ser um fardo para os
demais” (dependência de outros ou de equipamentos), “Controle físico e
cognitivo” e “Controle do futuro” (saber o tempo de vida e estar preparado para
morrer).
É possível verificar ainda que nas atribuições das
pontuações de morte digna houve diferenças percebidas pelas comparações
realizadas a partir de algumas variáveis sociodemográficas. Não apresentaram
diferenças apenas as comparações por religião e nível de escolaridade. A seguir
são apresentadas apenas as avaliações que se destacaram pela existência de
diferenças estatisticamente significativas. Para tanto, destaca-se que todas as
variáveis se apresentaram não normais a partir do teste de Shapiro-Wilk: fator
1 (W = 0,87; p < 0,01), fator 2 (W = 0,94;
p < 0,01), fator 3 (W = 0,98; p < 0,01), fator 4 (W = 0,96;
p < 0,01), fator 5 (W = 0,82; p < 0,01) e fator 6 (W = 0,99;
p < 0,01). Portanto, foram utilizados
os testes não paramétricos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.
Foram apresentadas diferenças estatisticamente
significativas nas comparações das respostas por gênero, sendo as maiores
pontuações das mulheres: fator 2 (U =
11605,50; p < 0,05) [mulheres (M = 5,54; DP = 0,99); homens (M =
5,19; DP = 1,00)]; fator 4 (U = 12862,50; p < 0,05) [mulheres (M
= 5,44; DP = 1,08); homens (M = 5,20; DP = 1,11)] e fator 5 (U
= 12313,00; p < 0,05) [mulheres (M = 6,05; DP = 0,65); homens (M =
5,78; DP = 0,91)]. Deste modo, para
as mulheres é mais significativa a “Boa relação com a equipe profissional de
saúde”, “Não ser um fardo para os demais” e “Boa relação com a família”.
Verificaram-se diferenças estatisticamente
significativas nas comparações das pontuações por área de curso superior, no
qual os do curso de saúde (Educação física, Enfermagem, Psicologia, Farmácia,
Medicina e Odontologia) apresentaram maiores pontuações, seguido de
engenharias: fator 2 (14,34; p <
0,05) [saúde (M = 5,60; DP = 0,92); engenharias (M = 5,57; DP = 0,94); humanas (M =
5,20; DP = 1,20); ciências sociais
aplicadas (M = 4,76; DP = 0,93)] e fator 6 (11,51; p < 0,05) [saúde (M = 4,77; DP = 1,05); engenharias (M
= 4,43; DP = 1,19); humanas (M = 4,39; DP = 1,12); ciências sociais aplicadas (M = 3,92; DP = 1,15)]. Evidencia-se, portanto, que os
profissionais de saúde consideram mais importante que os demais a “Boa relação
com a equipe profissional de saúde” e o “Controle do futuro”.
Nas comparações das pontuações do fator 2 e 6 entre os
cursos de saúde, Enfermagem destacou-se com a maior pontuação no fator 2 (M = 5,92; DP = 0,52) e Medicina no fator 6 (M = 5,01; DP = 1,13). As
pontuações mais baixas em ambos os fatores foram do curso de Odontologia: fator
2 (M = 4,88; DP = 0,88) e fator 6 (M =
3,63; DP = 0,18).
Conclusão
Neste estudo foi pesquisada a perceção da população
brasileira sobre morte digna, e possíveis distinções nas suas diversidades
sociodemográficas: idade, sexo, curso superior (completo e incompleto), entre
outros. Fundamentando-se em autores citados ao longo do artigo, verifica-se que
a conceção de boa morte mudou ao longo da história. Sendo assim, boa morte
seria relacionada à ortotanásia, morte correta – orto: certo; thanatos: morte.
Pauta-se no processo de humanização da morte e alívio da dor, na qual a morte
ocorre de forma desejável, de forma natural.
Foi possível verificar que a maioria dos participantes
da pesquisa destaca os aspetos positivos da vida, o sentido de esperança
atribuído e a sensação de que vale a pena viver como aspetos relevantes para a
morte digna. Reforça-se que não está afirmando-se que estes fatores garantem
que haja uma morte digna, ou que essas são condições determinantes; afirma-se
sim, que os mesmos são considerados relevantes para a amostra de participantes.
Consegue-se ponderar como aspeto limitante deste
estudo o fato de não ter sido possibilitado fazer uma pesquisa em longo prazo,
de forma longitudinal, no sentido de entender fatores individuais e ambientais
correlacionados à definição de boa morte. Propõe-se, que sejam realizadas
outras pesquisas, investigando outras variáveis.
Finalizando, estima-se que os resultados deste estudo
poderão colaborar para um melhor entendimento sobre a perceção de morte digna
na população brasileira com o objetivo de colaborar para novos procedimentos de
assistência no trabalho em saúde, tanto com familiares com pacientes em
processo de finitude, bem como proporcionar o aprendizado e a pesquisa para a
criação de novas conceções sobre o tema e para o fortalecimento sobre
procedimentos relacionados à “morte digna”.
Conflito de interesses: Nenhum.
Fontes de financiamento: Nenhuma.
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